terça-feira, 29 de maio de 2018

Um jovem com espinha bífida contra a eutanásia de crianças

Chamo-me Giovanni Bonizio: vivo em Roma, tenho 24 anos. Há algum tempo, em vários jornais italianos, publicaram-se artigos sobre um pediatra holandês que pratica a eutanásia em crianças com distintas enfermidades ou deficiências a fim de livrar-lhes do destino de uma vida impossível e tal que não valha a pena ser vivida. Ouvi falar de um referendo, de deixar passagem para a livre pesquisa cientifica: são outros terrenos, mas próximos ao do médico holandês. Falei com algumas pessoas e dei-me conta de que é um tema actual e que é uma posição defendida por muita gente.

Entre os casos em que o médico praticou a eutanásia está o de um menino nascido com espinha bífida (mielomeningocele). Eutanásia por “sentido profissional” e por “amor” segundo o relato. Perguntava o médico, de facto, quase com horror, num jornal: “Mas viram alguma vez um menino nascido com espinha bífida?”. Queria mudar a pergunta. Viram alguma vez crescer um menino com espinha bífida e converter-se em jovem, em adulto? Haverá visto alguma vez? Acrescento outra: Quando é que uma vida vale a pena ser vivida? Parece-me que muitos falam como se a resposta fosse óbvia mas precisamente não é.

Evidentemente devo ser um sobrevivente. Não deveria existir: nasci com espinha bífida. Contudo, tenho uma vida feliz, intensa, também muitos amigos. Passei nos exames universitários e tenho o meu diploma. Desde Junho passado trabalho no Banco de Interesse Nacional. A minha vida é o que se diria ser “uma vida cheia de interesses”. O meu trabalho é bom, a minha família é a que muitos desejariam. Alguns problemas adicionais na vida criaram-me uma sensibilidade às dificuldades das outras pessoas e talvez por isso é que há anos saio ao encontro dos anciãos: a amizade também os ajuda a viver.

Leio, falo, escrevo, sei usar o computador como todos os jovens de minha idade. Quando nasci, poucos apostavam em mim. Felizmente houve quem me quis, verdadeiramente, e não se assustou. Pouco a pouco pude erguer-me, inclusive caminhar e fazê-lo bem. Movo-me por mim mesmo em uma cidade como Roma. Custou-me mais que aos demais, sou mais orgulhoso que os demais. Não calculo a minha inteligência (nem a do médico holandês), mas certamente posso falar, expressar o que penso, ainda que esse médico teorize que aqueles como eu não podem comunicar, e por isso seria melhor que desaparecessem.

A minha vida não é nem triste nem inútil. É certo que sofri várias intervenções cirúrgicas que me ajudaram a superar problemas de diferentes tipos e me permitiram viver o mais possível uma vida – como se diz – normal. Não foi sempre fácil; algumas vezes também sofri, mas nas camas próximas à minha havia sempre muitos outros jovens com o mesmo desejo de se curar, de comunicar, de fazer amigos e, sobretudo, de viver.

Existe, pelo contrário, uma incapacidade de conceber a vida quando há dificuldades a superar. O médico holandês, e os que pensam como ele, deverão questionar o seu medo da vida. Medo a uma vida que contém cansaço, conquista, lutas, derrotas, vitórias, e que não é só um simples crescimento biológico, talvez embriagado das últimas – mas satisfatórias – modas. Um postal “bonito” e “triunfante” que se dilui com as primeiras dificuldades da vida, onde todos exigem o seu grande sorriso e fazem “fitness” e “beach volley”.

Penso que nos deveríamos questionar um pouco mais sobre o que é verdadeiramente humano e o que não é, em lugar de ficarmos surpreendidos pelo facto de que, na nossa sociedade, aumenta o número de pessoas deprimidas, e que não se sabe o que importa de verdade aos jovens.

O problema é que nem sempre se faz tudo o que se poderia fazer para ajudar quem tem um problema, uma enfermidade, a viver melhor. É sobre isto que o médico holandês, que pensa que a eutanásia é um modo de dar dignidade à vida, deveria gastar mais energias e conhecimentos.

A eutanásia em crianças parece-me verdadeiramente horrível, porque elas não se sabem defender. Mata-se – porque é disso que se trata – os que têm defeitos sem esperar sequer que cresçam para ver o que ocorre, sem dar ao contrário aquilo que é necessário: mais ajuda a quem somente é mais fraco. A proposta é esta: se precisamente queremos eliminar algo, então em lugar de abolir a fragilidade é melhor começarmos por abolir o medo da fragilidade que nos faz a todos mais desumanos (e mais indefesos).

Giovanni Bonizio - Comunidade de Santo Egídio, Roma


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1 comentário:

Jorge disse...

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