Os pecados (ou vícios) capitais são os terríveis inimigos da vida espiritual do cristão. O actual Catecismo da Igreja Católica (n. 1866), seguindo a tradição cristã, afirma que esses são: soberba, a avareza, inveja, ira, impureza, gula e preguiça ou acídia. O último na lista – acídia – é um dos mais desconhecidos, e vem identificada com a preguiça. Não são exactamente a mesma coisa, porque a acídia refere-se a um 'estado de alma' mais ou menos estável, enquanto a preguiça se refere a uma das suas formas de manifestação, ou seja, as acções exteriores, principalmente no âmbito do trabalho [1].
S. Tomás trata a acídia em S. Th, II-II, q. 35, e em De Malo, q. 11. Vamos seguir aqui o que diz na Suma Teológica.
O art. 1, afirma que a acídia é um pecado. S. Tomás parte da definição de João Damasceno: “é certa tristeza que causa pesar”. Isso significa que a acídia é uma tristeza que deprime o ânimo do Homem de modo que nada lhe agrada, “assim como se tornam frias as coisas pela acção corrosiva do ácido”. “Acídia” vem, portanto, de “ácido”.
A acídia causa o tédio e uma enorme dificuldade em começar qualquer acção boa. A acídia é o “torpor da mente em começar um acto bom”. Manifesta-se numa falta de iniciativa. Esse tipo de tristeza é sempre mal, porque se dirige ao bem real que é o espiritual. É um mal em si mesmo, por se dirigir ao bem espiritual absoluto; e é um mal também nos seus efeitos, porque afasta o homem de todas as boas obras [2].
S. Tomás esclarece então (a. 1, ad 1) que a tristeza é, em primeiro lugar uma paixão, e, enquanto tal, não é boa nem má. Porém, diante do mal real, e quando permanece moderada, essa paixão é boa. Por outro lado, a tristeza que provém do bem, ou a tristeza excessiva diante do mal é sempre reprovável. Para comprová-lo, S. Tomás cita 2Cor 2, 7: “É melhor que lhe perdoeis e o consoleis para que não sucumba ao peso de demasiada tristeza”. Existe uma boa tristeza pelos pecados, essa é a contrição; e uma má tristeza diante do bem espiritual: essa é a acídia.
Em a. 1, ad. 2, Tomás de Aquino acrescenta que faz parte da humildade que o Homem não se entristeça ao considerar os seus defeitos. Mas não é humildade desprezar os bens recebidos de Deus, mas sim ingratidão.
E como superar a acídia? Encontramos indicações em a. 1, ad. 3. Não há dúvidas de que se deve lutar sempre contra o pecado. Vencemos o pecado às vezes fugindo, outras vezes resistindo. Fugindo quando a persistência do pensamento aumenta o incentivo ao pecado (esse é o caso da luxúria, que é vencida ao desviar o pensamento persistente e se afastando da ocasião de fornicar). Resistindo, por outro lado, através da reflexão profunda que tira todo o incentivo ao pecado.
Para vencer a acídia, portanto, é necessário resistir, ou seja, pensar nos bens espirituais, que dessa forma se tornam para nós mais aprazíveis. E é isso o que se procura fazer na oração. Para superar a acídia, não há outro caminho a não ser o da oração fiel, perseverante e humilde, a qual procura considerar os bens divinos.
Para isto, pode servir de ajuda a frase de S. João da Cruz: “Meus são os Céus e minha é a Terra, meus são os homens, e os justos são meus; e meus os pecadores. Os Anjos são meus, e a Mãe de Deus, todas as coisas são minhas. O próprio Deus é meu e para mim, pois Cristo é meu e tudo para mim”.
Padre Anderson Alves in Zenit
[1] J. Pieper disse: “O facto de que a preguiça esteja entre os pecados capitais parece que é, por assim dizer, uma confirmação e sanção religiosa da ordem capitalista de trabalho. Ora, esta ideia é não só uma banalização e esvaziamento do conceito primário teológico-moral da acídia, mas até mesmo sua verdadeira inversão” (Virtudes Fundamentales, Madrid, Rialp, 1976, pp. 393-394). Cfr.: Jean Lauand, O Pecado Capital da Acídia na Análise de Tomás de Aquino. Disponível em: http://www.hottopos.com/videtur28/ljacidia.htm#_ftn8
[2] “A 'culpa' do assédio da acídia ao meio-dia é do jejum dos monges, pois toda fraqueza corporal predispõe à tristeza, mais aguda nessa hora, pela fome e pelo calor (S. Th., II-II, 35, 1 ad 2). S. Tomás diz nas questões de Quodlibet que o jejum é sem dúvida pecado (absque dubio peccat), quando debilita a natureza a ponto de impedir as acções devidas: que o pregador pregue, que o professor ensine, que o cantor cante... Quem assim se abstém de comer ou de dormir, oferece a Deus um holocausto, fruto de um roubo.” (Quodl. 5, q. 9, a. 2, c)
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