domingo, 10 de maio de 2020

O Indulto Agatha Christie

Em 1970 entrou plenamente em vigor o Missal de Paulo VI (+1978), a Missa a que hoje em dia estamos habituados. Até aí celebrava-se o Missal de S. Pio V (+1572), que era muito semelhante ao Missal que vinha do Papa Gregório, Magno (+604).

Hoje sabemos que a Missa Antiga nunca poderia ter sido proibida. Isto mesmo foi afirmado pela comissão de Cardeais reunida pelo Papa João Paulo II para se pronunciar sobre esta matéria, em 1986. O mesmo afirmou o Papa Bento XVI, em 2007, no Motu Proprio Summorum Pontificum.

Mas em 1970, com a introdução da Missa Nova, criou-se a ideia que a Missa Antiga estaria proibida. Perante isto, em 1971, o Arcebispo de Westminster, Cardeal Heenan, liderou um apelo feito ao Papa Paulo VI para que a Missa Tradicional em latim continuasse a poder ser celebrada em Inglaterra e no País de Gales. Os signatários eram todos conhecidos escritores, académicos, artistas e historiadores residentes em Inglaterra. 

Entre eles estava o nome de Agatha Christie, a famosa escritora de romances policiais. Conta quem estava presente que quando o Papa se deparou com o nome da criadora de Hercule Poirot, exclamou: "Ah, Agatha Christie!", e assinou a aprovação do apelo. Desde aí é conhecido como o 'Indulto Agatha Christie'.

Este é o texto que foi enviado ao Papa Paulo VI (tradução 'Paix-Liturgique'):

Se um qualquer decreto privo de senso viesse ordenar a destruição completa ou parcial das basílicas ou das catedrais, obviamente que as pessoas mais ilustradas — quaisquer que fossem as suas convicções pessoais e o seu credo — se levantariam horrorizadas para se virem opor a uma tal eventualidade. Ora o facto é que as basílicas e as catedrais foram construídas para que aí fosse celebrado um rito que, até há poucos meses, constituía uma tradição viva. Referimo-nos à Missa católica romana. No entanto, de acordo com as últimas informações chegadas de Roma, existe um plano para obliterar essa mesma Missa até ao final do presente ano.

Um dos axiomas da publicidade moderna, e tanto daquela secular como daquela religiosa, é o de que o homem moderno em geral, e os intelectuais em particular, se tornaram intolerantes a todas as formas de tradição, estando ansiosos por suprimi-las e por substituí-las por outra coisa qualquer. Porém, à semelhança do que sucede com muitas outras asserções das nossas máquinas de publicidade, este axioma é falso. No que toca a reconhecer o valor da tradição, hoje, tal como em tempos já idos, as pessoas ilustradas encontram-se na vanguarda, e são as primeiras a fazer soar o alarme quando a mesma é ameaça. Neste momento, o que estamos a considerar não á a experiência religiosa ou espiritual de milhões de indivíduos.

O rito em questão, no seu magnífico texto latino, foi também a inspiração para uma multidão de inestimáveis realizações no campo das artes — e não apenas de obras místicas, mas também de obras deixadas por poetas, filósofos, músicos, arquitectos, pintores e escultores de todos os países e de todas as épocas. E é por isso que ele pertence à cultura universal e não só aos homens de igreja ou aos que se podem dizer formalmente cristãos. Na civilização materialista e tecnocrática que mais e mais ameaça a vida da mente e do espírito naquela que é a sua expressão criativa original — a palavra —, parece algo de particularmente inumano vir privar o homem de algumas formas verbais numa das suas mais grandiosas manifestações.

Os signatários deste apelo, que é inteiramente ecuménico e não político, foram angariados em todos os ramos da cultura moderna, tanto da Europa como noutros lados. O seu desejo é o de chamar a atenção da Santa Sé para a tremenda responsabilidade em que, na história do espírito humano, iria incorrer acaso se recusasse a autorizar a sobrevivência da Missa Tradicional, ainda que esta viesse a sobreviver ao lado de outras reformas litúrgicas.


Assinantes: Harold Acton, Vladimir Ashkenazy, John Bayler, Lennox Berkeley, Maurice Bowra, Agatha Christie, Kenneth Clark, Nevill Coghill, Cyril Connolly, Colin Davis, Hugh Delargy, +Robert Exeter, Miles Fitzalan-Howard, Constantine Fitzgibbon, William Glock, Magdalen Gofflin, Robert Graves, Graham Greene, Ian Greenless, Joseph Grimond, Harman Grisewood, Colin Hardie, Rupert Hart-Davis, Barbara Hepworth, Auberon Herbert, John Jolliffe, David Jones, Osbert Lancaster, F.R. Leavis, Cecil Day Lewis, Compton Mackenzie, George Malcolm, Max Mallowan, Alfred Marnau, Yehudi Menuhin, Nancy Mitford, Raymond Mortimer, Malcolm Muggeridge, Iris Murdoch, John Murray, Sean O'Faolain, E.J. Oliver, Oxford and Asquith, William Plomer, Kathleen Raine, William Rees-Mogg, Ralph Richardson, +John Ripon, Charles Russell, Rivers Scott, Joan Sutherland, Philip Toynbee, Martin Turnell, Bernard Wall, Patrick Wall, E.I Watkin, R.C. Zaehner.


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1 comentário:

Ana Maria Gonçalves disse...

Muito interessante, obrigada