quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Cardeal Sarah explica o que falta nas "nossas" Missas

Cinquenta anos após a sua promulgação pelo Papa Paulo VI, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II será lida? “Sacrosanctum Concilium” não é um simples “livro de receitas” da reforma, mas uma verdadeira “Carta Magna” de toda a acção litúrgica.

Com ela, o concílio ecuménico dá-nos uma lição magisterial. Na verdade, longe de estar contente com uma abordagem multidisciplinar e exterior, o concílio quer fazer-nos reflectir sobre o que a liturgia é na sua essência. A prática da Igreja vem sempre do que recebe e contempla no Apocalipse. O cuidado pastoral não pode ser desligado da doutrina.

Na Igreja, “a acção é ordenada à contemplação” (cfr. n.2). A Constituição do concílio convida-nos a redescobrir a origem trinitária da acção litúrgica. Com efeito, o concílio estabelece a continuidade entre a missão do Cristo Redentor e a missão litúrgica da Igreja. “Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos” para que “mediante o sacrifício e os sacramentos, à volta dos quais gira toda a vida litúrgica” eles realizem “a obra da salvação”. (n.6).

Operar a liturgia é, portanto, nada mais do que a operação da obra de Cristo. A liturgia na sua essência é “actio Christi”. É a obra de Cristo, o Senhor, da “redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus.” (n.5) É Ele que é o eminente Sacerdote, o verdadeiro sujeito, o verdadeiro protagonista na liturgia (n.7). Se este princípio essencial não é aceite, existe o risco de transformar a liturgia em uma obra humana, uma auto-celebração da comunidade. 

Em contrapartida, o verdadeiro trabalho da Igreja consiste em inserir-se na acção de Cristo, em unir-se a essa obra que Ele recebeu como uma missão do Pai. Assim, “deu-nos a plenitude do culto divino”, pois “a Sua humanidade foi, na unidade da pessoa do Verbo, o instrumento da nossa salvação” (n.5). A Igreja, Corpo de Cristo, deve, portanto, tornar-se por sua vez um instrumento nas mãos do Verbo. 

Este é o sentido último do conceito-chave da Constituição Conciliar: “participatio actuosa”. Tal participação da Igreja consiste em tornar-se o instrumento de Cristo – O Sacerdote, com o objectivo de partilhar da Sua missão trinitária. 

A Igreja participa activamente da acção litúrgica de Cristo, na medida em que é o Seu instrumento. Neste sentido, falar de “uma comunidade celebrante” “não é desprovido de ambiguidade e exige prudência. (Instrução “Redemptoris sacramentum”, n.42). A “participatio actuosa” não deve, então, ser concebida como a necessidade de fazer alguma coisa (sobre este ponto, a doutrina do concílio tem sido frequentemente deformada) mas sim permitir que Cristo nos tome e nos ligue ao Seu Sacrifício.

A “participatio” litúrgica deve, portanto, ser concebida como uma graça de Cristo, que “associa sempre a si a Igreja.” (SC, n.7) Ele é quem tem a iniciativa e a primazia. A Igreja “invoca o seu Senhor e por meio dele rende culto ao Eterno Pai” (n.7).

O sacerdote deve tornar-se, assim, este instrumento que permite que Cristo transpareça. Assim como o nosso Papa Francisco nos lembrou, o celebrante não é um apresentador de um espectáculo, não deve visar a popularidade, colocando-se diante dos fiéis como o seu principal interlocutor. Entrar no espírito do concílio significa, pelo contrário, fazer-se desaparecer – abandonando o centro do palco. 

Ao contrário do que às vezes tem sido sustentado, e em conformidade com a Constituição conciliar, é absolutamente apropriado que, durante o acto penitencial, o canto do Glória, as orações e Oração Eucarística, todos - o sacerdote e os fiéis - se voltem “ad orientem”, expressando a sua vontade de participar da obra de adoração e redenção realizada por Cristo. Esta maneira de agir poderia ser convenientemente realizada nas catedrais onde a vida litúrgica deve ser exemplar (n.4). 

Para ser muito claro, há outras partes da Missa, onde o Padre agindo “in persona Christi Capitis” entra em diálogo com a congregação. Mas este cara-a-cara não tem outro objectivo que não levá-los a um tête-à-tête com Deus, que, através da graça do Espírito Santo, irá torná-lo ‘coração-à-coração”. O concílio oferece outros meios para favorecer a participação: “as aclamações dos fiéis, as respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as acções, gestos e atitudes corporais” (n.30). 

Uma leitura excessivamente rápida e superficial deduziu que os fiéis tinham de ser mantidos constantemente ocupados. A mentalidade ocidental contemporânea, moldada pela tecnologia e enfeitiçada pelos meios de comunicação de massa, queria tornar a liturgia uma obra de pedagogia eficaz e proveitosa. Neste espírito, houve a tentativa de fazer dela um espaço de socialização. Os actores litúrgicos, animados por motivos pastorais, tentam, às vezes, fazer dela uma obra didática, através da introdução de elementos seculares e espetaculares. Não vemos, por acaso, um crescimento de testemunhos, performances e palmas. Eles acreditam que a participação é favorecida desta forma, quando, na realidade, a liturgia está a ser reduzida a uma actividade humana. 

“O silêncio não é uma virtude, nem o ruído um pecado, é verdade”, diz Thomas Merton, “mas o tumulto contínuo, confusão e barulho na sociedade moderna ou em certas liturgias eucarísticas africanas são uma expressão da atmosfera dos seus pecados mais graves e de sua impiedade e desespero. Um mundo de propaganda e intermináveis argumentações, de inventivas, críticas ou mera tagarelice, é um mundo em que a vida não vale a pena viver. A Missa torna-se um barulho confuso, as orações um ruído exterior ou interior“ (Thomas Merton, “The Sign of Jonah” edição francesa, Albin Michel, Paris, 1955 – 322 p.). 

Corremos o risco real de não deixar espaço para Deus nas nossas celebrações. Corremos o risco da tentação dos hebreus no deserto. Eles tentaram criar um culto de acordo com sua própria estatura e medida, [mas] não nos esqueçamos que acabaram se prostrando diante do ídolo do Bezerro de Ouro. 

É hora de começar a ouvir o concílio. A liturgia é “principalmente culto da majestade divina” (n.33). Isto tem valor pedagógico, na medida em que é totalmente ordenada à glorificação de Deus e ao culto divino. A Liturgia coloca-nos verdadeiramente na presença da transcendência divina. A verdadeira participação significa renovar em nós mesmos aquela “maravilha” que S. João Paulo II tinha em grande consideração (Ecclesia de Eucharistia, n.6). Esta santa admiração, esta alegre reverência, requer o nosso silêncio diante da Majestade Divina. Frequentemente, esquecemos que o santo silêncio é um dos meios indicados pelo concílio para favorecer a participação. 

Se a liturgia é a obra de Cristo, é necessário que o celebrante introduza os seus próprios comentários? Devemos lembrar que, quando o Missal autoriza uma intervenção, este não deve se transformar em um discurso secular e humano, um comentário mais ou menos subtil em algo de interesse tópico, nem uma saudação mundana para as pessoas presentes, mas uma breve exortação, como introdução ao Mistério (Apresentação Geral do Missal Romano, n.50). Em relação à homilia, é em si um acto litúrgico, que tem as suas próprias regras.

A “participatio actuosa” na obra de Cristo pressupõe que deixemos o mundo secular, de modo a entrar na “acção sagrada por excelência” (Sacrosanctum concilium, n.7). De facto, “nós reivindicamos, com uma certa arrogância – participar do divino” (Robert Sarah, “Dieu ou rien”, p 178.).

Em tal sentido, é deplorável que o altar, nas nossas igrejas, não seja um lugar estritamente reservada para o Culto Divino, que as roupas seculares sejam usadas nele e que o espaço sagrado não seja claramente definido pela arquitectura. Uma vez que, como ensina o concílio, Cristo está presente na Sua Palavra, quando esta for proclamada, é igualmente prejudicial que os leitores não usem roupas adequadas, indicando que eles não estão pronunciando palavras humanas, mas do Verbo Divino. 

A liturgia é fundamentalmente mística e contemplativa, e, consequentemente, para além da nossa acção humana; ainda, a “participatio” é uma graça de Deus. Portanto, ela pressupõe da nossa parte uma abertura ao mistério celebrado. Assim, a Constituição recomenda plena compreensão dos ritos (n.34) e ao mesmo tempo estabelece que “os fiéis possam rezar ou cantar, mesmo em latim, as partes do Ordinário da missa que lhes competem “(n.54). 

Na realidade, a compreensão dos ritos não é apenas um acto de razão, deixada à sua própria capacidade, que deve aceitar tudo, compreender tudo, dominar tudo. A compreensão dos ritos sagrados é a do “sensus fidei”, que exercita a fé viva através de símbolos e que conhece através da “harmonia”, mais do que pelo conceito. Esse entendimento pressupõe que nos aproximamos do Mistério Divino com humildade. 

Mas será que vamos ter a coragem de seguir o concílio até este ponto? Tal leitura, iluminada pela fé, é, no entanto, fundamental para a evangelização. Na verdade, “mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações, para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor ” (n.2). A leitura da Sacrosanctum Concilium deve deixar de ser um lugar de desobediência às prescrições da Igreja. 

Mais especificamente, não pode ser uma ocasião para divisão entre os católicos. As leituras dialécticas da “Sacrosanctum Concilium”, ou seja a hermenêutica da ruptura num sentido ou outro, não é o fruto de um espírito de fé. O concílio não queria romper com as formas litúrgicas herdados da tradição, mas sim queria aprofundá-las. A Constituição estabelece que “as novas formas como que surjam a partir das já existentes.” (N.23).

Neste sentido, é necessário que aqueles que celebram conforme o “usus antiquior” devam fazê-lo sem qualquer espírito de oposição e, portanto, dentro do espírito da “Sacrosanctum Concilium”. Da mesma forma, seria errado considerar a forma extraordinária do Rito Romano como derivando de outra teologia que não da liturgia reformada. Seria também desejável que o acto penitencial e o Ofertório do “usus antiquior” fosse inserido como um apêndice na próxima edição do Missal [de Paulo VI], com o objectivo de ressaltar que as duas reformas litúrgicas se iluminam uma à outra, na continuidade e sem oposição .

Se vivemos com esse espírito, então a liturgia vai deixar de ser um lugar de rivalidade e críticas, em última análise, para nos permitir participar activamente na liturgia “celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como peregrinos nos dirigimos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo”(n.8). 

in L'Osservatore Romano, 12 de Junho de 2015


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2 comentários:

Marcelo Silva disse...

Não vale a pena os sacerdotes lerem a constituição e saberem de cor. O missal de Paulo VI é ilegítimo, sendo bem ou mal rezado. Não é a Missa da Tradição. Não foi revelada por Deus. De certo que ninguém aceitaria os Mandamentos de Deus se eles tivessem sido feitos pelos homens, então porque é que aceitam o missal que não foi feito por Deus?

J Fernandes disse...

Hahaha santa ignorância ou perversa estupidez?
Qual terá sido o missal feito no céu?
Querem ver que temos aqui um novo Maomé querendo convencer os ingénuos que Deus agora também anda a fazer ditados?!