sábado, 29 de maio de 2021

O Bispo que ensinava hinos católicos a comunistas

O Cardeal Van Thuan foi ontem declarado venerável Servo de Deus, as suas virtudes heróicas foram reconhecidas pela Igreja. O Bispo vietnamita foi preso pelos comunistas, e esteve mais de 10 anos em várias prisões. Durante esse tempo converteu muitos dos guardas prisionais.

Numa noite em que estou doente, na prisão de Phú Khánh, vejo passar um polícia e grito: "Por caridade, estou muito doente, dê-me um pouco de remédio!" Ele responde-me: "Aqui não há caridade nem amor, apenas responsabilidade."

Essa é a atmosfera que respiramos na prisão.

Quando fui colocado no isolamento, fui confiado a um grupo de cinco guardas: dois deles estão sempre comigo. Os chefes mudam-nos de duas em duas semanas com os de outro grupo, para que não sejam "contaminados" por mim. Depois, decidiram não mudar mais, pois de outra forma todos ficariam contaminados!

No início, os guardas não falavam comigo, respondiam apenas "yes" e "no". É muito triste; quero ser gentil, cortês com eles, mas é impossível, evitam falar comigo. Não tenho nada para lhes dar de presente: sou prisioneiro, todas as roupas são marcadas com grandes letras "cai-tao", isto é, "campo de reeducação". Que devo fazer?

Uma noite, vem-me um pensamento: "Francisco, tu és ainda muito rico. Tens o amor de Cristo no teu coração. Ama-os como Jesus te ama." No dia seguinte, comecei a amá-los, a amar Jesus neles, sorrindo, trocando palavras gentis. Começo a contar histórias das minhas viagens ao exterior, como vivem os povos na América, Canadá, Japão, Filipinas, Singapura, França, Alemanha… a economia, a liberdade, a tecnologia. Isso estimulou a curiosidade dos guardas, e excitou-os a perguntarem-me muitas outras coisas. Pouco a pouco, tornamo-nos amigos. Querem aprender línguas estrangeiras: francês, inglês… Os meus guardas tornam-se meus alunos! A atmosfera da prisão mudou muito.

Até com os chefes da polícia. Quando viram a sinceridade do meu relacionamento com os guardas, não só pediram para continuar a ajudá-los no estudo de línguas estrangeiras, mas ainda me mandaram novos estudantes.

Um dia, um cabo perguntou-me:

- O que é que pensa do jornal 'O Católico'?

- Este jornal não fez bem nem aos católicos nem ao governo, antes alargou o fosso da separação.

- Porque se expressa mal; usam mal os vocábulos religiosos e falam de maneira ofensiva. Como remediar essa situação?

- Primeiro, é preciso entender exactamente o que significa tal palavra, tal terminologia religiosa…

- Pode ajudar-nos?

- Sim, proponho-lhes escrever um vocabulário de linguagem religiosa, de A a Z. Quando tiverem um momento livre, explicar-vos-ei. Espero que, assim, possam compreender melhor a estrutura, a história, o desenvolvimento da Igreja, as suas actividades…

Deram-me papel, e escrevi esse vocabulário de 1500 palavras, em francês, inglês, italiano, latim, espanhol, chinês, com explicações em vietnamita. Assim, pouco a pouco, com a explicação - as minhas respostas às perguntas sobre a Igreja, e aceitando também as críticas -, esse documento torna-se uma "catequese prática". Há muita curiosidade por saber o que é um abade, um patriarca; qual a diferença entre ortodoxos, católicos, anglicanos, luteranos; de onde provêm os recursos financeiros da Santa Sé…

Este diálogo sistemático, de A a Z, ajuda a corrigir muitas confusões, muitas ideias preconceituosas; torna-se dia-a-dia mais interessante, até mesmo fascinante.

Naquela época, ouvi que um grupo de vinte jovens da polícia estudava latim com um ex-catequista, para estar em condições de entender os documentos eclesiásticos. Um dos meus guardas pertence a esse grupo. Um dia, perguntou-me se lhe podia ensinar um cântico em latim.

- São tantos e tão belos, respondi-lhes.

- Você canta e eu escolho, propôs.

Cantei a Salve Regina, o Veni Creator, a Ave Maris Stella… Podem adivinhar que canto escolheu? O Veni Creator.

Não posso dizer quanto é comovente escutar todas as manhãs um polícia comunista, descendo pela escada de madeira, pelas sete horas, para fazer ginástica e depois lavar-se, cantando o Veni Creator na prisão.

in Cardeal Van Thuan, Cinco pães e dois peixes: Do sofrimento do cárcere, um alegre testemunho da fé


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