quarta-feira, 12 de março de 2025

Gregório Magno, a peste e São Miguel com a espada ensanguentada

No ano de 590, Gregório, da família senatorial da gens Anicia, foi eleito Papa com o nome de Gregório I (540-604).

A Itália estava a ser esmagada por doenças, fome, agitação social e a onda devastadora dos lombardos. Entre 589 e 590, uma violenta epidemia de peste, a terrível luesinguinaria, depois de devastar o território bizantino no leste e o dos francos no Oeste, semeou a morte e o terror na península e atingiu a cidade de Roma. Os cidadãos romanos interpretaram essa epidemia como um castigo divino pela corrupção da cidade.
 
A primeira vítima colhida em Roma pela peste foi o Papa Pelágio II, que morreu a 5 de Fevereiro de 590 e foi enterrado em São Pedro. O clero e o senado romanos elegeram Gregório como seu sucessor, que, depois de ser o praefectus urbis, morava na sua cela monástica no monte Célio. Depois de ser consagrado a 3 de Outubro de 590, o novo Papa imediatamente enfrentou o flagelo da peste.

Gregório de Tours (538-594), que foi contemporâneo e cronista desses eventos, diz que num sermão memorável proferido na igreja de Santa Sabina, o Papa Gregório convidou os romanos a seguir, contritos e penitentes, o exemplo dos habitantes de Nínive: «Olhai em volta: aqui está a espada da ira de Deus brandindo sobre todo o povo. A morte súbita arrebata-nos do mundo, quase sem nos dar um minuto de tempo. Neste exacto momento, oh quantos são levados pelo mal, aqui à nossa volta, sem sequer pensar em penitência.»

O Papa, portanto, pediu que se olhasse para Deus, que permite tais tremendos castigos para corrigir os seus filhos e, para apaziguar a ira divina, ordenou uma "ladainha septiforme", ou seja, uma procissão de toda a população romana, dividida em sete cortejos, de acordo com sexo, idade e condição. A procissão movida desde várias igrejas de Roma até à Basílica do Vaticano, foi acompanhada com o canto das ladainhas. Essa é a origem das chamadas "ladainhas maiores" da Igreja, ou rogações, com as quais oramos a Deus que nos defenda das adversidades.

Os sete cortejos movimentaram-se pelos edifícios da Roma antiga, num ritmo lento, com os pés descalços e a cabeça coberta de cinzas. Enquanto a multidão viajava pela cidade, imersa em silêncio sepulcral, a praga chegou ao ponto de raiva que, no curto espaço de uma hora, oitenta pessoas caíram no chão mortas. Porém, Gregório não parou nem por um instante de instar o povo a continuar orando e queria que a imagem da Virgem preservada em Santa Maria Maior e pintada pelo evangelista São Lucas fosse levada antes da procissão (Gregório de Tours, Historiae Francorum, liber X, 1, em Opera omnia, ed. JP Migne, Paris 1849, p. 528).

A lenda dourada, de Jacopo da Varazze, que é um compêndio das tradições transmitidas desde os primeiros séculos da era cristã, conta que, à medida que a imagem sagrada progredia, o ar tornava-se mais saudável e claro e os miasmas da praga se dissolviam, como se não pudessem suportar a sua presença. Quando chegaram à ponte que liga a cidade ao mausoléu de Adriano, conhecida na Idade Média como Castellum Crescentii, de repente um coro de anjos cantava: «Regina Coeli, laetare, Alleluja - Quia quem meruisti portare, Alleluja - Resurrexit sicut dixit, Aleluia.» O Papa Gregório respondeu em voz alta: "Ora pro nobis rogamus, Aleluja!" Assim nasceu a Regina Coeli, a antífona com a qual na Páscoa a Igreja saúda Maria Rainha pela ressurreição do Salvador.

Depois da música, os Anjos organizaram-se em círculo ao redor da imagem de Nossa Senhora e o Papa, olhando para cima, viu no topo do Castelo um Anjo que, depois de secar a espada que pingava sangue, colocou-a na bainha, como um sinal da cessação da punição: «Tunc Gregorius vid super Castrum Crescentii angelum Domini gludium cruentatum detergens in vagina revocabat: intellexit que Gregorius quod pestisilla cessasset et sic factum est. Unde et castrum illud castrum Angels deinceps vocatum est." Gregório entendeu que a praga havia terminado e assim aconteceu: e esse castelo passou a ser chamado de Castelo do Santo Anjo (Iacopo da Varazze, lenda dourada, ed. crítica editada por Giovanni Paolo Maggioni, Sismel-Edizioni del Galluzzo, Florença 1998, p. 90).

O Papa Gregório I foi canonizado e proclamado Doutor da Igreja, e entrou na história com o apelido de "Magno". Após a sua morte, os romanos começaram a chamar ao edifício de Adriano "Castel Sant'Angelo" e, em memória do prodígio, colocaram no alto do castelo a estátua de São Miguel, chefe das milícias celestes, no processo de embainhar a espada. Ainda hoje, no Museu Capitolino, há uma pedra circular com as pegadas que, segundo a tradição, teriam sido deixadas pelo Arcanjo quando ali se deteve para anunciar o fim da praga. Também o cardeal Cesare Baronio (1538-1697), considerado por o rigor de sua pesquisa, um dos maiores historiadores da Igreja, confirma a aparição do Anjo no topo do castelo (Odorico Ranaldi, anais eclesiásticos retirados do cardeal Baronio, ano 590, Appresso Vitale Mascardi, Roma 1643, pp. 175 -176).

Observamos apenas que, se o Anjo, graças ao apelo de São Gregório, embainhou a espada, significa que antes a havia desembainhado para punir os pecados do povo romano. Os Anjos são de facto os executores dos castigos divinos dos povos, como nos lembra a visão dramática do Terceiro Segredo de Fátima, exortando-nos ao arrependimento: «Um Anjo com uma espada de fogo na mão esquerda. Ao cintilar despedia chamas que pareciam incendiar o mundo. Mas, apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro. O anjo, apontando com a mão direita para a Terra, com voz forte dizia: - Penitência, penitência, penitência!»

Professor Roberto de Mattei


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1 comentário:

Anónimo disse...

Depois de ler este testemunho, lembrei- me de uma expressão muito usada pela minha avó materna, quando queria enfatizar algo mais ou menos fora de tempo:" Oh, isso foi no tempo em que o monarca era a rainha!..."
Realmente, tal atitude corajosa e de Fé inabalável é totalmente oposta à que a Igreja atual teve na última pandemia!
Sinais dos tempos?!