Exactamente há 150 anos, a 6 de Agosto de 1875, o grande presidente equatoriano Gabriel García Moreno, muito provavelmente o maior político católico moderno, e aquele que deu o mais perfeito testemunho da realeza social de Jesus Cristo, foi assassinado nos degraus da catedral de Quito, capital do Equador. Apesar das numerosas reformas de “liberalização” no seu país, o seu conservadorismo contra-revolucionário era uma constante irritação para os elementos anticlericais e maçónicos que urdiram a sua morte.
A melhor exposição da vida de García Moreno disponível online é a de Gary Potter, que pode ser encontrada em vários locais, como no FishEaters. Eis o relato de Potter, com base na biografia clássica do Pe. Berthe. Que o presidente era um católico santo, é difícil contestar. Deve notar-se em especial a centralidade da Santa Missa na sua vida.
Segundo o Pe. Berthe: “Não somente não temia a morte, mas, como os mártires, desejava-a pelo amor de Deus. Quantas vezes escreveu e pronunciou estas palavras: ‘Que felicidade e glória para mim se me fosse pedido derramar o meu sangue por Jesus Cristo e a Sua Igreja.’”
Seria isto dito da boca para fora? Teria tido uma verdadeira conversão e transformação interior ao abandonar os caminhos da sua juventude e regressar à fé? Ouvimos aqui algumas das leis que fez aprovar em favor da Igreja, em favor da Fé. Acrescente-se que assistia diariamente à Missa, rezava o Terço todos os dias e dedicava meia hora diária à meditação. Seria sincero em tudo isto ou tratar-se-ia apenas de uma pose, uma espécie de campanha pública de imagem antes da existência de Relações Públicas? E, ao ser visto na Missa diariamente, seria apenas uma versão da década de 1870 de uma “photo-op”? […]
O Pe. Berthe cita-o a propósito da acusação de hipocrisia por se deixar ver publicamente a praticar a Fé. Disse ele: “Hipocrisia consiste em agir de modo diferente do que se crê. Assim, verdadeiros hipócritas são os homens que têm a Fé, mas, por respeitos humanos, não ousam praticá-la.”
Se tal não bastasse para responder à acusação de hipocrisia, pode demonstrar-se de várias formas que o homem privado e o homem público correspondiam perfeitamente. Não há, contudo, demonstração mais clara do que citar a regra que escreveu de próprio punho no seu exemplar da Imitação de Cristo. Já foi referida. Lembre-se que ele não sabia que a morte o aguardava no exterior da catedral a 6 de Agosto de 1875, nem que a Imitação seria encontrada no seu bolso nesse dia, nem que a sua regra seria alguma vez lida por outros. Eis, pois, a regra completa:
“ - Todas as manhãs, ao rezar, hei-de pedir em especial a virtude da humildade.
- Todos os dias, ouvirei a Missa, rezarei o Terço e lerei, além de um capítulo da Imitação, esta regra e as instruções anexas.
- Terei o cuidado de me manter, quanto possível, na presença de Deus, especialmente nas conversas, para não pronunciar palavras inúteis. Oferecerei constantemente o meu coração a Deus, sobretudo antes de qualquer acção.
- Direi a mim mesmo continuamente: Sou pior do que um demónio e mereço ter o Inferno por habitação. - Quando for tentado, acrescentarei: Que pensarei disto na hora da minha última agonia?
- No meu quarto, nunca rezarei sentado quando o possa fazer de joelhos ou de pé. Praticarei diariamente pequenos actos de humildade, como beijar o chão, por exemplo. Desejarei toda a espécie de humilhações, procurando, contudo, não as merecer por culpa minha. Regozijar-me-ei quando as minhas acções ou a minha pessoa forem insultadas e censuradas.
- Nunca falarei de mim, salvo para confessar os meus defeitos ou faltas.
- Esforçar-me-ei, pensando em Jesus e Maria, por domar a minha impaciência e contrariar as minhas inclinações naturais. Serei paciente e amável mesmo com quem me aborreça; nunca falarei mal dos meus inimigos.
- Todas as manhãs, antes de começar a trabalhar, anotarei o que tenho de fazer, tendo muito cuidado em distribuir bem o tempo, dedicar-me apenas a assuntos úteis e necessários e continuá-los com zelo e perseverança. Observarei escrupulosamente as leis da justiça e da verdade e nada terei em mente em todas as minhas acções senão a maior glória de Deus.
- Farei um exame particular duas vezes por dia sobre o exercício das diferentes virtudes e um exame geral todas as noites. Confessar-me-ei todas as semanas.
- Evitarei todas as familiaridades, ainda as mais inocentes, segundo exigir a prudência. Nunca passarei mais de uma hora em qualquer divertimento e, em geral, nunca antes das oito horas da noite."
Outro autor, Joseph Sladky, dá pormenores sobre o seu horário diário, que envergonharia muitos religiosos activos e contemplativos da actualidade:
A sua Regra de Vida [como presidente] mostra igualmente a disciplina da sua vida quotidiana. O seu dia era ordenado e regular. Levantava-se às 5h00, ia à igreja às 6h00, onde assistia à Missa e fazia a sua meditação. Às 7h00, visitava os doentes no hospital, regressando depois ao seu escritório, onde trabalhava até às 10h00. Após um pequeno-almoço frugal, trabalhava com os seus ministros até às 15h00. Depois do jantar, às 16h00, fazia as visitas necessárias e resolvia disputas. Às 18h00, regressava a casa e ficava com a família até às 21h00. Quando outros descansavam ou iam divertir-se, ele regressava ao gabinete e trabalhava até às 23h00 ou meia-noite.
Segue-se o relato de Potter acerca da morte do presidente:
O exame médico após o assassinato demonstrou que García Moreno foi baleado seis vezes e golpeado catorze vezes com um facão. Um dos golpes atravessou-lhe o cérebro.
Apesar de tudo, não morreu de imediato. Quando os sacerdotes da catedral chegaram até ele, ainda respirava. Foi transportado para o interior, sendo deitado aos pés da imagem de Nossa Senhora das Dores. Um médico foi chamado, em vão. Um dos sacerdotes pediu-lhe que perdoasse aos assassinos. Não podendo falar, respondeu com o olhar que já lhes tinha perdoado. Recebeu a Extrema-Unção. Quinze minutos depois, expirou, ali mesmo na catedral.
Sladky assinala que a rebelião esperada pelos anarquistas nunca se concretizou; o presidente era demasiado estimado.
Após o seu assassinato, toda a cidade de Quito entrou em luto, com os sinos a tocar incessantemente. Os conspiradores pensaram que o assassinato provocaria uma revolução, mas saíram desiludidos. Durante três dias, enquanto o corpo permaneceu em câmara ardente na catedral, milhares de pessoas enlutadas vieram prestar homenagem ao homem que tanto fizera pelo seu país. Na sessão de 16 de Setembro de 1875, o Congresso do Equador emitiu um decreto homenageando García Moreno como “O Regenerador da sua pátria e Martyr da Civilização Católica.”
Em 1921, no centenário do seu nascimento, um poeta escreveu estas palavras certeiras:
" O eterno correr do tempo
Não apagou a grandeza que é tua,
E nunca há-de, com toda a certeza,
Deixar na obscuridade escura
O brilho glorioso da tua vida sublime!"
É pena, creio, dizer que, mesmo que García Moreno seja inteiramente digno de beatificação (como creio, avaliando objectivamente a sua vida), actualmente seria visto como demasiado “fora da linha” dos temas do Vaticano II — Dignitatis Humanae, Gaudium et Spes, etc. É um presidente de Immortale Dei e Quas Primas, documentos já fora de moda. Mas talvez isto mude, um dia.
Afinal, as últimas palavras de García Moreno foram: “Deus não morre.” E também não morre a verdade sobre a primazia do espiritual e do sobrenatural sobre o temporal e o natural, sem a qual este último defininha e morre.
Peter Kwasniewski in New Liturgical Movement