A Relatio Finalis [relatório final] do Sínodo-2015,
adoptado esta noite pelos Padres Sinodais, representa um melhoramente enorme e
encorajador em relação ao Instrumentum
Laboris [documento de trabalho] que serviu de base para o trabalho do
Sínodo. A tremenda diferença entre os dois documentos ilustra o quão frutífero
foi o caminho que o Sínodo percorreu ao longo de três semanas, às vezes
desafiantes.
Diferenças consideráveis, melhoramento considerável
Disposto
como estava, com sociologia, e sociologia não muito boa, o documento de
trabalho era, em mais do que uns pontos, difícil de reconhecer como um
documento da Igreja. O
relatório final é claramente um texto eclesial, um produto da mediação da
Igreja em relação à Palavra
de Deus, compreendida como a lente através do qual a Igreja interpreta a
experiência contemporânea.
O
documento de trabalho era biblicamente anorético. O relatório final é biblicamente
rico, mesmo até eloquentemente bíblico, como é próprio de um Sínodo no
quinquagésimo aniversário da conclusão do Concílio Vaticano II e a sua
Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, Dei Verbum.
Às
vezes, o documento de trabalho parecia quase embaraçado com a doutrina
estabelecida pela Igreja sobre a indissolubilidade do casamento, sobre as
condições necessárias para a digna recepção da Sagrada Comunhão, e sobre as
virtudes da castidade e fidelidade. O
relatório final reafirma as doutrinas da Igreja sobre o matrimónio, a Sagrada
Comunhão e a possibilidade de viver virtuosamente no mundo pós-moderno. E fá-lo sem objecções, mesmo quando
exige à Igreja uma proclamação das verdades como património do próprio Senhor
Jesus e um cuidado pastoral mais solícito daqueles que estão em circunstâncias
de dificuldades maritais e familiares.
O
documento de trabalho era praticamente silencioso sobre o dom dos filhos. O relatório final descreve os
filhos como uma das maiores bençãos, louva as famílias grandes, tem cuidado
em honrar crianças com necessidades especiais e eleva o testemunho de casais
felizes e dos seus filhos com muitos frutos como agentes de evangelização.
O
documento de trabalho tinha alguma discussão sobre a consciência e o seu papel
na vida moral. O relatório final faz um trabalho muito melhor de explicar a
compreensão que a Igreja tem de consciência e a sua relação com a verdade, rejeitando a ideia de que a
consciência é uma espécie de faculdade flutuante da vontade que funciona de
forma equivalente à carta "Pode Sair Livre da Prisão".
O
documento de trabalho estava cheio de ambiguidades sobre a prática pastoral e a
sua relação com a doutrina. O relatório final, apesar de ainda ter algumas
ambiguidades, deixa claro que
o cuidado pastoral tem que começar de um ponto de compromisso com o ensinamento
estabelecido pela Igreja, e que não existe tal coisa como "Catolicismo de
opção local", quer em termos de soluções regionais/nacionais ou de
soluções de paróquia-em-paróquia. A Igreja permanece uma Igreja.
O
documento de trabalho também era ambíguo na sua descrição de
"família". O
relatório final sublinha que não pode haver uma analogia bem feita entre a
compreensão Católica de "matrimónio" e "família" e outros
acordos sociais, independentemente do seu estatuto legal.
A
misericórdia e a verdade às vezes pareciam estar em tensão no documento de
trabalho. O relatório final está muito mais desenvolvido teologicamente no que
toca ao relacionar a
misericórdia e a verdade em Deus, que são portanto inseparáveis na doutrina e
prática da Igreja.
O
documento de trabalho não era nada de especial de um ponto de vista literário e
era mais do que difícil para digerir. O
relatório final é bastante eloquente em alguns pontos e vai enriquecer as vidas
de quem o ler, mesmo que possam não concordar com esta ou aquela
formulação.
No
fundo, o relatório final, apesar de não estar sem falhas, avança um longo
caminho - e anos-luz além do Instrumentum
Laboris - ao fazer aquilo que o Papa Francisco e muitos Padres Sinodais
queriam fazer com este processo inteiro de dois anos: elevar e celebrar a visão Católica
do matrimónio e da família como uma resposta luminosa à crise dessas
instituições no século XXI.
Entrelinhas e oportunidade perdidas
O
Sínodo-2015 também trouxe à luz alguns problemas sérios que ainda têm que ser
respondidos, agora que a Igreja se move para além dos Sínodos gémeos de 2014 e
2015, com o relatório final do Sínodo-2015 como esquema de trabalho para
reflexões futuras (e para qualquer documento pós-sinodal que o Papa Francisco
eventualmente decida promulgar).
O
primeiro destes problemas pode-se chamar problema de digestão pastoral e
teológica. Para mim era dolorosamente claro através de algumas intervenções na
assembleia geral do Sínodo - e através de alguns dos relatórios dos grupos de
discussão do Sínodo separados por línguas - que vastos sectores da Igreja mundial
não começaram ainda a interiorizar o ensinamento da Familiaris Consortio (a
exortação apostólica de João Paulo II de 1981, que completou o trabalho do
sínodo de 1980 sobre a Família), e
muito menos a interiorizar a Teologia do Corpo de João Paulo. Pior ainda,
algumas zonas da Igreja ocidental na Europa parecem olhar para tais materiais
como um chapéu velho sem esperança, apesar de só ter ainda trinta anos. O
entusiasmo com que a Teologia do Corpo tem sido recebida nas zonas mais alerta
da Igreja na América do Norte foi certamente parte da discussão do Sínodo-2015;
mas falta ainda um grande
trabalho a ser feito para levar esta perspectiva Católica única sobre o corpo,
a sexualidade e o amor humano para uma fruição pastoral na América Latina e
Europa.
No
entanto, talvez não seja tão surpreendente que demore algum tempo que um
ensinamento verdadeiramente original se espalhe e se desenvolva na tradição
Católica; estas coisas demoram sempre tempo. Mas dada a velocidade com que a
mudança cultural (ou desconstrução cultural) está a lavar o mundo ocidental, certamente que se espera que as
igrejas locais que ainda não estão equipadas com estes recursos carreguem no
acelerador.
O
Sínodo-2015 também teria sido mais honesto se o debate tivesse trazido à
superfície o duro facto de que a
questão da comunhão e da consciência muitas vezes funcionou como pretexto para
bispos, em grande medida do mundo alemão, que querem esquecer a Humanae Vitae e
desconstruir a Veritatis
Splendor. Essas partes da Igreja universal nunca perdoaram a Paulo VI
por reafirmar, na Humanae
Vitae, a visão Católica clássica dos meios apropriados para regular a
fertilidade. Nem perdoaram a João Paulo II por rejeitar a teologia moral
proporcionalista e insistir, na Veritatis
Splendor, que alguns actos
são, por eles mesmos, gravemente maus (malum in se). Um padre
Sinodal proeminente do Catolicismo alemão foi tão longe como sugerir, numa
entrevista antes do Sínodo-2015, que se pode encontrar sempre algum bem em
todas as situações, que o malum
in se não tinha um significado real no mundo de hoje. (Uma pessoa
pensa imediatamente na violação, na tortura de crianças, no tráfico sexual de
jovens raparigas, nas crucixões e decapitações de Cristãos pelo ISIS, e
pergunta-se o que é que se estava a passar nesta afirmação incrível.)
Para
além do orgulho intelectual que já referi como problema nestas contestações,
uma pessoa não pode deixar de pensar
numa certa cegueira à história. O tecido moral do Ocidente que se está a
desenrolar está a levar, passo
a passo, ao que Bento XVI apropriadamente chamou de "ditadura do
relativismo" - o uso do
poder coercivo do estado para impor um código com uma moral relativista em toda
a sociedade. Porque é que
importantes bispos alemães não conseguem ver isto?
Outra
ideia nos debates do Sínodo-2015 foi a questão tão velha como a controvérsia
entre Agostinho e Pelágio - e provavelmente muito mais velha que isso: nós
somos pecadores à procura de redenção ou somos basicamente pessoas boas que
conseguem, pelos seus próprios esforços, puxar-se à nobilidade que aspiram?
Esta última está hoje carregada de um "individualismo expressivo" - o
termo usado pelo professor de direito de Notre Dame, Carter Snead, numas
declarações divulgadas esta semana em "Letters to the synod", para resumir a noção pós-moderna da
pessoa humana simplesmente como um conjunto de desejos, uma vontade com corpo.
É suficiente mau que, como diz o Professor Snead, quando cinco juízes do
Supremo Tribunal Americano acreditam nisto e o usam como desculpa para
encontrar "direitos" na Constituição que seriam inimagináveis para os
que a escreveram e adoptaram esse texto e amendas. É muito pior quando se
encontram bispos Católicos que parecem inclinar-se para uma direcção parecida e
errónea, agindo sob pressões culturais que parecem criar uma sensação de
pastoral do desespero. Aqui, portanto, está um assunto que precisa de sério
exame na Igreja pós-Sínodo-2015.
Por
fim, e apesar de todas as coisas boas no relatório final, é uma pena que um Sínodo que devia
ser sobre mudar o mundo acabasse por ser uma batalha sobre mudar a Igreja - ou permanecer fiel à sua doutrina e
forma fundamental. Isto não é, esperamos, o que o Papa Francisco queria, mas é
o que aconteceu e isso em si mesmo foi uma oportunidade perdida. Também sugere
que a paixão por uma "Igreja permanentemente em missão" de que o
Santo Padre fala tem ainda que ser comunicada a muitos sectores importantes da
Igreja mundial.
Uma Igreja virada para dentro não é a Igreja da Nova Evangelização. Por isso falta aos
que se dedicam ao renascimento evangelizador do Catolicismo do século XXI ligar
a família a essa missão de uma forma mais forte do que o Sínodo-2015
foi capaz de fazer.
— George Weigel, Distinguished
Senior Fellow e William E. Simon Chair em Catholic Studies, Ethics e Public
Policy Center.
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