segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

S. João Bosco e S. Domingos Sávio falam sobre santidade



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São João Bosco adverte: Evitar as más conversas a todo o custo!

Quantos jovens estão no inferno por ter dado ouvidos às más conversas! Esta verdade já a inculcava São Paulo, quando dizia que as conversas inconvenientes nem sequer se devem nomear entre cristãos, porque são a ruína dos bons costumes. Fazei de conta que as conversas são como os alimentos: por muito bom que seja um prato é suficiente que sobre ele caia uma só gota de veneno para dar a morte aos que dele comerem. 

O mesmo acontece com a conversação obscena. Uma palavra, um gesto, um gracejo basta para ensinar a malícia a um ou também a muitos meninos, os quais tendo vivido até então como inocentes cordeirinhos, por causa daquelas conversas e maus exemplos perdem a graça de Deus e se tornam infelizes escravos do demónio.

Poderá alguém dizer: Conheço as funestas consequências das más conversas; mas como se há de fazer? Estou numa casa, numa escola, num serviço, numa casa de negócio, num lugar onde se fazem más conversas. Infelizmente, meus caros jovens, sei que há desses casos; por isso vos indico o modo de sairdes dessa dificuldade sem ofender a Deus. Se são pessoas inferiores a vós, corrigi-as com rigor; dado o caso que sejam pessoas a quem não convenha admoestar , fugi, se vos for possível; não podendo, ficai firmes em não tomar parte nem com palavras, nem com os sorrisos e dizei no vosso coração: Meu Jesus, misericórdia.

E se, apesar destas precauções, vos achardes ainda em perigo de ofender a Deus, dar-vos-ei o conselho de Santo Agostinho, que diz: Apprechénde fugam, si vis reférre victóriam. Foge, abandona o lugar, a escola, a oficina, suporta todos os males deste mundo, ante que a morar num lugar ou tratar com pessoas que põem em perigo a salvação da tua alma. Porque diz o Evangelho, melhor é sermos pobres, desprezados, sofrer que nos cortem os pés e as mãos e até que nos arranquem os olhos e ir assim ao Céu, antes que ter tudo o que desejamos no mundo e depois perder-nos eternamente.

Pode às vezes acontecer que algum companheiro vos escarneça e se ria de vós, mas não importa: tempo virá em que o riso e o sarcasmo dos malvados se transmudará em pranto no inferno e o desprezo dos bons se converterá na mais consoladora alegria no Céu. Notai contudo que, permanecendo vós fiéis a Deus, acontecerá que os vossos mesmos detractores será obrigados a prezar a vossa virtude, já não se atreverão a molestar-vos com os seus perversos motejos. 

Onde se achava São Luis Gonzaga, ninguém já se atrevia a proferir palavras menos honestas, e si ele chegava na ocasião em que outros as pronunciavam, diziam logo: Silêncio! Aí vem o Luis. 

D. Bosco in 'O jovem instruído na prática de seus deveres religiosos'


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domingo, 30 de janeiro de 2022

Os 3 bens do Matrimónio

A Igreja adoptou o ensinamento de Santo Agostinho sobre os bens do Matrimónio: Fidelidade, Prole e Sacramento.

«Na fidelidade, tem-se em vista que, fora do vínculo conjugal, não haja união com outro ou com outra. Na prole, que esta se acolha amorosamente, se sustente com solicitude, se eduque religiosamente. Com o sacramento, enfim, que não se rompa a vida comum, e que aquele ou aquela que se separa não se junte a outrem nem mesmo por causa dos filhos. É esta como que a regra das núpcias, na qual se enobrece a fecundidade da incontinência.»

Santo Agostinho in De Gen. ad lit., livro IX., cap. VII; n. 12


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Adoremus in aeternum Sanctissimum Sacramentum



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sábado, 29 de janeiro de 2022

Os lobos são mais perigosos mas as moscas são mais chatas

Ainda que tenhamos que combater contra as grandes tentações com ânimo inquebrantável e a vitória nos seja de suma utilidade, é todavia ainda mais útil combater as pequenas, cuja vitória por causa de seu número pode trazer tanta vantagem como a daqueles que venceram felizmente grandes tentações. 

Os lobos e os ursos são certamente mais para temer do que as moscas; as moscas, porém, são mais importunas e experimentam mais a nossa paciência. É fácil não cometer um homicídio; mas é difícil repelir continuamente os pequenos ímpetos da cólera, que se oferecem em todas as ocasiões. 

É fácil a um homem ou a uma mulher não cometer adultério; mas não há igual facilidade em assim conservar a pureza dos olhos, não dizer ou ouvir com prazer nada daquilo que se chama adulações, galanteios, não dar nem receber amor ou pequeninas provas de amizade. É bem fácil não dar rival ao marido, nem rival à mulher, quanto ao corpo. Mas não é assim fácil não o dar quanto ao coração. É bem fácil não manchar o tálamo nupcial, mas bem difícil manter ileso o amor conjugal. 

É fácil não furtar os bens do próximo; mas dificultoso é não os desejar e cobiçar. É fácil não levantar falsos testemunhos em juízo; mas difícil não mentir em conversa; fácil é não embriagar-se, difícil ser sempre sóbrio; é bem fácil não desejar a morte ao próximo, difícil contudo não desejar a sua incomodidade; fácil é não difamar alguém, mas é difícil não desprezar.

Enfim, essas pequenas tentações de cólera, de suspeitas, de ciúmes, de invejas, de amizades tolas e vãs, de duplicidades, de vaidade, de afectação, de artifícios, de pensamentos maus, tudo isso, digo, forma o exercício cotidiano, mesmo das almas mais devotas e resolvidas a viver santamente. 

Por isso, Filoteia, ao passo que nos devemos mostrar generosos em combater as grandes tentações, quando aparecem, é muito necessário que nos preparemos cuidadosamente para as pequenas tentações, convictos de que as vitórias que obtivermos assim de nossos inimigos ajuntarão outras tantas pedras preciosas à coroa que Deus nos prepara no paraíso.

São Francisco de Sales in 'Filoteia ou Introdução à Vida Devota'


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3 frases de São Francisco de Sales que mudaram muitas vidas

São Francisco de Sales foi um grande Bispo e Doutor da Igreja. Combateu a heresia protestante na Suiça, tendo sido bastante perseguido por isso. É por causa dele que a obra de D. Bosco se chama 'Salesianos'. 

São Francisco de Sales foi um mestre da vida espiritual. O seu livro "Filoteia, Introdução à vida devota" é um dos livros espirituais mais estudados de sempre. Ali encontramos verdadeiras pérolas de sabedoria como as que se seguem: 

1. "A reputação raramente é proporcional à virtude." 

2. "É essencial meia hora de oração, a não ser quando se está muito ocupado, nesse caso é necessário uma hora." 

3. "Deves ter verdadeira dor dos pecados que confessas, por mais leves que sejam, e fazer um firme propósito de emenda para o futuro. Muitos perdem grandes bens e muito aproveitamento espiritual porque, confessando-se dos pecados veniais por costume e mero cumprimento, sem pensar em emendar-se, permanecem durante toda a vida com eles."


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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Pecados frequentemente repetidos, e emenda de vida

 
É verdade que o Concílio de Trento, condenando a proposição contrária, admite que uma pessoa verdadeiramente arrependida e com o consequente propósito de emenda possa, mesmo que pouco depois, recair no mesmo pecado.
 
No entanto, S. João da Cruz e S. Afonso M. de Ligório, padroeiro dos confessores e dos teólogos e filósofos da Moral, que aceitavam plenamente a Doutrina Conciliar, entendiam que quando não havia um esforço verdadeiro e determinado para mudança de comportamentos alguma coisa estava mal. Sto. Afonso Maria de Ligório pensava que o facto de se conceder sempre tão facilmente a absolvição poderia ser um estorvo para o penitente mudar verdadeiramente os seus comportamentos e consequentemente tornar o Confessor um cúmplice do(s) pecado(s); melhor seria segundo ele adiar a absolvição. 

S. João da Cruz, verificando que religiosos e noviços de outros conventos não progrediam na vida Espiritual, tratava de cuidar exigentemente deles, quando chegavam ao seu convento, de modo que mudassem, avançando nessa mesma vida Espiritual. Tanto um Santo como o outro provaram na prática que era verdade o que advogavam.
 
O Sto. Cura de Ars (S. João Maria de Vianney) e o Sto. Padre Pio (S. Pio de Pietrelcina), geralmente falando, isto é, na grandíssima maioria dos casos, não faziam Direcção Espiritual fora do confessionário, mas era no próprio Sacramento da Penitência que davam os seus conselhos e orientações. E não obstante aquele Sacramento, nos seus casos, não ser demorado era muito eficaz - o ponto é a Graça de Deus. Pessoalmente, sempre achei que a Direcção Espiritual devia ser feita com o confessor habitual, mesmo que em alguma ocasião possa ser mais demorada. 

Há quem pense de outro modo, o que, não só evidentemente respeito, mas também tenho sempre atendido quem a si o prefere. Por isso, a minha preocupação apostólica no que a isto diz respeito não foi a de atrair pessoas para a Direcção Espiritual separada do Sacramento da Reconciliação, mas sim para a Confissão frequente e periódica. Aliás, olhando para a desproporção enorme entre Fiéis Sacerdotes e Fiéis Leigos imediatamente se dá conta de que é impossível, impraticável, a Direcção Espiritual para todos a não ser no Sacramento da Conversão.
 
Alguns exemplos, de modo nenhum exaustivos, inteiramente imaginários:
 
- “Não tenho tempo para rezar em virtude das solicitações contínuas da pastoral ou da família.” - “quanto tempo dás à oração pessoal, 15 minutos, 30 minutos? Pois põe-te diante do Sacrário e de ali não te arredes durante uma hora, se és Padre, ou durante 30 minutos se tens família que de ti precisa, e verás que terás tempo para tudo e com maior fecundidade”.
 
- “Não tenho tempo para a leitura Espiritual ”. “Não é verdade, deixa muitas coisas acessórias e agarra-te ao essencial. Suporás tu que o Senhor que multiplicou os pães e os peixes não multiplicará o teu tempo? Deixa-te de desculpas, organiza-te melhor, dispensa o que não é verdadeiramente importante, pelo menos no imediato.”
 
- “Mas tenho tanta gente para atender e não posso deixá-los se não perder-se-ão”. “Será caso para dizer: ‘presunção e água benta, cada qual toma a que quer’. Pois não tens tu outros Sacerdotes a que possas recorrer para te auxiliarem?, ou queres ser tu o único que os fiéis devem seguir? ou quererás ser tão ciumento de modo a monopolizar aqueles que pertencem ao Senhor? Desconfias da Providência Divina? De Jesus, que se serve de qualquer um, de um galo, de um ladrão, para nos Salvar?
 
- “Alguém se confessa de preguiça que leva a faltar às aulas: penitência pôr o despertador mais cedo e levantar-se imediatamente mal ele retinte.
 
- “Estou sempre a criticar (injusta e/ou publicamente) os outros”: penitência, todos os dias encontrar qualquer motivo para dizer bem deles e, caso seja possível, pedir perdão aos mesmos. E em relação àqueles que escutaram as minhas críticas repor o bom nome das minhas vítimas verbais.
 
- “Procurei e vi pornografia no meu smarthphone e no computador”.

Com a máxima caridade e gentileza seria bom adiantar o seguinte: Toma consciência de que não se trata somente de um pecado contra a castidade, mas também de uma profunda injustiça que cometeste para com aqueles/as que voluntária ou involuntariamente foram pagos ou mesmo obrigados a degradarem-se para que tivesses uns momentos passageiros de prazer; porque nesses pecados consentiste cada vez ficarás mais indiferente a essas pobres vítimas, e serás submetido a uma escravidão, pior do que a droga, que tende sempre a crescer e intensificar-se cada vez mais. Não são eles/as Imagem de Deus como tu? Como desprezaste as suas eminentíssimas dignidades? Tens consciência de que estás a alimentar uma indústria de muitos milhares de milhões de dólares que te exploram e escravizam, pirateando o teu cérebro, com maior incisividade e perigosidade que o LSD, de modo a tornar-te cada vez mais depende deles, cada vez mais sedento de cenas sempre mais escabrosas, feitas tantíssimas vezes de crueldade sádica e masoquista, de pedofilia, e de sacrifícios humanos nas suas orgias? Não sabes que o teu corpo é templo do Espírito Santo? Que foi resgatado com sobreabundância do Sangue de Cristo que morreu por ti na Cruz?  

Como penitência, rezarás em reparação pelos teus e seus pecados e pelas suas conversões, diariamente, até à próxima Confissão, três Pai-Nossos, três Ave-Marias e três Glórias; acresce que não usarás o computador a não ser em lugares em que a tua família ou outra gente sã possa ver o que consultas; se tens um smart phone que te não seja absolutamente necessário, deita-o fora e adquire um telemóvel que somente possa receber chamadas e SMS. Lembra-te que o teu destino eterno, Salvação ou perdição, Céu ou Inferno para sempre está em jogo. Caso as tuas obrigações estudantis ou profissionais exijam que uses o smart phone recorre imediatamente a um dos vários sites de confiança que têem filtros muito bons e apropriados que impedem esses visionamentos diabolicamente sedutores. 

Terão de ser evidentemente daqueles que não saibas como desmontar. Pede ao teu Confessor que te indique sítios fiáveis, ou, consoante a gravidade do vício, terapeutas que te possam ajudar, pois a Graça não dispensa a natureza, mas nela se assenta. Procura tomar consciência de que o teu futuro, como casado ou como consagrado depende da tua rejeição decidida e irrevogável da tua decisão. Mas caso voltes a cair, apesar dos esforços verdadeiros e sinceros, e de um propósito de emenda verdadeiro não desistas de recorrer uma e outra vez à Confissão Sacramental. Não temas, de modo nenhum, que o Sacerdote fique com má impressão de ti, ou que te desdenhe, pois ele também é fraco e pecador, mesmo que cometa pecados diferentes dos teus, e que continuamente cai e se levanta, em virtude da Infinita Misericórdia de Deus.
 
Diria que para além da Confissão frequente, mensal, semanal ou diária (houve um Santo Franciscano que se confessava três vezes por dia), consoante o Confessor habitual te recomendar, importa muitíssimo entender e assimilar a Doutrina da Igreja sobre a sexualidade. Certamente na tua paróquia ou movimento encontrarás alguém que te possa acompanhar nesta jornada.
 
Cuidarás que por ser jovem não poderás guardar a virgindade até ao casamento, ou que por sentires que tens uma atração por pessoas do mesmo sexo não poderás viver em castidade e continência perfeita? Considera então tantos religiosos e religiosas e tantos Padres que fiéis às suas vocações renunciaram para sempre ao uso de qualquer acto genital. Se a eles lhes foi concedida essa Graça por que duvidas que também te poderá ser concedida a ti, se a implorares, caso sejas solteiro ou viúvo ou separado? Não é a Omnipotência de Deus Infinita?
 
- “Furtei uma tela preciosa no museu de arte antiga”: penitência, embora não precises de te incriminar terás de a devolver e para além disso as orações que te recomendarei; poderá ser por interposta pessoa, poderá ser por mim, caso queiras.
 
- “Espanquei uma pessoa, deixando-a moribunda, e embora esteja em franca recuperação, foi dado como suspeito outra pessoa que acabou por ser presa”: penitência, tens de te entregar às autoridades de modo a libertar o inocente, e encontrar meios de reparar as vítimas assim como as suas famílias. Posso ajudar-te na escolha os melhores e mais justos meios.
 
- “Forniquei com mulheres que eu sabia que usavam “contraceptivos”, isto é, abortivos precoces”: penitência, afirmar a verdade: isso não é somente um pecado contra o 6º Mandamento, mas também contra o 5º (não matarás). Pelo que, para teu bem e Salvação terás de ter uma penitência mais gravosa. Etc.
  
É claro que tudo isto que aqui é dito de modo muito sintético precisaria de outro tratamento bem mais largo e desenvolvido.
 
Etc., etc.,
 
À Honra de Cristo! Ámen!

Padre Nuno Serras Pereira


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São Pedro Nolasco e os Mercedários

Hoje é dia de São Pedro Nolasco. Nascido em Mas-des-Saintes-Puelles, perto de Castelnaudary, França, em 1189 (ou 1182); morreu em Barcelona, ​​no dia de Natal, 1256 (ou 1259). Era de uma família nobre e desde a juventude se destacou pela sua piedade, esmola e caridade. Depois de dar todos os seus bens aos pobres, fez um voto de virgindade e, para evitar o convívio com os albigenses, foi para Barcelona.

Naquela época, os mouros dominavam grande parte da Península Ibérica, e muitos cristãos foram feitos prisioneiros e cruelmente perseguidos por causa da Fé. Pedro resgatou muitos deles e, ao fazê-lo, gastos todo o seu património. 

Após uma deliberação profunda, movido também por uma visão celestial, decidiu fundar uma ordem religiosa (em 1218), semelhante à estabelecida alguns anos antes por São João da Mata e São Félix de Valois, cujo principal objectivo era a libertação de escravos cristãos. 

Nisso foi encorajado por São Raimundo de Peñaforte e Jaime I, Rei de Aragão, que foram favorecidos com a mesma inspiração. O instituto foi chamado Ordem de Nossa Senhora das Mercês para a Redenção dos Cativos e os seus membros ficaram conhecidos por mercedários. A ordem foi solenemente aprovada pelo Papa Gregório IX, em 1230.

Os seus membros foram obrigados por um voto especial a empregar todas as suas forças para a libertação de cristãos cativos e, se necessário, permanecer em cativeiro em seu lugar. A princípio, a maioria desses religiosos era leiga, assim como o próprio Pedro. Mas o Papa Clemente V decretou que o mestre geral da ordem deveria ser sempre um sacerdote.

in traditionalcatholic.net


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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Conselhos de São João Crisóstomo sobre como escolher uma esposa

1) Portanto, quando fordes escolher uma esposa, não examineis somente as leis do Estado, mas, antes, examineis as leis da Igreja. Deus não vos julgará no último dia segundo as leis do Estado, mas segundo as Suas leis.

2) Não é mesmo uma tolice? Quando estamos sob ameaça de perder dinheiro, tomamos todos os cuidados possíveis, mas quando a nossa alma está sob risco de ser eternamente punida, nem ao menos prestamos atenção.

3) Tu sabes que tem duas escolhas. Se tu escolheres uma má esposa, terás de enfrentar aborrecimentos. Se não aceitares enfrentá-los, serás culpado de adultério por te divorciares dela. Se tivesses investigado as leis do Senhor e as conhecesse bem antes de te casares, terias tomado muito cuidado e escolhido uma esposa decente e compatível com teu carácter desde o início. Se te  tivesses casado com uma esposa assim, terias ganho não apenas o bem de não te divorciares dela como o benefício de amá-la intensamente, conforme Paulo ordenou. Pois quando ele diz: "Maridos, amem vossas esposas", ele não pára por aí, mas fornece a medida deste amor, "como Cristo amou a Igreja".

4) Vejamos, porém, se a beleza e a virtude da alma da noiva atraiu o Noivo. Não, ela não era atraente nem pura, conforme estas palavras de Paulo: Ele se entregou por ela para a santificar, purificando-a com a lavagem da água (Efésios 5,25-26). [...] Apesar disso, Ele não abominou a sua feiúra, mas neutralizou sua repulsividade, remoldando-a, reformando-a e remindo os seus pecados. Tu deves imitá-Lo. Mesmo que a tua esposa peque contra ti mais vezes do que possas contar, tu deves perdoá-la em tudo.

5) Quando surge uma infecção nos nossos corpos, não cortamos o membro, mas tentamos curar a doença. Devemos fazer o mesmo com uma esposa.

6) Mesmo que ela não apresente melhoras em função dos nossos ensinamentos, ainda assim receberemos uma grande recompensa de Deus pela nossa paciência e por termos mostrado tanto auto-domínio em temor a Ele. Nós conseguimos suportar as maldades dela com nobreza, sem cortar o membro fora. Pois uma esposa é como se fosse um membro nosso, e por causa disso devemos amá-la. É precisamente isto que ensina Paulo: Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos…Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Cristo à Igreja; porque somos membros do Seu corpo, da Sua carne, e dos Seus ossos (Efésios 5,28-30).

7) Devemos amar a nossa esposa também porque Deus estabeleceu uma lei a esse respeito quando disse: Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão os dois numa carne (Génesis 2,24; Efésios 5,31).

8) Assim como o noivo deixa a casa de seu pai e junta-se à noiva, assim também Cristo deixou o trono de Seu Pai e juntou-se à Sua noiva.

9) De maneira geral, a vida é composta de duas esferas de actividade: a pública e a privada. Quando Deus a dividiu assim, Ele designou a administração da vida doméstica à mulher, mas ao homem designou todas as tarefas relativas à cidade, às questões comerciais, judiciais, políticas, militares e assim por diante. [...] De facto, o que quer que o marido pense sobre questões domésticas, a esposa o saberá melhor que ele. Ela é incapaz de administrar as questões públicas competentemente, mas ela é capaz de cuidar bem dos filhos, que é o maior dos tesouros. [...] Se Deus tivesse dotado o homem para administrar ambas as esferas de actividade, teria sido fácil aos homens dispensar o género feminino. [...] 

10) Assim sendo, eis o que tu deves buscar em uma esposa: virtude de alma e nobreza de caráter, para que desfrutes de tranquilidade, para que luxuries em harmonia e amor duradouro.

11) O homem que se casa com uma mulher rica casa-se com um chefe, e não com uma esposa. Porém, o homem que se casa com uma esposa em iguais condições ou mais pobre se casa com uma ajudante e aliada, trazendo inúmeras bênçãos para dentro de casa. A sua pobreza força-a a cuidar do seu marido com muito cuidado, obedecendo-lhe em tudo. [...] Portanto, o dinheiro é inútil quando se trata de encontrar um parceiro de boa alma.

12) Assim sendo, deixemos de lado as riquezas da esposa, mas examinenos o seu caráter e a sua piedade e recato. A esposa recatada, gentil e moderada, mesmo que seja pobre, irá transformar a pobreza em algo muito melhor do que a riqueza.

13) Antes de mais nada, tu deves aprender qual o propósito do casamento, e por que ele foi introduzido em nossas vidas. Não te perguntes mais nada. Qual seria, então, o objectivo do casamento, e por que Deus o criou? Ouve o que Paulo diz: Mas, por causa da tentação à imoralidade, cada um tenha a sua própria mulher (I Coríntios 7,2). [...] Portanto, não despreza o maior nem busca o menor. A riqueza é muitíssimo inferior ao recato. É somente por este motivo que devemos buscar uma esposa: para evitarmos o pecado, para nos libertarmos de toda imoralidade.

14) A beleza do corpo, se não estiver aliada à virtude da alma, será capaz de atrair o marido somente por uns vinte ou trinta dias, mas não conseguirá ir além disto antes que a perversidade da esposa destrua toda sua atractividade. Quanto àquelas que irradiam beleza de alma, quanto mais o tempo passa e sua nobreza se evidencia, tanto mais aquecido será o amor do marido e tanto mais ele sentirá afeição por ela.

15) É por meio do recato que o marido conseguirá atrair à sua família a boa vontade e a protecção de Deus. É assim que os homens de bem dos velhos tempos se casavam: buscando nobreza de alma em vez de riqueza monetária.

16) Quando te decidires por uma esposa, não corras atrás de ajuda humana. Volta-te para Deus, pois Ele não se envergonhará de ser vosso casamenteiro. Foi Ele mesmo quem prometeu: Buscai primeiro o Reino de Deus, e todas estas coisas vos serão acrescentadas (Mateus 6,33). Não te perguntes: “Como posso ver a Deus? Afinal, Ele não falará nem conversará comigo de maneira explícita, e portanto não conseguirei Lhe fazer perguntas”. Estas são palavras de uma alma de pouca fé. Deus pode facilmente organizar tudo da maneira que Ele quiser, sem o uso da voz.

17) A castidade é algo maravilhoso, mas é mais maravilhoso ainda quando está aliada à beleza física. As Escrituras falam-nos sobre José e a sua castidade, mas antes mencionam a beleza de seu corpo: José era formoso de porte, e de semblante (Génesis 39,6). Em seguida, as Escrituras versam sobre sua castidade, deixando claro, assim, que a beleza não levou José à licenciosidade. Pois nem sempre a beleza causa imoralidade ou a feiura causa recato. Muitas mulheres que resplandecem em beleza física resplandecem ainda mais em recato. Outras que são feias em aparência são ainda mais feias de alma, manchada por inúmeras imoralidades. Não é a natureza do corpo mas a inclinação da alma que produz recato ou imoralidade.

Trechos da homilia: 'Como escolher uma esposa' de São João Crisóstomo (347-407 d.C.)


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Cristo deu a Sua vida por ti e tu continuas a detestar aquele que é um servo como tu?

São João Crisóstomo (c. 345-407) foi Arcebispo de Constantinopla (hoje Istambul). Χρυσόστομος, em grego, significa 'boca d'ouro'. São João ganhou este epíteto devido aos seus magníficos ensinamentos e dotes de retórica. Vale a pena ler esta sua homilia sobre a nossa obrigação de perdoar quem nos ofendeu: 

Cristo deu a Sua vida por ti e tu continuas a detestar aquele que é um servo como tu? Como podes avançar em direcção à mesa da paz? O teu Mestre não hesitou em suportar por ti todos os sofrimentos, e tu recusas-te a renunciar sequer à tua cólera? «Aquele ofendeu-me com gravidade, dizes tu, foi tantas vezes injusto para comigo, chegou mesmo a ameaçar-me de morte!» O que é isto? Ele ainda não te crucificou, como os inimigos do Senhor O crucificaram.

Se não perdoas as ofensas do teu próximo, o teu Pai que está nos céus também não te perdoará as tuas faltas (Mt 6, 15). O que te diz a tua consciência quando pronuncias estas palavras: «Pai Nosso, que estás nos Céus, santificado seja o Vosso nome» e o que se segue? Cristo não fez diferenças: Ele derramou o Seu sangue por aqueles que derramaram o Dele. Serias capaz de fazer algo semelhante? Quando te recusas a perdoar ao teu inimigo, é a ti que causas mal, não a ele ; o que tu preparas é o teu próprio castigo no dia do julgamento.

Escuta o que diz o Senhor: «Quando fores apresentar a tua oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e depois volta para apresentar a tua oferta». Porque o Filho do homem veio ao mundo para reconciliar a humanidade com o Pai. Como diz São Paulo: «Agora Deus reconciliou consigo todas as coisas» (Col 1, 22); «pela cruz, levando em Si próprio a morte à inimizade» (Ef 2, 16).

São João Crisóstomo in 'Homilia sobre a traição de Judas'


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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Ratzinger explica que criticar os pronunciamentos do Papa é possível e por vezes necessário

Em 1969, o futuro Papa Bento XVI, então Pe. Joseph Ratzinger, escreveu que criticar as declarações papais era não só possível mas até necessário, sempre que o Papa pudesse desviar-se do depósito da fé e da tradição apostólica. O Papa Bento XVI incluiu estas observações na antologia dos seus escritos, 'Fede, ragione, verità e amore' de 2009:

«Devemos evitar especialmente a impressão de que o Papa (ou o ofício em geral) só pode reunir e expressar, de tempos em tempos, a média estatística da fé viva, para a qual não é possível uma decisão contrária a esses valores estatísticos médios (os quais, para além do mais, são problemáticos em sua verificabilidade).

A fé baseia-se nos dados objectivos da Escritura e do dogma, que nos tempos obscuros também podem desaparecer assustadoramente da consciência da maior parte do cristianismo (em termos estatísticos), sem perder de qualquer forma, contudo, o seu carácter obrigatório e vinculativo.

Neste caso, a palavra do Papa pode e deve certamente ir contra as estatísticas e contra o poder de uma opinião que pretende fortemente ser a única válida; e isso deve ser feito de forma tão decisiva quanto o testemunho da tradição é claro (como no caso apresentado). Pelo contrário, a crítica dos pronunciamentos papais será possível e até necessária quando carecem de fundamentação na Escritura e no Credo, isto é, na fé de toda a Igreja.

Quando não se tem o consenso de toda a Igreja, nem existem evidências claras das fontes, não é possível uma decisão vinculativa e definitiva. Se tal acontecesse formalmente, faltariam as condições para tal ato e, portanto, teria de ser levantada a questão quanto à sua legitimidade.» 

Das neue Volk Gottes: Entwürfe zur Ekklesiologie, (Düsseldorf: Patmos, 1972) p. 144. Fede, ragione, verità e amore, (Lindau 2009), p. 400.

Como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e mais tarde como o Papa Bento XVI, Ratzinger continuou as suas reflexões sobre os limites do poder do Pontífice Romano para contrariar a imutável doutrina.

Cardeal Joseph Ratzinger, 1998:

«O Romano Pontífice está como todos os fiéis submetido à Palavra de Deus, à fé católica e é garante da obediência da Igreja e, neste sentido, servus servorum. Ele não decide segundo o próprio arbítrio, mas dá voz à vontade do Senhor, que fala ao homem na Escritura vivida e interpretada pela Tradição; noutros termos, a episkopè do Primado tem os limites que procedem da lei divina e da inviolável constituição divina da Igreja, contida na Revelação. O Sucessor de Pedro é a rocha que, contra a arbitrariedade e o conformismo, garante uma rigorosa fidelidade à Palavra de Deus: daí resulta também o carácter martirológico do seu Primado.»

Papa Bento XVI, 2005:

«O poder conferido por Cristo a Pedro e aos seus sucessores é, em sentido absoluto, um mandato para servir. O poder de ensinar, na Igreja, obriga a um compromisso ao serviço da obediência à fé. O Papa não é um soberano absoluto, cujo pensar e querer são leis. Ao contrário: o ministério do Papa é garantia da obediência a Cristo e à Sua Palavra. Ele não deve proclamar as próprias ideias, mas vincular-se constantemente a si e à Igreja à obediência à Palavra de Deus, tanto perante todas as tentativas de adaptação e de adulteração, como diante de qualquer oportunismo.»

Andrew Guernsey in 'Rorate Caeli' 
(Tradução: odogmadafe.wordpress.com)


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Reforma Católica vs Reforma Protestante

Não podemos combater a heresia criando novas heresias. Por exemplo, de muitos modos a heresia monofisita (i.e. "Cristo tem uma natureza") foi uma reacção exagerada à heresia nestoriana (i.e. "Cristo são duas pessoas"). A Igreja Católica sempre procurou indicar a verdade e não a mera destruição do erro. A refutação do erro passa demasiadas vezes para outro erro pior.

Do mesmo modo, Lutero e Calvino procuraram acabar com as confusões relacionadas com a graça e o mérito (i.e. o defeituoso nominalismo iniciado por William de Ockham) criando uma visão alternativa da graça e do mérito (que ironicamente abraçava o nominalismo de Ockham e reembalava-o). A solução de Lutero era de facto herética. Um pequeno arranjo é várias vezes defeituoso. A fita cola consegue "resolver" quase tudo - mas acaba por ceder a outros problemas.

Os passos da história da Igreja estão cheios de reformadores Católicos: Paulo, Atanásio, João Crisóstomo, Máximo, João Damasceno, Papa Gregório VII, Francisco, Domingos, Catarina de Sena, Inácio, Teresa de Ávila, etc. Cada um destes reformadores Católicos manteve a unidade da Igreja de Cristo, submetia-se à liderança da Igreja e trazia a sua renovação com paciência. Em muitos casos, cada um experimentou perseguição activa de outros cristãos e caíram mesmo sob suspeita de heresia. No entanto, a sua humildade e silêncio eventualmente reforçaram a sua causa como advogados da verdade evangélica da doutrina da Igreja.

São Francisco de Assis é talvez um dos melhores exemplos de paciência nisto das reformas. Quando S. Francisco foi a Roma procurar reconhecimento do Papa, o Papa dispensou-o impacientemente e disse-lhe para ir "deitar-se com os porcos."

Um bocado depois, Francisco regressou sujo com fezes de porco com cheiro até aos altos céus. Quando o Papa se opôs, Francisco respondeu, "Eu obedeci às suas palavras e fiz simplesmente como disse. Deitei-me com os porcos." De repente o Papa percebeu que este era um homem santo que estava disposto a obedecer mesmo na face de humilhação. O Papa ouviu a visão de Francisco para a reforma e o resto é história.

Quando foi rejeitado pelo Papa, São Francisco podia ter recorrido à Sagrada Escritura, mostrando que o seu modo de vida era pobre e humilde como o de Cristo. Ele até podia ter contrastado a sua "vida bíblica" contra a extravagância da corte Papal. Francisco até podia ter repreendido com razão os abades, bispos e cardeais por lhes faltar o testemunho evangélico. Em vez disso, Francisco seguiu o caminho de Cristo. Permitiu-se a si mesmo ser incompreendido e caluniado, sabendo que Deus traria ao de cima a sua justificação... e Deus traz sempre.

Comparem São Francisco com Martinho Lutero. Lutero não visitou Roma para confirmar a sua causa, nem respeitou as estruturas da Igreja. De facto, o Cardeal Cajetan encontrou-se em privado com Lutero e explicou-lhe como podia modificar a sua mensagem de modo a que o próprio Cardeal conseguisse tê-la aprovada pela Cúria Romana. Se Lutero tivesse sido mais calmo e caridoso, podia ter-se tornado "São" Martinho Lutero.

Infelizmente, Lutero foi inflexível e obstinado. Não ia tentar o compromisso. Se o Papa não concordava com ele, então iria rejeitar o papado. Ponto. Lutero não tolerava nenhuma autoridade que não o suportasse imediatamente e sem o questionar. Consequentemente, quando a bula papal chegou, Lutero queimou-a publicamente e começou a amaldiçoar o Papa como o Anticristo.

Reparem na diferença entre Francisco e Lutero. O primeiro moveu-se com mansidão e humildade. O último agiu independentemente e de modo rude. Consequentemente, a história do Protestantismo é marcada por divisões rudes e precipitadas - existem agora 36 mil denominações protestantes.

Como escreveu o Apóstolo Tiago: "a ira do homem não produz a justiça de Deus" (Tiago 1, 20). A História mostra que Deus não usa "grandes cérebros" para guiar a Sua Igreja para a justiça. Deus escolhe aqueles que são pequenos, mansos e humildes - deles é o Reino dos Céus. Eis onde jaz o mistério da Reforma Católica.

Taylor Marshall


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terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Dia da Conversão do grande São Paulo

Saulo, cidadão romano por privilégio da sua cidade natal, Tarso, era um judeu convicto, formado na escola de Gamaliel, em Jerusalém. Opôs-se decididamente à nova fé que começava a propagar-se na Palestina e arredores. Clamou pela morte de Estêvão, e tomou parte nela, guardando as capas dos que apedrejavam o protomártir. Perseguiu violentamente os crentes em Jesus Cristo. O seu nome causava terror nas comunidades cristãs. Ao dirigir-se para Damasco para prender os cristãos que lá encontrasse e conduzi-los a Jerusalém, encontrou Jesus ressuscitado. 

Esse encontro mudou-lhe para sempre a vida, com a sua forma de crer e de pensar. Jesus ressuscitado, que ele perseguia, tornou-se o centro da sua espiritualidade e da sua teologia. Em Antioquia, Saulo faz a sua primeira experiência de vida cristã. Tornado apóstolo do Evangelho, com o nome de Paulo, Antioquia será também o ponto de partida para as suas viagens missionárias. Funda diversas comunidades na Ásia e na Europa. Escreve-lhes cartas que testemunham o seu amor a Jesus Cristo e à Igreja, e nos dão elementos importantes da sua teologia. Como apóstolo verdadeiro e autêntico, Paulo tem sempre o cuidado de voltar a Jerusalém para se confrontar com os outros apóstolos e não correr em vão.

Há muitos séculos que a festa da conversão de S. Paulo foi fixada no dia 25 de Janeiro, talvez por causa da data da transladação do seu corpo, que atualmente repousa na Basílica de S. Paulo Fora dos Muros, em Roma.

Meditatio

Em S. Paulo revela-se verdadeiramente o poder de Deus. Inimigo acérrimo do nome de Cristo, Saulo encontra-se com o Senhor no caminho de Damasco, acolhe-o na fé e torna-se seu Apóstolo entusiasta, com uma fecundidade extraordinária, que ainda não terminou. O seu itinerário de fé é símbolo do nosso.

Acreditar implica, antes de mais, encontrar pessoalmente Jesus de Nazaré, Deus feito homem. O cristão não se acredita numa doutrina, num sistema, mas numa pessoa, a pessoa humano-divina de Jesus. Ter fé é aderir vitalmente a Jesus, de tal modo que já não se pode viver sem Ele.

Realizado o encontro, passa-se ao diálogo, uma vez que a fé é encontro e adesão entre pessoas inteligentes e livres. A quem se dispõe ao diálogo, Deus revela a Si mesmo, revela a sua vontade e os seus projetos. Este diálogo vital leva aqueles que o realizam a uma forma de vida cada vez mais elevada.

Mas a fé cristã também é obediência, submissão, abandono total da criatura ao Criador. Obedecer não significa abdicar da própria liberdade ou dos próprios direitos. Significa, sim, perceber a imensa distância que existe entre si o interlocutor e, ao mesmo tempo, intuir que a adesão à vontade divina leva à total satisfação e realização de si mesmo.

Finalmente, a fé cristã é também missão. Não se pode privatizar um bem que, por sua natureza, é comunitário. Quem recebeu de Cristo o dom da salvação em Cristo, sente-se intimamente obrigado a fazer dele um dom para os outros.

O Apóstolo Paulo é nosso guia em tempos de aprofundamento espiritual e de renovação apostólica. Como ele, o apóstolo dos tempos novos deve procurar, em primeiro lugar, a inteligência do Mistério de Cristo num apego inquebrantável ao seu Amor (cf. Ef 3, 4; Rm 8, 35; Fl 3, 8-10). É apóstolo, em primeiro lugar, pelo testemunho da visão de Cristo (At 26, 1) e tornando-se no Espírito imagem viva do Salvador morto e ressuscitado. É a caridade do Senhor que vive nele e que o impele em direção aos homens para lhes anunciar o Evangelho de Deus, o Evangelho que todos podem ler na sua vida e nos seus escritos. Ensina-nos o serviço ardente e inteligente em favor do Reino. Vivendo de Cristo, a ponto de ser identificado com Ele pela graça (Gl 2, 20), lembra-nos que o serviço apostólico enraíza numa verdadeira consagração a Deus e dá à nossa oblação capacidade para se manifestar e aprofundar no trabalho generoso para que a humanidade se torne «uma oblação agradável santificada pelo Espírito Santo (XV Capítulo Geral, DOC VII, n. 167).

Oratio

Apóstolo S. Paulo, na tua juventude, deixaste-te levar por um zelo ardente mas errado em favor da unidade do povo de Deus. Por isso, perseguiste duramente os cristãos. Deus converteu-te e introduziu-te na Igreja, Corpo de Cristo, onde deve integrar-se quem quiser viver na verdadeira fé. Mas a tua adesão a Cristo e a tua integração na Igreja não te fizerem esquecer o teu povo, pelo qual sentias uma dor profunda e permanente. Que a minha alegria de estar em Cristo não me faça esquecer a situação do antigo Povo de Deus, nem a dos cristãos divididos, que tardam em chegar à unidade que Deus quer. Ámen.

Contemplatio

S. Paulo recolhe-se alguns dias, depois começa a pregar a divindade de Jesus Cristo. Será um dos mais poderosos apóstolos pela palavra e pelo sofrimento. «Escolhi-o, dizia Nosso Senhor, para levar o meu nome diante das nações e dos reis e dos filhos de Israel, e hei de mostrar-lhe quanto terá de sofrer pelo meu nome». A sua conversão e a sua vocação são devidas à misericórdia do Coração de Jesus. O Coração de Jesus ama as almas ardentes, zelosas, dedicadas. Mas a oração de Santo Estêvão contribuiu para estas grandes graças. Santo Estêvão rezava pelos seus perseguidores, entre os quais S. Paulo era o mais ardente. Se soubermos rezar e sofrer pelas almas, obteremos grandes graças, ilustres conversões, vocações poderosas. Ofereçamos as nossas orações, as nossas cruzes, os nossos sofrimentos ao Coração de Jesus para que envie à sua Igreja, nestes tempos difíceis, apóstolos poderosos em palavras e em obras (L. Dehon, OSP 3, p. 90s.).

Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra: “Que hei de fazer, Senhor?” (At 22, 10).  

in dehonianos.org


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segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Afinal não foram assassinadas crianças em escolas Católicas no Canadá

No Verão de 2021, os jornalistas, ao serviço dos oligarcas, noticiaram o escândalo das crianças “desaparecidas”, “assassinadas” e “enterradas secretamente” em escolas católicas no Canadá.

Isso levou a ataques incendiários contra igrejas católicas no país. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, endossou as notícias falsas. O Canadá pôs a meia-haste as bandeiras em todos os prédios do Governo. A Amnistia Internacional, que defende o assassinato de crianças através do aborto, exigiu processar os responsáveis ​​pelos “restos mortais” que foram “encontrados” em Kamloops. O Papa Francisco expressou a sua dor pela “chocante descoberta no Canadá dos restos mortais de 215 crianças” em Kamloops.

Sete meses depois, o historiador Jacques Rouillard desmantelou a teia de mentiras. Escrevendo um texto no DorchesterReview.ca - no dia 11 de Janeiro - demonstrou que “nenhum corpo” foi encontrado fora de um cemitério normal na Kamloops Indian Residential School.

A campanha de mentiras começou com resultados de radares subterrâneos que foram interpretados como "cadáveres", embora fossem raízes de árvores, metal e pedras. Os cemitérios foram chamados “valas comuns”.

Rouillard descobriu que 51 crianças morreram na escola residencial de Kamloops entre 1915 a 1964. Para 35 delas existem ainda hoje documentos que comprovam que morreram de doença ou em acidentes.

in gloria.tv


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Ninguém está longe demais para voltar para Deus



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domingo, 23 de janeiro de 2022

Deus ama-me!

Não posso calar-me. Não posso escondê-lo. Não posso deixar de gritar ao mundo e de publicar aos quatro ventos as maravilhas de Deus. 

Não dizer às pessoas e a todos os que querem ouvir: vedes aquilo que sou? Vedes o que fui? Vedes a minha miséria rastejando na lama? Pois pouco importa; maravilhai-vos: apesar de tudo isso, tenho Deus. 

Deus é meu amigo! Que o solo se afunde, e que o mar seque de espanto! Deus ama-me, a mim, com um tal amor que, se o mundo o entendesse, todas as criaturas se tornariam loucas e bradariam de assombro. E, mesmo assim, seria pouco. 

Deus ama-me tanto que nem os Anjos o entendem!

São Rafael Arnaiz Barón (monge trapista) in 'Escritos espirituais'


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Missa e Memória por Martin Mosebach

No motu proprio Traditionis Custodes, o Papa Francisco deu uma ordem. Fá-lo numa altura em que a autoridade papal está a desmantelar-se como nunca antes. A Igreja há muito que avançou para uma fase ingovernável. Mas o papa continua a batalhar. Abandona os seus mais caros princípios – " escuta", "ternura", "misericórdia" – que recusam julgar ou dar ordens. O Papa Francisco é agitado por algo que o perturba: a tradição da Igreja.

O limitado espaço de respiração que os antecessores do Papa concederam à tradição litúrgica já não é ocupado apenas por nostálgicos senis. A Missa Tradicional Latina também atrai jovens, que descobriram e aprenderam a amar o "tesouro enterrado no campo", como o Papa Bento XVI chamou à antiga liturgia. Aos olhos do Papa Francisco, isto é tão grave que tem de ser suprimido.

A veemência da linguagem do motu proprio sugere que esta directiva chegou tarde demais. Os círculos que aderem à tradição litúrgica mudaram, de facto, drasticamente nas últimas décadas. A Missa Tridentina já não é frequentada apenas por aqueles que sentem falta da liturgia da sua infância, mas também por pessoas que descobriram de novo a liturgia e estão fascinadas por ela – incluindo muitos convertidos, muitos que há muito se encontravam afastados da Igreja. 

A liturgia é a sua paixão e conhecem-na em todos os seus detalhes. Há muitas vocações sacerdotais entre eles. Estes jovens não frequentam apenas os seminários mantidos pelas fraternidades sacerdotais da tradição. Muitos deles seguem a formação habitual para o sacerdócio, e estão no entanto convencidos de que a sua vocação é reforçada precisamente pelo conhecimento do rito tradicional. A curiosidade sobre a suprimida Tradição católica cresceu, apesar de muitos terem retratado esta tradição como obsoleta e sem consistência. Aldous Huxley ilustrou este tipo de assombro no Admirável Mundo Novo, no qual um jovem da elite moderna, sem sentido da história, descobre as riquezas transbordantes da cultura pré-moderna e fica encantado por elas.

A intervenção do papa pode impedir o crescimento da recuperação litúrgica da Tradição durante algum tempo. Mas ele só poderá detê-la durante o resto do seu pontificado. Porque este movimento tradicional não é uma moda superficial. Demonstrou nas décadas da sua repressão anterior ao motu proprio Summorum Pontificum de Bento XVI que subsiste uma devoção séria e entusiástica em relação à inteira plenitude do catolicismo. A proibição do Papa Francisco irá suscitar resistência naqueles que ainda têm as suas vidas pela frente e não permitirão que o seu futuro seja obscurecido por ideologias obsoletas. Não foi bom, mas também não foi sensato, sujeitar a autoridade papal a este teste.

O Papa Francisco proíbe as missas no rito antigo em igrejas paroquiais; exige aos padres que obtenham permissão para celebrar a missa antiga ; exige mesmo aos padres que ainda não celebraram no rito antigo que obtenham essa permissão não do seu bispo, mas do Vaticano; e exige um exame de consciência dos participantes na missa antiga. 

Mas o motu proprio Summorum Pontificum de Bento XVI raciocina num plano totalmente diferente. O Papa Bento XVI não "permitiu" a "Missa antiga", e não concedeu qualquer privilégio para a celebrar. Numa palavra, não tomou uma medida disciplinar que um sucessor possa revogar. O que foi novo e surpreendente no Summorum Pontificum foi o facto de declarar que a celebração da Missa antiga não necessita de qualquer permissão. Nunca havia sido proibida porque nunca poderia ser proibida.

Poder-se-ia concluir que aqui encontramos um limite fixo e insuperável para a autoridade de um Papa. A Tradição está acima do Papa. A antiga Missa, enraizada nas profundezas do primeiro milénio cristão, está, por princípio, para além da autoridade pontifícia de proibir. Muitas disposições do motu proprio do Papa Bento XVI podem ser postas de lado ou modificadas, mas esta decisão magisterial não pode ser tão facilmente abolida. O Papa Francisco não tenta fazê-lo - ignora-a. Ela ainda se mantém depois de 16 de Julho de 2021, reconhecendo a autoridade da Tradição que todo o padre tem o direito moral de celebrar o rito antigo, nunca proibido.

A maioria dos católicos do mundo não se interessará de todo pela Traditionis Custodes. Tendo em conta o pequeno número de comunidades tradicionalistas, a maioria dificilmente compreenderá o que se está a passar. De facto, temos de nos perguntar se o Papa não tinha tarefas mais urgentes – no meio da crise dos abusos sexuais, dos escândalos financeiros da Igreja, dos movimentos cismáticos como o caminho sinodal alemão, e da situação desesperada dos católicos chineses – do que suprimir esta pequena e devota comunidade.

Mas os adeptos da Tradição devem conceder isto ao Papa: Ele leva a Missa tradicional, que data pelo menos da época de Gregório Magno, tão a sério como eles. Ele, contudo, julga-a perigosa. Ele escreve que os papas, no passado, criaram repetidas vezes novas liturgias e aboliram as antigas. Mas o oposto é verdade. Em vez disso, o Concílio de Trento prescreveu o antigo missal dos papas romanos – que tinha surgido na Antiguidade tardia – para uso geral, porque este era o único que não tinha sido desvirtuado pela Reforma.

Talvez a Missa não seja o que mais preocupa o Papa. Francisco parece simpatizar com a "hermenêutica da ruptura" – essa escola teológica que afirma que, com o Concílio Vaticano II, a Igreja rompeu com a sua tradição. Se isso for verdade, então, de facto, qualquer celebração da liturgia tradicional deve ser impedida. Enquanto a antiga Missa latina for celebrada em qualquer garagem, a memória dos dois mil anos anteriores não terá sido extinta.

Esta memória, contudo, não pode ser erradicada pelo exercício tosco do positivismo jurídico papal. Ela voltará uma e outra vez, e será o critério pelo qual a Igreja do futuro terá de se medir a si própria.

Martin Mosebach
(Tradução: Maria Armanda de Saint-Maurice)


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sábado, 22 de janeiro de 2022

Aviso: Este vídeo pode provocar forte motivação



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49 anos de aborto livre nos Estados Unidos da América

No dia 22 de Janeiro de 1973, depois do julgamento Roe vs. Wade, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos admitiu, pela primeira vez, o "direito ao aborto". 

O julgamento opôs uma jovem, de seu nome Norma McCorvey, a quem foi dado o pseudónimo Jane Roe, ao Estado do Texas. Norma McCorvey dizia que tinha ficado grávida depois de ter sido violada e exigia o direito a abortar.

O julgamento foi longo e Norma acabou por ter uma filha, que deu para adopção. Depois de vários recursos, o Supremo Tribunal decidiu que, por direito à privacidade, qualquer mulher poderia abortar, até à viabilidade do feto, ou seja até que conseguisse sobreviver fora do ventre materno. Esta decisão alterou todas as leis federais nos Estados Unidos e viria a influenciar a forma como o mundo começou a olhar para o "direito ao aborto".

Em 1987, Norma McConey admitiu que foi persuadida pela sua advogada a dizer que tinha sido violada e que precisava de abortar, e hoje em dia luta pelo fim do aborto no seu país. Sarah Weddington, a advogada, confirmou que tinha mentido e explicou-se desta forma: "A minha conduta pode não ter sido totalmente ética. Mas eu fiz por que pensei que havia boas razões.”

Nestes 49 anos foram feitos cerca de 63 milhões de abortos nos Estados Unidos, o que corresponde a 63 milhões de bebés mortos. Tudo com base num julgamento que foi uma mentira.

João Silveira


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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Papa Pio VI sobre a execução de Luís XVI, Rei de França

Passam hoje 229 anos do assassinato do Rei Luís XVI na guilhotina, por parte dos revolucionários franceses. O Papa Pio VI proferiu um discurso sobre esse evento dramático no consistório secreto de 17 de Junho de 1793, do qual publicamos uma parte:

Ah França, França, tu a quem os nossos predecessores chamavam o espelho do cristianismo, e com o apoio imutável da Fé! Tu que pelo teu zelo na crença cristã, e a tua piedade filial à Sé Apostólica, não te encontras a par das outras nações, mas as precedes a todas. Como nos és contrário hoje em dia! De que espírito de hostilidade te apresentas animada contra a verdadeira religião! Quanto já supera a fúria, que manifestas aos excessos de todos aqueles que têm mostrado até agora os seus perseguidores mais implacáveis! 

E, no entanto, não podes ignorar, mesmo se o quiseres, que a religião é a guarda mais segura e a base mais sólida dos Impérios; pois também reprime os abusos de autoridade dos Príncipes, que governam, e os defeitos da licença dos súbditos, que obedecem. Oh! É por isso que todos os facciosos antagonistas das prerrogativas reais buscam o modo de aniquilá-las, esforçando-se por derrubar a Fé Católica.

Ah França, repito novamente! Tu mesmo pedias um Rei Católico. Disseste que as leis fundamentais do Rei não permitiam que reconhecer um Rei que não fosse católico. E vê agora que, tendo aquele Rei Católico, acabaste de o assassinar, presumivelmente porque ele o era. A tua raiva contra este Monarca foi tal que nem mesmo a sua própria tortura foi capaz de a satisfazer ou apaziguá-la. Mesmo depois da sua morte nos seus despojos tristes ordenaste que o seu cadáver fosse levado e enterrado sem qualquer provisão de um enterro honroso. Oh! Pelo menos a Majestade Real foi respeitado em Maria Stuart depois da sua morte. O seu corpo foi embalsamado, levado para a cidadela e depositado num lugar preparado para esse fim. Foi ordenado aos seus oficiais que ficassem, juntamente com a família, perto do caixão, com todas as insígnias de suas dignidades, até que ele destinasse a esta Princesa um enterro conveniente. 

O que ganhaste tu entregando-te a um movimento de ódio e raiva, não te conseguiste satisfazer mas apenas atrair mais ignomínia e infâmia, e causar ressentimento e indignação geral dos Soberanos, muito irritados contra ti, que eles nunca o foram contra Isabel de Inglaterra.

Ó dia de triunfo de Luís XVI, a quem Deus deu paciência nas tribulações e vitória no meio da tortura! Temos a firme confiança de que ditosamente foi substituída uma Coroa Real, cujas as cores em breve iriam desaparecer, por um diadema eterno, que os Anjos teceram com lírios imortais.



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quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Heroicidade nos primeiros séculos da Igreja: São Sebastião e os companheiros mártires

O imperador Carino vivia ainda, quando dois irmãos gémeos, Marcos e Marceliano, foram aprisionados em Roma. Um cristão, criado nos cargos militares, ia frequentemente visitá-los. Era Sebastião, nascido em Narbona, na Gália, mas criado em Milão, de onde era originária a família. A princípio, resolvera não encetar a carreira das armas; o desejo de servir os irmãos nas perseguições que sofriam levara a melhor contra o pendor. Aceitou, portanto, um posto, e fez-se amar dos soldados e de todos. 

Sob as vestes militares, dedicava-se incessantemente às boas obras do cristão, conservando todo o segredo possível. Por Jesus Cristo não tinha medo de perder nem a vida nem os bens; mas o segredo lhe proporcionava mais meios de animar os cristãos que sucumbiam sob a violência dos tormentos, e de garantir para Deus as almas que o demónio pretendia raptar. Visitava todos os dias os dois irmãos Marcos e Marceliano, os quais padeceram com constância as vergastadas que os dilaceravam, e foram condenados a ter decepada a cabeça.

Os dois irmãos pertenciam a mais ilustre família de senadores. Com o pai e a mãe, velhos e ainda pagãos, tinham mulheres e filhos. A família, vendo-os condenados à morte, obteve do prefeito de Roma, chamado Cromácio, um prazo de trinta dias para experimentar fazê-los mudar de resolução. Foram os dois postos na casa do primeiro escrivão da prefeitura, Nicóstrato, onde os conservavam de mãos acorrentadas. O pai, a mãe, as mulheres e os filhos ainda pequeninos, além dos amigos, tudo envidaram para os convencer; já começava a alma deles a curvar-se diante de tantas lágrimas, quando Sebastião, chegando, os reanimou com palavras cheias de fogo, que a todos impressionaram.

O santo parecia envolto numa luz divina. Quando terminou de falar, Zoé, mulher de Nicóstrato, atirou-se-lhe aos pés, tentando dar-lhe a compreender, pelos gestos, o que dele desejava, pois havia seis anos que uma enfermidade lhe fizera perder a palavra. Sebastião fez o sinal da cruz sobre a boca da mulher, pedindo em voz alta a Jesus Cristo que se dignasse curá-la, se tudo quanto acabara de ouvir era verdade. O efeito seguiu-se à palavra, e Zoé pôs-se a louvar o santo e a declarar que acreditava no que ele acabava de dizer. Vira um anjo descido do céu, segurando um livro aberto diante dos olhos de Sebastião, no qual tudo quanto ele dissera estava escrito palavra por palavra. 

Nicóstrato, diante da cura da mulher, lançou-se igualmente aos pés do santo, pediu perdão por haver mantido os dois mártires aprisionados, tirou-lhes os grilhões e rogou-lhes que se fossem para onde mais lhes conviesse, declarando que se consideraria feliz por ser aprisionado e morto no lugar deles. Marcos e Marceliano louvaram tão perfeita fé, mas nem sequer pensaram em abandonar a luta para a ela expor outro.

A graça não se deteve em Nicóstrato e sua mulher; espalhou-se sobre todos os presentes. Marcos e Marceliano firmaram-se na fé, e tiveram o consolo de ver os que tantos esforços tinham enviado para arrancá-los a Jesus Cristo tornar-se humildes discípulos. Marcos dirigiu-lhes palavras em que, dirigindo-se particularmente ao pai e à mãe, à mulher e à do irmão, os exortou a defender corajosamente a fé que pretendiam abraçar, e a não temer o que o demónio poderia fazer para impedi-lo; a desprezar, por uma ventura sem limites, uma vida que mil acidentes nos podem fazer perder, e que só acarreta aflições e crimes. Todos choraram, unindo o pesar da infidelidade passada às ações de graças que prestavam a Deus por os ter libertado. 

Nicóstrato afirmou que não beberia nem comeria, se não recebesse o santo batismo. Mas Sebastião, respondeu-lhe que, antes, devia mudar de dignidade, tornar-se oficial de Jesus Cristo, em vez de oficial do prefeito, e levar-lhe todos os presos que lhe tinham sido confiados, para que fossem catequizados. "Porque se o diabo, acrescentou, se esforça por raptar os que pertencem a Jesus Cristo, nós, pelo contrário, devemos esforçar-nos por restituir ao Criador aqueles que o inimigo injustamente usurpou", e assegurou que se oferecesse tal presente a Jesus Cristo, logo no início da conversão, não tardaria em ser recompensados pelo martírio. 

Entretanto, Cláudio disse a Nicóstrato que o prefeito ficara descontente com o facto da presença de todos aqueles presos, e que dele exigia satisfações. Nicóstrato rumou para lá imediatamente, e satisfez o prefeito, afirmando-lhe que tudo fizera para ainda mais espantar os cristãos postos sob sua vigilância, mediante o exemplo do suplício dos outros. Tratava-se de uma mentira, mas desculpável em pessoa ainda pouco instruída. Voltando, contou a Cláudio, que o acompanhava, tudo quanto sucedera em sua casa, particularmente a cura da mulher. Cláudio comoveu-se e foi procurar duas crianças que tinha, uma das quais era hidrópica, sendo a outra afligida por diversos males. Colocou-as diante dos santos, dizendo que deles esperava a saúde daqueles pequeninos entes, e que, quanto a ele, acreditava de todo coração em Jesus Cristo. 

Os santos garantiram-lhe que as crianças e os demais presentes seriam curados dos males, apenas se tornassem cristãos. Ao mesmo tempo, registaram-se os nomes dos que exigiam o baptismo. Eram Tranquilino, pai dos dois mártires, com seis dos seus amigos; em seguida Nicóstrato; Castor, seu irmão; Cláudio, o carcereiro com seus dois filhos; Márcia, mulher de Tranquilino, com as mulheres e os filhos de São Marcos e São Marceliano; Sinforosa, mulher de Cláudio; Zoé, mulher de Nicóstrato; e toda a família de Nicóstrato, num total de trinta e três pessoas; por fim, os presos convertidos, dezasseis, o que totalizava sessenta e oito criaturas.

Nicóstrato foi procurar o carcereiro, chamado Cláudio, para ordenar-lhe que lhe conduzisse todos os presos, sob o pretexto de que desejava tê-los prontos para a primeira sessão. Sebastião dirigiu-lhes uma exortação, após a qual, vendo que provavam a mudança de coração pelas lágrimas, mandou lhes fossem tiradas as correntes, indo então chamar um santo padre, de nome Policarpo, oculto em virtude da perseguição, para levá-lo à presença de Nicóstrato. Policarpo, depois de se congratular com os novos convertidos, e de lhes dizer que esperassem na misericórdia divina, prescreveu-lhes o jejum até o cair da noite.

Foram todos baptizados por São Policarpo. Sebastião serviu de padrinho aos homens; Beatriz, depois mártir, e Lucina foram madrinhas das mulheres. Os dois filhos de Cláudio foram os primeiros baptizados, e saíram tão são quanto os outros, não lhes restando o menor sinal de qualquer enfermidade. Depois deles, foi baptizado Tranquilino. Havia onde anos que padecia de gota, e de tal maneira lhe doíam os pés e as mãos, que mal suportava que o carregassem. Nem sequer conseguia levar à mão à boca para comer; e sofreu tremendas dores, quando teve de despir-se para o baptismo. 

Findos os trinta dias, o prefeito Cromácio mandou buscar Tranquiliano, que lhe agradeceu o adiamento, por haver conservado os filhos ao pai e devolvido o pai aos filhos. Cromácio, não compreendendo o significado de tais palavras, disse-lhes ser preciso que os filhos fossem oferecer incenso aos deuses. Tranquilino, então, explicando-se mais claramente, declarou-lhe ser cristão, e que por tal meio se via curado da gota que tanto o afligira antes. O facto comoveu Cromácio, que sofria da mesma enfermidade. 

Todavia, impelido sem dúvida pela presença dos assistentes, mandou deter Tranquilino, dizendo que o levassem na primeira sessão. Contudo, ordenou que o levassem secretamente à sua presença durante a noite, e prometeu-lhe bastante dinheiro para que lhe indicasse o remédio que o havia curado. Tranquilino riu-se do dinheiro prometido e assegurou que outro remédio não havia senão a crença em Jesus Cristo; se Cromácio quisesse socorrer a Cristo, receberia indubitavelmente o mesmo alívio. Deixou-o Cromácio partir, pedindo-lhe que trouxesse quem o fizera cristão, para que, tal homem lhe prometesse curá-lo, pudesse abraçar a mesma religião.

São Policarpo perguntou-lhe se acreditava de todo coração que lhe Jesus Cristo, Filho único de Deus, seria capaz de perdoar-lhe todos os pecados, e o infeliz respondeu em voz alta que reconhecia ser Jesus Cristo filho de Deus, e poder devolver-lhe a saúde da alma e do corpo; mas pedia apenas a remissão dos pecados e, ainda que conservasse as dores após a santificação do baptismo, não poderia duvidar da fé de Jesus Cristo. Aquelas palavras arrancaram lágrimas de alegria de todos os santos, os quais rogaram a Deus concedesse ao enfermo o efeito de tão pura fé. 

Policarpo, após ungi-lo com o crisma, perguntou-lhe pela segunda vez se acreditava no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Mal o enfermo respondeu que sim, curou-se-lhe a gora num momento, e ele exclamou: "Sois o Deus único e verdadeiro, que este mísero mundo não conhece". Em seguida, foram baptizados todos os outros, e durante os dez dias que sobravam dias trinta concedidos a Tranquiliano para os dois filhos, os novos cristãos somente se dedicaram a louvar a Deus e a se preparar para o combate, desejando todos ardentemente o martírio, inclusive as mulheres e as crianças.

Tranquilino foi imediatamente ter com São Policarpo, e secretamente o conduziu ao prefeito, que lhe prometeu a metade dos seus bens, no caso de ser curado da gota. Respondeu-lhe Policarpo que aquela transacção seria criminosa para um e para outro, mas que Jesus Cristo era capaz de lhe iluminar as trevas e curá-lo dos males, se nele acreditasse de todo o coração. Catequizou-o em seguida, e ordenou-lhe um jejum de três dias, de que ele se desincumbiu com Sebastião. No terceiro dia, voltaram juntos à presença de Cromácio, e valeram-se das dores causadas pela gota para lhe falar dos suplícios eternos. Cromácio deu imediatamente o seu nome e o de Tibúrcio, seu filho único, para se tornarem ambos cristãos.

Sebastião mostrou-lhe que na dignidade na qual se encontrava, não podia deixar de comparecer aos espectáculos profanos, sem falar do julgamento dos processos, onde era difícil se não misturasse com coisas contrárias à profissão do cristianismo. E era diante do prefeito de Roma que se perseguiam os cristãos. Assim, houve por bem aconselhar-se a pedir um sucessor, para libertar-se de todas aquelas ocupações do mundo, e cuidar apenas da salvação da alma. Cromácio pés em prática o conselho, e no mesmo dia solicitou dos amigos que tinha na corte o obséquio de o assistirem para tanto.

Sebastião, contudo, aconselhou-o a não desejar o baptismo pelo desejo de ser curado, e sim por uma questão verdadeira fé, e pediu-lhe que, como sinal de perfeita conversão, permitisse a quebra de todos os seus ídolos, assegurando-lhe que não deixaria de ser imediatamente curado. Cromácio quis que o ato fosse realizado por homens seus; mas o santo deu-lhe a ver que o diabo poderia prejudicar em virtude da infidelidade deles, e todos haveriam de dizer que se trataria de um castigo por terem abatido os ídolos. Por conseguinte, o próprio Sebastião para lá rumou acompanhado de Policarpo; e após orarem, quebraram os dois mais de duzentas estátuas.

No regresso, verificaram que Cromácio não estava curado. Disseram-lhe, então, que evidentemente restava alguma coisa por quebrar, ou que a sua fé não era ainda perfeita. Confessou-lhe Cromácio que tinha uma saleta repleta de aparelhos de cristal para a astrologia, a qual custara duzentas libras de ouro ao pai. Os santos deram-lhe a ver a inutilidade da astrologia e de todas as predições dela tiradas, e ele, por fim, concordou em que fizessem dos aparelhos o que mais lhes aprouvesse. Tibúrcio, filho de Cromácio, não se conformou com quererem despedaçar uma colecção tão preciosa e rara, não desejando, todavia, impedir a cura do pai, mandou acender dois fornos e garantiu que, se fosse despedaçada a saleta, sem que o pai se visse curado, mandaria a eles atirar Sebastião e Policarpo. 

Aceitaram os santos a condição, embora Cromácio se opusesse. Ao mesmo tempo em que despedaçavam os aparelhos, um jovem, aparecendo a Cromácio, disse-lhe ser enviado de Jesus Cristo para o curar. Curou-se na realidade, no mesmo instante, e pôs-se a correr atrás do jovem para lhe beijar os pés; mas o jovem se opôs, por não estar ainda Cromácio santificado pelo baptismo. Cromácio lançou-se, então, aos pés de Sebastião, e Tibúrcio aos pés de Policarpo.

Entretanto, sendo grande a perseguição contra os demais cristãos, Cromácio, a conselho do Papa, naquela época São Caio, chamou-o ao seu lado, ou melhor, chamou ao seu lado todos os que tinham sido convertidos havia pouco, e deles tão bem cuidou que não se viu obrigado a sacrificar nenhum. Sendo, todavia, difícil manter ocultada por mais tempo a sua mudança, pediu ao imperador licença para retirar-se à Campânia, onde possuía belas terras, fingindo estar desejoso de recobrar a saúde. Sabe-se, pela história, que os senadores eram obrigados a residir em Roma, a não ser que os dispensasse a idade ou um favor especial. 

Cromácio logrou obter a permissão, e ofereceu-se para conduzir em sua companhia rodos os cristãos que desejassem segui-lo. Nasceu então uma disputa entre Sebastião e Policarpo, para saber qual dos dois permaneceria na cidade ou acompanharia os novos fiéis à Campânia. Cada um deles pretendia ficar em Roma, para mais facilmente ir ao encontro do martírio. O Papa terminou a admirável disputa, achando que Policarpo, o qual tão dignamente exercia o sacerdócio e possuía a ciência de Deus, devia acompanhar os retirantes, a fim de animá-los e dar-lhes assistência.

Já próximo do baptismo, perguntou-lhe Policarpo, entre outras coisas, se renunciava a todos os pecados. Respondeu ser um pouco tarde para tal pergunta, mas que preferia tornar a vestir-se e a adiar o baptismo. Queria perdoar a todos os que lhe tinham dado motivos de cólera, esquecer o que lhe era devido, devolver tudo quanto tivesse tomado pela violência; tivera duas concubinas após a morte da mulher, e pretendia dar-lhes inteira liberdade e arranjar-lhes maridos. Policarpo aprovou-lhe o plano, e disse-lhe que era para a realização de tal renúncia que se prescreviam ordinariamente quarenta dias aos que pediam o baptismo. Tibúrcio renunciou à barra da justiça, com a qual pretendia haver-se, depois de adquirir bastante erudição e eloquência. 

Recebeu, então o baptismo. Cromácio, depois de renunciar a todos os afazeres do mundo, recebeu-o poucos dias depois. Com ele, foram baptizadas mil e quatrocentas pessoas de sua casa, às quais já dera, antes, a liberdade, dizendo que os que começavam a ter a Deus por pai não mais podiam ser escravos do homem.

Diocleciano, que passara a ser o único senhor do mundo com a morte de Carino, foi a Roma em 285. Não somente conservou Sebastião no posto, assim como os outros oficiais, como também se lhe afeiçoou, de tal sorte que lhe deu o cargo de capitão da primeira companhia dos guardas pretorianos, que pretendia deixar em Roma; e enquanto permaneceu na grande cidade, quis que o santo sempre lhe estivesse ao lado. Maximiano procedeu da mesma maneira.

Chegado o Domingo, o Papa celebrou os santos mistérios na casa de Cromácio e disse aos presentes: "Nosso Senhor Jesus Cristo, conh4cedor da fraqueza humana, estabeleceu dois graus entre os que nele acreditam, os confessores e os mártires, para que os que se não julgam suficientemente fortes para suportar o peso do martírio, conservem a graça da confissão, e, deixando o principal louvor aos soldados de Cristo, os quais vão combater pelo seu nome, deles cuidem com afinco. Logo, os que quiserem irão com nossos filhos Cromácio e Tibúrcio; e os que quiserem ficarão comigo na cidade. A distância na terra não separa absolutamente os que a graça de Cristo une; e os nossos olhos não sentirão a vossa ausência, porque vos contemplaremos com o olhar do homem interior."

Assim falou o Papa, e Tibúrcio bradou: "Conjuro-vos, ó Pai e Bispo dos bispos, não queirais que eu dê as costas aos perseguidores, pois a minha ventura e o meu desejo é morrer por Deus, mil vezes, se possível, contanto que obtenha a dignidade dessa vida que nenhum sucessor me arrebatará, e à qual nenhum tempo porá fim." O santo Papa, chorando de alegria, pediu a Deus que todos os que com ele permanecessem obtivessem o triunfo do martírio.

Tibúrcio, ao sair, certo dia, encontrou um jovem que, tendo caído de grande altura, de tal modo havia quebrado os membros que a única coisa de que se cuidava era sepultá-lo. Tibúrcio pediu aos pais debulhados em lágrimas que lhe permitissem dirigir-lhes algumas palavras, para Ver se o não curaria. Todos se afastaram. Tibúrcio proferiu sobre a vítima a oração dominical com o símbolo, e o jovem se viu imediatamente refeito, como se nada tivesse sofrido. Retirou-se, Tibúrcio, mas o pai e a mãe correram-lhe no encalço, detiveram-no, e disseram-lhe: " Fazei dele vosso escravo e com ele vos daremos todos os nossos bens, pois era nosso filho único e, de morto que estava, vós o ressuscitastes." Respondeu-lhes Tibúrcio: "Se fizerdes o que vos digo, considerar-me-ei muito bem pago pela cura." Retrucaram os pais: "E se vós quiserdes ter também a nós por escravos, não nos operemos; pelo contrário, desejamos ser vossos escravos, se nos julgardes dignos". 

Tibúrcio, pegando-os pela mão, conduziu-os a um lugar afastado da multidão, e ensinou-lhes a virtude do nome de Jesus Cristo. Ao vê-los firmes no temor de Deus, levou-os a Caio, e disse: "Venerável Papa e Pontífice da lei divina, eis aqueles que Cristo conquistou hoje, por meu intermédio; como novo arbusto, a minha fé produziu neles o primeiro fruto." O Papa baptizou o jovem e os pais.

Vemos aqui, como em São Cipriano, que eram postos no lugar dos confessores, não apenas os que confessavam a fé diante dos tribunais, senão também os que, para a não negar, se também, o título de bispo dos bispos dado ao Papa, como no mesmo São Cipriano e, antes dele, em Tertuliano. O Papa São Caio sucedera, em 15 de Dezembro de 283, ao Papa Santo Eutiquiano, morto no dia 7 do mesmo mês, e que, por sua vez, sucedera a São Félix, martirizado no império de Aureliano, em 22 de Dezembro de 274.

Ficou, portanto, Tibúrcio com o Papa, assim como Sebastião, Marceliano e Marcos, Tranquilino, pai deles; Nicóstrato, Zoé, sua mulher, e Castor, seu irmão; Cláudio e seu irmão Vitorino, com o filho Sinforiano, que se vira curado da hidropisia. Os demais retiraram-se com Cromácio. O Papa dez de Tranquilino sacerdote, e de seus filhos diáconos. Os outros foram ordenados, subdiáconos, excepto Sebastião que, servindo bastante aos fiéis sob as vestes de capitão, foi nomeado, dizem os actos, defensor da Igreja pelo Papa. Esse título assinalava, na época de São Gregório, aqueles que os Papas empregavam particularmente no auxílio e assistência dos pobres. 

Os santos que haviam permanecido em Roma, não conseguindo encontrar lugar seguro, retiraram-se com o Papa para o próprio palácio do imperador, para junto de um tal Cástulo, cristão com toda a família e adequadíssimo para os ocultar, uma vez que, vivendo no palácio onde era intendente dos banhos e das estufas, ninguém dele suspeitava. Lá ficavam os santos, dia e noite atarefados com as lágrimas, os jejuns e a prece para de Deus obterem a perseverança e a graça do martírio. Realizavam também grande número de milagres com os cristãos que lhes iam implorar a assistência.

Um ladino, chamado Torquato, fingindo-se ainda cristão, embora tivesse renunciado à fé, uniu-se ao grupo do santo Papa Caio. Tibúrcio não suportava vê-lo arrumar o cabelo, comer constantemente, beber com excesso, brincar nas refeições, ter gestos e maneiras efeminados, exibir-se por demais livremente às mulheres, evitar jejuns e preces, e dormir enquanto os outros vigiavam e passavam a noite a entoar louvores a Deus. Repreendia-o severamente, e Torquato fingia entristecer-se. Contudo, através de ardis, arranjou maneira de fazê-lo prender com ele e levar à presença do prefeito Fabiano, onde, interrogado, respondeu que era cristão, que Tibúrcio era seu amo, e que faria tudo quando o visse fazer. Tibúrcio confundiu-o com viva eloquência e desmascarou-lhe a trama perante o juiz.

Disse-lhe Fabiano: "Andareis melhor em cuidar da vossa salvação não desprezando as ordens dos príncipes. - Não posso garantir melhor a minha salvação, replicou Tibúrcio, que desprezando os vossos deuses e deusas, que confessando ser somente Jesus Cristo o meu Deus." Disse-lhe ainda Fabiano: "Voltai para o seio de vossa família, sede o que vos manda ser a natureza, pois de nascimento tão nobre, caístes tão baixo que vos encontrais na conjectura de sofrer o suplício, a infâmia e a morte."

Diocleciano surpreendeu-se bastante ao vê-lo, pois o julgava morto, segundo a ordem que dera. Disse-lhe o santo que Jesus Cristo lhe devolvera a vida, a fim de que protestasse diante de todo o povo ser extrema injustiça perseguir os servidores de Cristo. Diocleciano mandou imediatamente que o levassem ao hipódromo do palácio, onde o abaterem a bordoadas. De medo, porém, dizem os actos, de que os cristãos fizessem dele um mártir, lançaram-lhe de noite o corpo a uma cloaca. O santo apareceu a uma mulher chamada Lucina e mostrando-lhe o ponto em que estava o corpo, pediu-lhe o fosse enterrar nas catacumbas, na entrada da gruta dos apóstolos. Lucina executou religiosamente a ordem, e passou trinta dias ao pé do túmulo do santo. Isso se verificou, segundo parece, no ano de 228.

Retrucou-lhe Tibúrcio: "Oh, que sábio, que maravilhoso juiz possuem os romanos! Porque me recuso a adorar a prostituída Vénus, o incestuoso Júpiter, o finório Mercúrio, e Saturno, assassino de seus filhos, desonro a minha raça e recebo a marca da infâmia! E porque adoro o único Deus verdadeiro, ameaçais-me com a morte pelos suplícios!"

Fabiano mandou imediatamente acender uma fogueira e ordenou-lhe que a ela atirasse incenso ou sobre ela caminhasse de pés descalços. Tibúrcio fez o sinal da cruz e caminhou sobre os carvões sem sofrer a menor dor; depois desafiou o juiz a colocar apenas a mão na água fervente, em nome de Júpiter. "Quem não sabe, disse o juiz confuso, que o vosso Cristo vos ensinou magia?

- Calai-vos, desgraçado, replicou Tibúrcio, não me façais a injúria de proferir diante de mim com furiosos lábios tão sagrado nome".

Fabiano, encolerizado, o condenou imediatamente a perder a cabeça como blasfemo e culpado de haver proferido atrozes injúrias. Tibúrcio foi levado a um lugar da cidade, onde o executaram; mais tarde, Deus realizou no mesmo lugar Grande número de milagres.

O pérfido Torquato fez ainda enforcar Cástulo, o anfitrião dos cristãos. O santo foi interrogado e torturado três vezes e, não deixando nunca de persistir nas suas convicções, atiraram-no a um fosso sobre o qual lançaram um monte de areia. Os dois irmãos, Marcos e Marceliano, foram detidos em seguida e amarrados a um poste, com os pés furados pro pregos. Passaram um dia e uma noite em tal suplício, e finalmente morreram, atravessados por lanças, por ordem do juiz. Foram sepultados a duas milhas de Roma, num cemitério que deles recebeu o nome.

Após haver Sebastião fortalecido tantos mártires contra o temos dos suplícios, e encorajado a combater heroicamente pela coroa da glória, deu finalmente a conhecer a todos o que ele próprio era. Dioclecino, a quem o prefeito narrou o sucedido, mandou-o chamar e censurou-o por se esquecer das obrigações que lhe devia. Respondeu o santo que, notando haver loucura em pedir favores e socorros a pedras, havia incessantemente adorado a Cristo e o Deus do céu, para a salvação do príncipe e de todo império. Tão sábia resposta não satisfez absolutamente Diocleciano, que entregou o santo às mãos dos arqueiros da Mauritânia, os quais, por ordem sua, o vararam de flechas.

Deixaram-no, depois, por morto no lugar. Mas Irene, viúva de São Cástulo, tendo acorrido para sepultá-lo, encontrou-o ainda com vida e levou-o para casa, no próprio palácio do imperador, onde em pouco tempo o santo recobrou a saúde. Exortavam-no os cristãos a que se retirasse. Mas, após invocar a Deus, colocou-se numa escadaria pela qual passava Diocleciano, e censurou-o pela injustiça com a qual os seus pontífices o levavam a perseguir os cristãos, acusando-os de inimigos do estado, eles que oravam continuamente pelo império e pela prosperidade dos exércitos.

Padre Rohrbacher in 'Vida dos Santos' (Volume II, p. 46-62)



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