Homilia:
Jesus vem ao encontro do leproso, este prostrado, suplica-Lhe: “Se quiseres, podes purificar-me”. Jesus, compadecido, estende-lhe a mão, e diz-lhe: “Quero: fica purificado.” No mesmo instante a lepra deixou-o e ficou purificado. Depois da Sua acção na comunidade (Mc 1,21-28) e na família (Mc 1,29-34), Jesus vai ao encontro, cheio de compaixão e de mão estendida, de um homem no meio da cidade.
No tempo de Jesus os leprosos eram considerados doentes privados da benção de Deus e, por isso, marginalizados e impuros. Uma mentalidade expressa no livro de Levítico: o leproso andará de rosto coberto e gritará: ‘Impuro, impuro!’ Um grito de alerta para que outros não se tornassem, igualmente, impuros. Em nome de Deus e do bem da comunidade, criaram-se estas e outras leis de exclusão! Os mais fracos, além de excluídos, eram obrigados a anunciar o seu estado de impureza.
Na comunidade de Corinto, os cristãos questionam-se acerca da justiça em comprarem carne de animais imolados, provenientes do culto nos templos pagãos. Uma questão religiosa que tendia a transformar-se numa lei de exclusão. Paulo apresenta-lhes o critério: “Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus. Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à Igreja de Deus.” Paulo não pensa superficialmente nem sequer no seu próprio interesse, mas no bem maior da unidade da comunidade.
Quantas vezes os nossos esquemas e princípios se sobrepõem à nossa unidade interior, familiar, comunitária e social? Quantas vezes as leis por nós fabricadas em nome de Deus se transformam em causa de separação e de exclusão pessoal, familiar ou comunitária? A qualidade da nossa vida pessoal e familiar e a verdade da vida comunitária não dependem dos meus princípios, das minhas convicções ou tradições, nem das minhas auto-defesas e irreflexões.
Paulo apresenta à comunidade o critério: a imitação de Cristo. O fundamento das nossas opções pessoais e comunitárias é a entrega incondicional de Jesus e a Sua vida no Pai. Uma entrega vivida a partir, e, dirigida para o Pai: Jesus aproxima-Se do homem, estende-lhe a Sua mão e condu-lo ao Templo do Pai. Esta atitude de Jesus é o nosso critério e força fundamental. Um critério e uma força que apenas Jesus nos pode dar! Nem a medicina ou psicologia, lógica ou estética, concepções de liberdade ou ginásio, teologias ou biologias substituem Jesus! Jesus é o nosso critério e força fundamental.
Jesus não nos deixou, nem nos quer, com princípios e convições tão absolutos que afastem as pessoas entre si, esqueçam a compaixão, desvaneçam os braços de paz, impeçam o homem de chegar a Deus. Jesus não elimina as leis e ritos justos, nem nos propõe uma vida ambígua sem critérios, compromissos, ou sem desejo de verdade. Jesus propõe-nos um comprometedor e fundamental critério: imitá-lO. Apenas aquele que conhece Jesus na verdade O pode imitar.
A verdade do cristão, e o seu empenho pela verdade, fundamenta-se na pessoa de Jesus Cristo e no Seu projecto de unidade. Aquele que se encontra com a Sua autoridade e move-se para a morada do Pai vive no critério da verdade. Toda a acção de Jesus decorre, realiza-se e direciona-se para essa morada de unidade do Pai com toda a humanidade.Jesus move-se cheio de compaixão.
O evangelista serve-se do verbo (splagchnízomai) para traduzir a compaixão de Jesus por aquele homem. Na cultura grega, esse verbo expressava o sacríficio dos animais que serviam de alimento nas refeições sacrificiais. No AT expressa também o movimento de dois principais sentimentos: natural (4 Mac 14,13) ou misericordioso (Prov 17,5). Nesse confronto, Abraão é apresentado como o sábio que, diante de Deus, superou o seu próprio afecto, dispondo o seu próprio filho como sacrifício. (Sab 10,5) No
NT, esse verbo expressa o contínuo movimento de compaixão de Jesus na direcção dos homens. Não se trata dum movimento pietista ou mágico! Jesus encontra-se com um doente e cura-o. (Mt 14,14) Apercebe-se das carências daqueles que o escutam e alimenta-os. (Mt 15,32) Confronta-se com a cegueira dos homens e faz-lhes ver. (Mt 20,34) Vê a multidão sem pastor e guia-lhes. (Mc 6,34). Jesus encontra uma mãe que chora, e consola-a (Lc 7,13), um pai que perde o filho, e salva-o (Mc 9,22).
Jesus disse ao leproso: “Eu quero: fica purificado.” Jesus quer-nos purificados e Ele é a força da nossa purificação. A autoridade do Espírito Santo dada pelo Pai (Mc 1,10-11) permite a Jesus confirmar em nós, pela Palavra, a força da Sua purificação. Este é o maior milagre concedido por Jesus aos homens: a vida no Espírito que nos purifica e conduz à morada do Pai.
Esta acção de Jesus consuma-se naqueles que, prostrados, suplicam cheios de fé: “Senhor, se quiseres, podes purificar-me.” Assim como o leproso, aquele que, de coração disponível e fortalecido na fé, se dispõe a receber Jesus, purifica-se. Aquele que recebe a compaixão de Jesus, que é o Seu Espírito de Amor, não pode senão desejar imitar o próprio Jesus como verdadeiro e agradável sacrifício (santa acção). Essa foi a experiência do bom samaritano, que ao encontrar um homem desfalecido, movido pela compaixão, o assistiu (Lc 10,33). Essa foi a experiência daquele senhor que, movido de compaixão, libertou e perdoou a dívida do seu servo (Mt 18,27). Essa foi a experiência daquele pai que, ao ver o filho regressar a casa, movido por compaixão, correu a seus braços e o recebeu de novo em sua casa. (Lc 15,20)
Jesus recomenda ao homem curado: “Não digas nada a ninguém.” Jesus não pretende que as suas obras criem entusiasmos ou fundamentalismos insensatos. Prefere que, no silêncio, as obras de compaixão cresçam e falem por si. “Mostra-te ao sacerdote e oferece o que Moisés ordenou, para lhes servir de testemunho.” Aquele homem, que antes vivia excluído e anunciava a sua impureza, ao encontrar-se com Jesus, torna-se testemunho, no templo, da presença de Deus no meio do seu Povo. Aquele que recebe a força de Jesus torna-se morada de Deus entre os homens.
Essa é a proposta que o Senhor Jesus nos oferece: receber d’Ele e viver o Seu amor com obras e palavras de verdade. Este é o verdadeiro culto de purificação: moldar a nossa mente, coração e vontade pela força do Seu amor que consola, perdoa e abraça sempre. Este é o verdadeiro testemunho: partir ao encontro da comunidade, movidos pela compaixão de Jesus, com o Seu olhar e com a mão estendida para acolher.Feliz aquele que encontra no Senhor o seu refúgio e, imitando-O, age para o Bem maior da unidade. Senhor, dá-nos a alegria da Salvação. Queremos receber o Teu amor para que o nosso culto de purificação nos transforme no Teu movimento de compaixão. Que a nossa acção, envolvida na Tua Eucaristia, habite a Tua morada onde tudo é realizado para Tua glória e bem do mundo.