sábado, 14 de junho de 2014

Reflexões sobre o filme "Maléfica" da Disney

A Disney estreou recentemente o filme "Maléfica", com Angelina Jolie no papel de vilã e Elle Fanning na pele da pobre princesa Aurora. Há uma mudança interessante que "Maléfica" está a fazer em relação ao conto da "Bela Adormecida", e que é evidente já no título: desta vez, a história tem como centro a vilã, enquanto a heroína se torna um personagem em segundo plano. 
  
A história jamais contada da vilã mais representativa da Disney. Maléfica é descrita como "uma esplêndida jovem mulher de coração puro que leva uma vida idílica, até que um exército invasor ameaça a harmonia da região. Maléfica distingue-se por ser a mais orgulhosa protectora da região, mas no final sofre uma cruel traição, que começa a transformar so eu coração puro em pedra".

Esta traição é supostamente o que a leva a lançar uma maldição sobre Aurora, a filha recém-nascida do sucessor do rei invasor. Maléfica é pintada como uma heroína trágica, que estava apenas a defender o seu reino antes da chegada de uma série de desgraças. Inclusive a maldição sobre a pequena princesa Aurora é apenas uma forma de proteger sua terra. Se ela estava a agir para defender os seus, como poderia ser má?

Várias entrevistas a Angelina Jolie parecem prometer que o público terá uma perspectiva totalmente diferente de Maléfica: "Espero que, no final vocês possam ver uma mulher capaz de ser muitas coisas; o simples facto de defender-se e ser agressiva não significa que ela não possua outras qualidades".

Interpelada sobre a hipótese de que Maléfica tenha capacidade de redenção, Jolie respondeu que "parece verdadeiramente absurdo dizer que as meninas podem encontrar algo bom nela. Mas Maléfica é realmente uma grande pessoa". Este é um retrato interessante de uma das bruxas mais malvadas e famosas da história cinematográfica. E não é o primeiro filme da Disney que adopta este ponto de vista com relação aos "maus".

Nas suas últimas produções, a Disney tem seguido esta tendência de "modernizar" a história do vilão, muitas vezes com uma luz agradável projectada sobre o passado do personagem em questão. Por meio de novos relatos, o público acaba inevitavelmente por se solidarizar com os vilões e sentir simpatia por eles, chegando talvez a pensar que as suas decisões maldosas são inevitáveis nas infelizes circunstâncias em que se encontram.

Uma destas revisões foi apresentada em "Oz, mágico e poderoso", em que a Bruxa Má do Oeste é apresentada como vítima de uma cruel manipulação – o que justificaria seus actos. Também em "Detona Ralph", toda a base é a luta do malvado de um jogo de vídeo para chegar ao heroísmo. Poderíamos pensar que esta é uma grande oportunidade de mostrar uma personagem que vence as suas próprias inclinações e cresce até se tornar um verdadeiro herói.

Ralph consegue demonstrar o seu valor de herói mediante seus actos altruístas em relação às outras personagens, mas esta não é a mensagem final. O destino de Ralph é: "Eu sou mau, e isso é bom; eu nunca serei bom, e isso não é mau". No final, Ralph continua a detonar as coisas, mas agora Félix e os demais personagens do jogo aceitam-no pelo que é. No verdade, Ralph não é realmente mau, pois tem um bom coração, mas é interessante que a mensagem repetida por ele seja a de que nunca será bom "e isso não é mau".

Não há nada de errado em tentar compreender o funcionamento interno da mente de alguém mau. Sobretudo nas histórias populares amplamente conhecidas, uma revisão com diferente e inesperada perspectiva pode ser agradável, porque oferece informação nova. Mas, no final, produções como "Maléfica" e "Oz: mágico e poderoso" glorificam os vilões tradicionalmente aceitos enquanto tal e tentam justificar os seus actos reprováveis escavando um passado incompreendido. No caso de "Detona Ralph", chegam inclusive a dizer que "não é mau ser mau".

Os filmes e contos do passado, como "A bela adormecida" e "O mágico de Oz" expressavam interpretações concretas das categorias certo/errado, reflectidas em personagens absolutamente boas ou absolutamente más.

Não haveria um meio termo para a Bruxa Má do Oeste que cuspia fogo, ou para Maléfica, que mudava de forma nas suas histórias originais; mas a sociedade moderna criou muitas variações de cinzento para interpretar as acções das pessoas, e estas histórias apresentadas do ponto de vista do vilão, parecem ser o resultado deste mentalidade.

Poderia parecer inócuo, mas, se gastamos tanto tempo obcecados com a origem ou as motivações dos maus, poderíamos começar a perguntar-nos onde foram parar os verdadeiros heróis. 

Kim Scharfenberger in Aleteia


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