domingo, 9 de novembro de 2014

Diferenças M&F - José Maria André

Os exames na universidade oferecem uma oportunidade curiosa de comprovar até que ponto os rapazes são diferentes das raparigas. Não é só a óbvia complementaridade sexual. Nem só a força do cabelo, a consistência da pele, o tom da voz. É tudo! Os arqueólogos pegam num fragmento de osso com milhares de anos e identificam imediatamente se se trata de um homem ou de uma mulher, porque a constituição dos ossos, dos músculos, das glândulas... tudo é diferente, até ao pormenor.


À primeira vista, a reprodução não explicaria tanta diferença. Por exemplo, porque é que a voz das mulheres é mais aguda que a dos homens?

Os exames da universidade tornam patentes algumas destas diferenças, difíceis de explicar. A maneira de os alunos abordarem um problema é tipicamente distinta e, mesmo antes de começarmos a ler o que escreveram, salta à vista se a letra é feminina ou masculina. Porquê? Hoje em dia, a maior parte dos alunos aprende a escrever em turmas mistas, com os mesmos professores. Por que é que, educados da mesma maneira, não escrevem com a mesma caligrafia?

Porque é que a letra de uma estudante de Lisboa é mais parecida com a de uma colega que vem de Trás-os-Montes ou dos Açores, do que com a de um rapaz que estudou na mesma escola primária que ela e fez o secundário na mesma turma?

O assombro é ainda maior se repararmos nos alunos estrangeiros. No Técnico há cada vez mais alunos estrangeiros, algumas cadeiras têm até mais alunos estrangeiros que portugueses e uma das cadeiras que lecciono só tem tradicionalmente alunos estrangeiros, de modo que esta base estatística permite tirar conclusões interessantes a nível internacional. Ora, verifico que as alunas – venham do Canadá, da Suécia, da Itália, ou de qualquer outro país – têm «letra de rapariga» e que os alunos, seja de que país for, têm «letra de rapaz».

Já sei que é moda que as raparigas e os rapazes se arranjem de maneira distinta (por exemplo, nunca vi um rapaz de saias), mas desconheço qualquer razão desse tipo para explicar o modo de abordarem os problemas de engenharia, ou terem determinado estilo caligráfico. Por que é que os rapazes escrevem – sistematicamente – de maneira diferente das raparigas, constroem as frases de maneira diferente, resolvem os problemas de maneira diferente?

Um amigo meu, conhecido na área da Física das Partículas, defende que isto é assim porque Deus quis que fôssemos diferentes. Segundo ele, a humanidade ficou mais rica com esta complementaridade e a família torna-se uma imagem mais expressiva da relação entre Jesus Cristo e a Igreja. A explicação surpreende, mas quando se pensa melhor vê-se que é absolutamente brilhante. E diz muito acerca de Deus e da Igreja. Pesquisando no «Google», percebi que o meu amigo andou a ler uns textos do Papa Francisco e, investigando um pouco melhor, descobri que o Papa Francisco foi buscar estas ideias à Bíblia, em particular às epístolas de S. Paulo. 
Lamento bastante que seja assim, porque gostava de ter sido eu a inventar uma explicação tão interessante para um problema que toca tão profundamente a humanidade. Se ninguém tivesse apresentado as coisas desta maneira, neste momento eu estaria a escrever uma carta para Estocolmo: «Ex.mos Senhores, sabendo que me querem entregar os prémios Nobel da literatura, da medicina, da física e de todas as outras áreas, informo desde já que as minhas disponibilidades de agenda para receber todos esses prémios são os dias tal e tal...».

José Maria C. S. André in «Correio dos Açores», «Verdadeiro Olhar», 9-XI-2014


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