domingo, 25 de março de 2018

Quando um protestante descobriu que a Missa é a renovação do Sacrifício do Calvário

Durante a Semana Santa, que começa hoje, a liturgia católica leva-nos a viver uma Páscoa judaica surpreendente. Recordo a perplexidade de Scott Hahn, hoje um grande biblista católico, no tempo em que ele ainda era protestante. Um dia, ao fio dos Evangelhos, o pregador da sua comunidade protestante foi seguindo os passos da Última Ceia, conforme o cânone habitual da Páscoa judaica. 

Até dada altura, tudo decorria da forma habitual, ainda que num clima de extraordinária intensidade. A minúcia dos preparativos, da sala e da celebração, anunciava algo especial e Cristo começou por alertar os discípulos para a importância do momento: «Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco, antes de padecer».

A celebração judaica começa com as abluções rituais. O mais novo da família leva uma jarra e uma bandeja, deitando a água da purificação sobre as pontas dos dedos de cada um. Neste caso, não foi o menos importante – foi o próprio Cristo! – Quem fez a ablução. E não derramou água sobre os dedos: pôs uma toalha à cintura e lavou os pés a cada um dos discípulos. Pedro recusa uma coisa dessas! Depois, é tal a insistência de Cristo, que aceita...

Seguiram-se os salmos do costume e vários cálices rituais, em acção de graças, como símbolo da Aliança do Povo com Deus, etc., até que Cristo altera o sentido de tudo ao estabelecer uma Aliança nova: «Este cálice é a nova Aliança no meu Sangue, derramado por vós». Neste momento, Cristo coloca-Se a Si próprio como novo centro da acção litúrgica: «todas as vezes que o beberdes, fazei isto em memória de Mim».

Há outros elementos revolucionários naquela celebração pascal, mas o que mais surpreendeu Scott Hahn e a sua congregação protestante foi que, imediatamente antes do momento culminante, que seria o cálice da Consumação, Cristo interrompe a cerimónia. Não só interrompe, como o declara solenemente, como se fizesse de propósito: «não tornarei a beber o fruto da videira, até àquele dia em que o beberei de novo no Reino de Deus». Levantaram-se, pois, e saíram para o Monte das Oliveiras. A comunidade de Scott Hahn não sabia o que pensar. Talvez Jesus estivesse perturbado pela iminência da morte, talvez se tivesse esquecido de concluir a cerimónia da Páscoa...

Hahn decidiu reler os Evangelhos de uma ponta à outra, à procura do cálice que faltava, o cálice da Consumação. A conclusão imediata é que não tinha havido esquecimento, quase se diria que Jesus não pensava noutra coisa. Jesus sai do cenáculo da Última Ceia a falar do cálice que faltava: «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice! Mas não se faça a minha vontade mas a tua». «Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade!...». Chegam Judas e os soldados, Pedro pega numa espada e corta a orelha de Malco, um criado do Sumo Sacerdote. Jesus cura milagrosamente o ferido e diz a Pedro «Mete a tua espada na bainha. Eu não havia de beber o cálice que o Pai Me deu?».

Aquele cálice, vinha inclusivamente de muito antes. Ao pedido da mãe de Tiago e João, responde com um desafio misterioso: «Podeis beber o cálice que Eu hei-de beber, ou ser baptizados no baptismo com que Eu vou ser baptizado?» – qual cálice, tão singular? Qual baptismo, se Jesus já tinha sido baptizado no Jordão?

No final da Paixão, pendurado da Cruz, momentos antes de morrer, ressurge a referência à consumação da Aliança. «Sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir a Escritura, disse “tenho sede”. Havia ali um vaso de vinagre...» e um dos que estavam ali «correu a tomar uma esponja, ensopou-a, pô-la sobre uma cana e deu-Lhe de beber»... «Deram-Lhe a beber vinho misturado com fel. Tendo-o provado, não quis beber». Não, aquele vinho misturado com fel não era o cálice esperado; aquele «tenho sede» não era a pedir aquele vinho. Imediatamente a seguir, Jesus exclama «Tudo está consumado!» e, inclinando a cabeça, expirou.

De repente, Scott Hahn percebeu que a Última Ceia só terminava no Calvário, no momento em que se estabelece a nova Aliança «no sangue derramado por Cristo». A Última Ceia é uma unidade com todo o oferecimento de Cristo na Paixão. Participar na Missa é participar no Sacrifício de Cristo na Cruz. Como diz S. Paulo aos de Corinto, «porventura o cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo?». Cristo é, como diz S. Paulo a seguir, «a vítima imolada no altar». S. Paulo recorda como o próprio Jesus tinha avisado os discípulos, na Última Ceia, de que aquele vinho consagrado apontava para a sua morte no Calvário: «Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha».

Um dia, na universidade protestante em que dava aulas, Scott Hahn apresentou esta sua investigação e ouviu um comentário de um aluno que tinha tido catequese católica em pequeno: «Isso faz todo o sentido, mas recorda-me o catecismo de Baltimore!». Scott nunca tinha ouvido falar de um «catecismo de Baltimore», porque era um livrinho elementar, o primeiro catecismo das crianças católicas da época, e por isso ainda acusou mais o toque. Então, os católicos, esses heréticos, ensinam às crianças que a Missa é a renovação do Sacrifício do Calvário?! Algo que ele só tinha descoberto ao fim de tanto esforço de investigação?!

Primeiro, Scott ficou furioso, despeitado. Depois, continuou a investigar e fez-se católico.

José Maria C.S. André in Correio dos Açores, 25-III-2018


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1 comentário:

João Cordeiro Dias disse...

Não é clara para mim a relação que faz Scott Hann entre os cálices do ceia judaica e o da última ceia de Cristo.
João Cordeiro Dias