segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A dança dos sexos - José António Saraiva

Mostrando a sua abertura a todas as opiniões, o SOL publicou na semana passada um artigo lapidar do presidente da ILGA, Paulo Côrte-Real, sobre transexuais.

Tratava-se de um texto extraordinário, pois o articulista dedicava-se a virar a realidade de pernas para o ar, chamando ao preto branco e ao branco preto.

Vejam-se as seguintes pérolas: «O que é um homem? , O que é uma mulher? , são perguntas de resposta praticamente impossível», afirmava, convicto, Côrte-Real. E adiantava que, sendo as respostas «objectivamente» impossíveis, tem de prevalecer a forma como o indivíduo se sente . Ou seja, aquilo a que o articulista chamava «identidade de género». Se alguém se sente mulher, deve ser considerado legalmente mulher e vice-versa.

Ora, como o comum dos mortais sabe, é objectivamente facílimo dizer se um indivíduo é homem ou mulher. É isso, aliás, uma das primeiras coisas que as ecografias às grávidas apuram: se o bebé é rapaz ou rapariga...

Subjectivamente é que pode haver dúvidas. Um homem pode sentir-se mulher ou o contrário. Não estamos aqui, portanto, perante nenhuma questão objectiva (como diz o artigo) mas no domínio da mais pura subjectividade. E, diria eu, na presença de um distúrbio de personalidade. Se um indivíduo é fisicamente um homem e tem dúvidas a esse respeito, existe aí um problema.

Também há indivíduos que se sentem plantas ou animais - e não é por isso que vamos considerá-los como tal.

Certa ocasião, o Rei D. Carlos foi visitar o Hospital Júlio de Matos e, durante a visita, um dos internados convenceu-o de que não era louco e estava ali por vingança de alguém. No fim da visita, o Rei, rendido aos argumentos do homem e à sua eloquência, disse-lhe que ia dar ordens para o soltarem. Aí, o doente, esfuziante de alegria, começou a dar saltos, a bater os braços e a gritar:
- Có-có-ró-có, có-có-ró-có-có!
Metendo no bolso a caneta com que ia assinar a ordem de soltura, o Rei desabafou:
- Cantaste a tempo!

Há pessoas que se sentem galinhas, ou cães, ou porcos. São distúrbios mentais. Não vejo que o caso das mulheres que se sentem homens e dos homens que se sentem mulheres seja de natureza muito diferente. Se não estamos perante distúrbios mentais, estamos, pelo menos, em presença de distúrbios de personalidade. Mas voltemos ao artigo.

Continuando na sua argumentação, o presidente da ILGA dizia que deve bastar um indivíduo sentir-se homem ou mulher, independentemente do seu corpo, para o Estado o dever aceitar como tal (passando a constar do BI, do passaporte, etc. o sexo pelo qual o indivíduo optar).
Para Côrte-Real, a mudança cirúrgica de sexo não deve ser condição obrigatória para o Estado conceder a um indivíduo a troca legal de sexo, dado o Estado não poder obrigar os cidadãos a fazer cirurgias. Assim, bastará o testemunho de especialistas sobre o modo como o indivíduo se sente .

Simplificando, uma pessoa vai ao registo, leva uma declaração médica a dizer que pertence ao género feminino ou masculino, os serviços passam-lhe documentos com a nova identidade - e o fulano vem do registo legalmente com um novo sexo (e um novo nome, obviamente).
Apetece dizer: importa-se de repetir?

A partir do momento em que uma pessoa não precise de mudar fisicamente para adquirir um novo sexo, podendo manter exactamente o mesmo aspecto, passaremos a viver num mundo onde as principais referências desaparecerão. Já não saberemos quem é homem e quem é mulher.

Imaginemos um cavalheiro que se dirige ao check-in do aeroporto, onde é atendido por uma funcionária que o trata por senhor . O homem apresenta um bilhete de avião passado em nome de uma Adelaide qualquer coisa. A funcionária diz-lhe que deve haver engano, porque o bilhete está em nome de uma senhora. O homem esclarece que, embora tenha aspecto de homem, é uma mulher - e exibe o BI onde consta o tal nome de Adelaide. A funcionária pede desculpa, envergonhada por ter provocado aquela confusão.
Enfim, uma trapalhada!

Mas a alternativa (isto é, a intervenção cirúrgica para mudança de sexo) não é melhor. Todos sabemos que estas operações são violentíssimas. A remoção do pénis, a colocação de implantes mamários, os choques de hormonas para os pêlos caírem, tudo isso tem consequências psicológicas devastadoras. Duvido que, depois disso, uma pessoa possa ter uma vida normal.

E por essa razão, não sendo eu psicólogo nem psiquiatra, permito-me fazer a seguinte pergunta: não seria mais razoável que os homens e mulheres que se sentem de outro sexo, em vez de se sujeitarem a brutais actos cirúrgicos, recorressem a acompanhamento psicológico para adequarem o modo como se sentem ao corpo que têm?

Não seria mais lógico que, em vez de tentarem violentar o corpo para o adequarem à ideia que têm de si próprios, tentassem adaptar a ideia que fazem de si próprios ao seu corpo?
Não fará mais sentido essas pessoas derrubarem alguns tabus mentais (porventura resultantes de traumas em criança, de danos provocados por violações ou torturas sexuais) do que tentarem contrariar a natureza, fazendo nascer uma mulher no corpo de um homem ou o contrário?

É certo que a personalidade de uma pessoa deve ser coerente com o seu corpo. Mas deverá ser o corpo a adaptar-se (sempre mal.) à personalidade ou a personalidade a tentar adaptar-se ao corpo?

Acresce que, por mais operações que se façam, um corpo de mulher nunca se transformará no de um homem e vice-versa. E isso provocará à mente que habita esse corpo novos distúrbios mentais.

Os transexuais serão sempre infelizes - e ainda mais se mudarem de corpo, porque constatarão a impossibilidade de mudarem fisicamente de género.

A única forma de os transexuais se sentirem menos diferentes não é tentarem mudar de corpo, contrariando brutalmente a natureza - mas procurarem resolver o conflito de personalidade que os habita, sendo capazes de pensar de acordo com o corpo que a natureza lhes destinou.

A mudança física de sexo revelar-se-á sempre uma cruel desilusão.


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6 comentários:

Domingueira disse...

Excelente artigo!
Ele tem artigos excepcionais.

sara disse...

Ainda bem que ainda existem pessoas com logica nas ideias que apresentam... E tudo uma questao de logica de pensamento e a falta dela cria essas ideias no minimo estranhas... Isto esta bonito esta...

mvs disse...

Muito bom, mesmo!

Inês disse...

eis a minha parte preferida:

Para Côrte-Real, a mudança cirúrgica de sexo não deve ser condição obrigatória para o Estado conceder a um indivíduo a troca legal de sexo, dado o Estado não poder obrigar os cidadãos a fazer cirurgias.

Antónimo disse...

Texto que se pode resumir em duas palavras, que são "não inventem".

Este país nos últimos anos tem sido fértil em invenções legislativas.
Para que após mais de 850 anos de história é que entrámos na adolescência. O poder legislativo e o poder presidencial acham-se sobre-dotados, acham-se os possuidores da verdade suprema e, vai daí, toca a fazer leis estapafúrdias que só servem para transformar Portugal numa república das bananas. Deve ser isso. Já que a república faz cem anos, bananas para todos!

Há várias pérolas, mas um dos ex-libris governativos foi a mudança de "maternidade" para "parentalidade".

Imagino o diálogo:

- vais ser mãe?
- não, vou ser parente?
- Tás a gozar comigo? E esse barrigão é o que?
- é o meu parente que vai nascer.
- Mau, é barriga de aluguer?
- livra! fiz tudo como deve ser.
- então vais ser mãe e estás a reinar.
- não! agora já ninguém é mãe nem pai. Somos todos parentes!
- Tu é que me está a sair uma grande filha da parente... E a seguir vais dizer-me que vai nascer em Lisboa na "Parentalidade
Alfredo da Costa", não?

O problema é que isto é mesmo sério e não somos só nós, mas também as próximas gerações, que vão pagar as favas. Tudo por força de uns iluminados.

João Silveira disse...

caro/a parente anónimo/a, está cheio/a de razão