terça-feira, 27 de maio de 2014

Papa Francisco, o casamento dos padres e a comunhão dos recasados

Na viagem de regresso que fez da Terra Santa para Roma, o Papa Francisco respondeu no avião a uma série de perguntas a jornalistas [0]. Na verdade, estas entrevistas são inéditas, porque são das únicas vezes em que o Papa responde livremente a perguntas in loco. Quantos de nós já vimos uma conferência de imprensa com o Papa sentado por trás da mesa? Ninguém, porque estes momentos concretizam-se no avião.

Assim sendo, os jornalistas não esperam por meias medidas e obviamente que abusam nas perguntas. No entanto nós também lhes agradecemos porque assim fica tudo claro e já vimos a mestria que o Papa Francisco tem em responder bem e, ainda assim, agradando a muitas pessoas.

De facto, é curioso ver que o Papa Francisco não tem mudado mesmo nada de fundamental na Igreja (a Moral da Igreja continua intocável, por exemplo) e mesmo assim continua nos tops das pessoas mais influentes a uma escala mundial [1].

Vejamos com detalhe algumas das partes da entrevista que podiam verdadeiramente abanar aquilo que a Igreja sempre foi mas que fizeram exactamente o contrário.

Os sacerdotes podem vir a casar?

Um dos primeiros temas abordados foi o celibato dos sacerdotes Católicos. O Papa disse que era um tema que não estava na ordem do dia e, mais ainda, era uma doutrina muito apreciada por ele, o próprio Vigário de Cristo na Terra. Eis o texto:
"O celibato não é um dogma de fé. É uma regra de vida que eu aprecio tanto e creio que é um dom para a Igreja. (…) não sendo um dogma de fé, está sempre em aberto. Neste momento não falamos disto, como programa, pelo menos por agora. Há coisas mais importantes para realizar."
Sim, é verdade que o Papa disse que não era um dogma da Igreja, mas e então? Qual a novidade? Há padres Católicos casados hoje em dia, noutros ritos da Igreja Católica, como disse o próprio Papa.

Mesmo antigamente, no rito Romano (o de Roma, do Papa), o celibato dos sacerdotes não era obrigatório e mesmo assim foram muitos os que optaram por não casar [Nota: o 1º comentário a este texto explica melhor o assunto].

O celibato não é algo intimamente ligado ao sacerdócio mas sim a uma união maior com Cristo. Não é preciso ser padre para se ser celibatário. No entanto é fácil perceber que é muito bom para o sacerdócio ter uma ligação tal com Cristo que o celibato ajude muito a aperfeiçoar [2].



Reparem que a pergunta do jornalista foi feita a propósito do encontro do Papa com o Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu, com a sugestão de que acabar com o celibato permitiria uma maior união da igreja Católica com a igreja Ortodoxa, onde os padres se podem casar. Mas o que disse o Papa?
"Com Bartolomeu esta tema não se tocou porque é secundário, mesmo, na relação com os ortodoxos."
E, no entanto, por o Papa ter dito o óbvio, muitos vão dizer que os padres qualquer dia vão poder casar [3,4,5], desprezando o facto de o Santo Padre ter dito explicitamente que não vai tratar disso tão cedo, ou seja, provavelmente nunca, enquanto for vivo.

As eleições europeias e... a vida

Outro ponto tratado nesta entrevista ao Santo Padre foi a questão da vida. É impressionante como o Papa conseguiu virar uma pergunta sobre os resultados das eleições europeias para a questão da vida: tanto a vida dos mais jovens, queixando-se que o número de nascimentos está muito muito baixo, bem como o número de idosos, chegando mesmo a chamar Eutanásia ao desprezo pela saúde dos idosos.
"Hoje no centro está o dinheiro. (…) Faltam as crianças. Faltam os idosos: os velhos, não servem; na conjuntura actual, neste momento, vamos ter com eles porque estão reformados e têm necessidades, mas é uma coisa temporária. 
Os idosos também se deitam fora por causa das situações de uma eutanásia escondida, em tantos países. Isto é, a medicina desiste a um certo ponto e pronto…"
Comunhão dos recasados

Mas a grande "bomba" veio quando perguntaram ao Papa sobre a Comunhão das pessoas recasadas.

Hoje não há jantar de família onde não surja este tema - todos pensam que é óbvio que o Papa, e toda a Igreja, vai admitir à Sagrada Comunhão as pessoas divorciadas que se voltaram a casar [6]. Esta opinião generalizada é compreensível, tendo em conta que até muitos sacerdotes dizem isto. Mas o que é que o Papa pensa sobre isto? Vejamos as suas palavras:
"A mim não me agradou que tantas pessoas - até da Igreja, padres - tivessem dito 'Ah, o Sínodo é para dar a Comunhão aos divorciados' e tivessem ido ali, a esse ponto."
Apesar de achar que este tema não é de todo o mais importante diante do panorama da família, o Papa Francisco disse o que pensava em relação ao tema (tambores por favor):

"Uma coisa que o Papa Bento disse três vezes sobre os divorciados ajuda-me muito. Uma vez no Vale d'Aosta, uma outra vez em Milão e a terceira no Consistório, o último Consistório público que fez para a criação dos Cardeais: de estudar os procedimentos sobre considerar nulos os matrimónios, porque alguns são [...] ou apenas para poucas pessoas; e de estudar a fé com a qual uma pessoa vai ao matrimónio e esclarecer aos divorciados que não estão excomungados e tantas vezes são tratados como excomungados. E esta é uma coisa séria."
Considerar nulo um matrimónio é diferente de anular o casamento, porque basicamente a Igreja está é a dizer que não, o casamento nunca existiu.

É interessante aqui o Papa apontar que é preciso ver com que Fé uma pessoa se vai casar. Não são poucos os casos de pessoas que se casam hoje sem ter a mínima noção do que vão fazer. Será que ao menos os párocos têm o cuidado de explicar aos noivos a doutrina Católica e incentivá-los a viver de acordo com ela?

Na verdade, a falta de formação é um tema que preocupa o Papa, quando diz isto:
"Hoje, todos o sabemos, a família está em crise: está em crise mundial. Os jovens não querem casar-se ou não se casam ou vivem juntos, o matrimónio está em crise e assim a família."
Cá está o Papa a mostrar como errada uma das realidades mais comuns dos dias de hoje: a dos namorados in aeternum. E na imprensa: zero.

Estes comentários do Santo Padre o que fazem é prometer uma excelente exortação apostólica sobre a família, que é o documento oficial que o Papa escreve a partir das conclusões do Sínodo dos Bispos.

A Igreja precisa de reforma?

Mais ainda, na entrevista, quando se referia ao banco do Vaticano, o Papa deixou bem claro o que significava a reforma na Igreja para ele: Ecclesia semper reformanda. Tal como tem acontecido nos pontificados anteriores, a reforma da Igreja é uma coisa do dia-a-dia . O Papa disse que "devemos estar atentos para reformar a Igreja todos os dias, porque somos pecadores, frágeis e haverão sempre problemas." Na verdade, quando no final da entrevista perguntaram ao Papa qual era o maior obstáculo à reforma que se estava a levar na Cúria da Igreja, disse o Papa com humor:
"... o primeiro obstáculo sou eu."
No fundo há apenas uma maneira de (todos) os Católicos ajudarem na reforma da Igreja - a santidade pessoal, através da oração [7], da mortificação e, só no fim, da acção.

E que acção tomar?
Bem, uma coisa urgente é a de levar o que o Papa disse ao mundo, aos nossos amigos, colegas e familiares, que recebem tudo distorcido pela imprensa.

A verdade é que as pessoas não sabem o que o Papa disse naquele avião e nós temos o compromisso da verdade de lhes dizer, ao menos quando as ouvimos contar mal as coisas.

Nuno CB

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[2] (Vídeo) Celibato pelo Reino dos Céus, Pe. João Paulo Pimentel, IV Theology of the Body International Symposium, Fatima, Portugal 2013
[6] As pessoas divorciadas mas que vivem solteiras podem comungar, claro. Aos olhos de Deus só houve um casamento, o primeiro. Qualquer casamento que venha a seguir é como se fosse um adultério, por isso quem não se voltar a casar permanece em estado de graça.
[7] Quem nos dá o exemplo é o próprio Papa que já hoje, 27 de Maio '14, um dia depois de chegar a casa, foi à Igreja de Santa Maria Maior agradecer a Nossa Senhora a viagem à Terra Santa.


blogger

2 comentários:

José Manuel Santos Ferreira disse...

Não é exacto dizer que “no rito Romano (o de Roma, do Papa), o celibato dos sacerdotes não era obrigatório e mesmo assim foram muitos os que optaram por não casar”.
Na Igreja do Ocidente (e não só em Roma), começaram por ser ordenados homens casados, a quem se pedia que vivessem em continência. Mais tarde, foram ordenados homens celibatários, que, naturalmente, nunca se tinham casado e renunciavam a vir a fazê-lo.
Ver o magistral artigo do Cardeal Stickler, que tenho estado a publicar:
I (http://adtelevavi.blogspot.pt/2013/12/celibato-eclesiastico-historia-e.html)
II (http://adtelevavi.blogspot.pt/2013/12/celibato-eclesiastico-historia-e_18.html)
e III (http://adtelevavi.blogspot.pt/2014/05/celibato-eclesiastico-historia-e.html).
(Falta a conclusão).

NCB disse...

Muito obrigado, Sr. Cónego!

Pelos vistos o celibato ainda está mais arreigado na Igreja Católica do Ocidente do que eu dou a entender. Não sabia.

Mais uma vez obrigado e reze pelos nossos leitores (e escritores, já agora),
Nuno