domingo, 25 de janeiro de 2015

D. Georg Ganswein fala sobre Francisco, Bento XVI e muito mais

Há poucos dias, a revista de um jornal alemão, a Christ & Welt, entrevistou D. Georg Ganswein, secretário pessoal de Bento XVI e Prefeito da Casa Pontifícia, portanto um dos colaboradores mais próximos do Papa Francisco.
Cgänswein&W: No Natal, o Papa Francisco causou furor com o seu discurso sobre as quinze doenças da Cúria Romana. O D. Georg estava sentado mesmo ao lado do Papa. Em que doença é que parou de contar?
Georg Gänswein: Como Prefeito da Casa Pontifícia estava sentado, como sempre, à direita do Papa. E, como sempre, tinha uma cópia do discurso na minha mala, mas não tinha tido tempo de o ler antes. Quando a lista de doenças começou, pensei para mim mesmo, "Bem, isto vai ser interessante" e tornou-se cada vez mais. Eu contei até à nona doença...
O que lhe passou pela cabeça?
Normalmente o Papa usa a recepção de Natal à Cúria para olhar para o ano que passou e falar do próximo que se aproxima. Desta vez foi diferente. O Papa Francisco preferiu apresentar um espelho de consciência aos cardeais e bispos, entre os quais alguns já reformados...
Sentiu que se dirigia a si de alguma forma?
Claro que pensei para mim mesmo, "A quem é que isto se refere? Que doença é que te afecta? O que é que precisa de ser corrigido?" A certo ponto pensei nas minhas caixas de mudanças.
Refere-se à história sobre as mudanças de um jesuíta com imensas coisas? Francisco disse que mudar-se era um sinal da "doença de acumular"
Exactamente. Desde que deixei o Palácio Apostólico depois da renúncia do Papa Bento em Fevereiro de 2013, muitas das minhas coisas ainda estão em caixas num armazém. Mas não vejo nisso um sinal de doença.
O que é que o Papa Francisco pretendia com este acto de flagelação? Podia ser desmotivador.
Essa é uma pergunta que muito dos meus colegas também perguntaram. O Papa Francisco está neste cargo há já quase dois anos e conhece muito bem a Cúria. Obviamente que ele achou necessário falar claramente e fazer um exame de consciência.
Quais foram as reacções?
Foi um presente para os media, claro. Durante o discurso já conseguia ver os cabeçalhos: Papa castiga os prelados da Cúria; Papa lê as regras aos seus cooperadores! Infelizmente, de fora teve-se a impressão de que havia um buraco entre o Papa e a Cúria. Essa impressão é enganadora e não coincide com a realidade. Mas o discurso abafou isso.
O discurso foi criticado internamente?
As reacções foram desde surpresa até ao choque e incompreensão.
Talvez com Francisco a Cúria precisa de se ajustar a exercícios espirituais permanentes?
Já há muito se ajustou a isso. O Papa Francisco não esconde a sua formação religiosa. Ele é um Jesuíta, formado vezes e vezes pela espiritualidade do fundador desta ordem, Santo Inácio de Loyola.
O que pensa sobre Francisco, dois anos depois da sua eleição?
O Papa Francisco é um homem que desde o início deixou claro que lida com as coisas diferentes de uma forma diferente. Isto é verdade para a sua escolha de onde dorme, o carro que guia, todo o processo de audiências em geral e especialmente o protocolo. Podíamos pensar que ele se estava a habituar no início e queria um certo grau de flexibilidade. Agora já é assim por defeito. O Santo Padre é um homem de uma criatividade extraordinária e de um entusiasmo latino-americano.
Muitos ainda perguntam para onde vamos?
Se ouvirem com atenção as palavras do Papa, vão ouvir nelas uma mensagem clara. No entanto, a questão surge continuamente, sobre onde quer Francisco levar a Igreja, qual o seu objectivo?
Há um ano disse, "Ainda estamos à espera de normas substanciais." Já se podem ver?
Sim, muito mais do que há um ano. Pensem na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Nela apresentou uma bússola do seu pontificado. Mais ainda, publicou documentos importantes e deu discursos importantes ao longo do ano, tais como em Strasbourg para o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa. Os contornos tornaram-se claros e visíveis e definiram-se claras prioridades.
Tais como?
A prioridade mais importante é a missão e evangelização. Este aspecto é como um fio condutor. Sem divagação interna nem referências próprias, mas espalhando o Evangelho pelo mundo. Este é o lema.
Compreende Francis George, o arcebispo de Chicago reformado, que criticou o facto de as palavras do Papa serem muitas vezes ambivalentes?
De facto houve casos em que o porta-voz do Vaticano teve que clarificar algumas matérias depois de publicações específicas. As correcções são necessárias quando certas frases levam a incompreensões que podem ser apanhadas em certos lugares.
O Papa Francisco tem um maior controlo sobre os media do que o seu predecessor Bento?
Francisco lida com os media ofensivamente. Ele usou-os intensa e directamente.
E também com mais capacidades?
Sim, ele usa os media com grandes capacidades.
Quem são na verdade os seus colaboradores mais próximos?
Esta questão aparece sempre. Não sei.
Com os Sínodos sobre a pastoral das famílias neste passado e no próximo Outono, Francisco criou um ponto de focagem. Em especial, a questão de permitir o acesso dos divorciados e fiéis recasados ao sacramento causa muito desacordo. Alguns até têm a impressão que Francisco está mais preocupado com o cuidado pastoral do que com a doutrina...
Eu não partilho dessa impressão. Dá origem a uma oposição artificial que não existe. O Papa é o primeiro guardião e defenso da doutrina da Igreja e ao mesmo tempo é o primeiro pastor. A doutrina e o cuidado pastoral não estão em oposição, são como gémeos.
O Papa actual e o retirado têm visões opostas no debate sobre os Católicos divorciados e recasados?
Não conheço nenhuma afirmação doutrinal do Papa Francisco que seja contrária às afirmações do seu predecessor. Isso também seria absurdo. Uma coisa é dar ênfase aos esforços pastorais com mais clareza porque a situação o requer. Outra coisa completamente diferente é fazer uma mudança nos ensinamentos. Eu só posso agir de uma forma pastoralmente sensível, consistente e consciente quando o faço com a base de todos os ensinamentos Católicos. A substância dos sacramentos não foi deixado à discrição dos pastores, mas foi dada à Igreja pelo Senhor. Isso também é especialmente verdade para o sacramento do matrimónio.
Houve alguma visita de certos Cardeais ao Papa Bento durante o Sínodo, com o pedido de que ele interviesse para resgatar o dogma?
Não houve nenhuma visita desse género ao Papa Bento. Uma suposta intervenção do Papa emérito é pura invenção.
Como é que o Papa Bento responde às tentativas de círculos tradicionalistas para o reconhecerem como anti-Papa?
Não foram os círculos tradicionalistas que tentaram isso, mas representantes da profissão de teólogos e alguns jornalistas. Falar de um anti-papa é simplesmente estúpido, e também irresponsável. Isso parece um pegar-fogo teológico.
Há pouco tempo houve uma agitação relacionada com a contribuição do recém-publicado quarto volume das Obras Completas de Joseph Ratzinger. O autor mudou algumas conclusões no tópico dos divorciados e recasados num sentido estrito. O Papa Bento queria envolver-se neste debate do Sínodo?
Não, de todo. A revisão do tal artigo de 1972 foi completada e enviada ao editor muito antes do Sínodo. Deve-se lembrar que todo o autor tem o direito de fazer alterações nos seus escritos. Qualquer pessoa informada sabe que o Papa Bento não partilha dessas conclusões da tal contribuição desde 1981, que aconteceu há mais de 30 anos! Como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé ele expressou isto claramente em vários comentários.
O facto de o timing da publicação da nova edição ter coincidido com o Sínodo foi tudo menos feliz...
O quarto volume das Obras Completas, onde o artigo foi impresso, estava previsto que fosse publicado em 2013. A publicação foi atrasada por várias razões e  acabou por acontecer apenas em 2014. Que ia acontecer um Sínodo sobre o tema da família nessa altrua era absolutamente imprevisível quando se planeou a publicação dos vários volumes.
Quando se retirou, Bento XVI disse que ia viver "escondido do mundo". No entanto, ele continua a aparecer. Porquê?
Quando está presente em acontecimentos importantes da Igreja, é porque é convidado especialmente pelo Papa Francisco. Por exemplo, quando participou no consistório em Fevereiro passado, na canonização de João Paulo II e João XXIII em Abril e também na beatificação de Paulo VI em Outubro. Também escreveu um discurso para a inauguração do Auditorium Maximum da Universidade Pontifícia Urbaniana em Roma, que recebeu o seu nome. O Papa Bento foi convidado para lá ir, mas não aceitou o convite.
Nessa discurso, que D. Georg leu em vez dele, o Papa Bento algumas afirmações teológicas claras. "A eliminação da verdade é letal para a fé", escreveu ele.
O discurso foi uma contribuição impressionante para o tema da "Verdade e Missão". Isso notou-se, estava tudo tão silencioso durante a leitura naquele auditório cheio. Cheio de conteúdo e sabedoria, foi um clássico da teologia. O Papa Francisco, que recebeu o texto do Papa Bento antes, ficou muito impressionado e agradeceu-lhe por isso.
Papa Bento às vezes fala sobre o facto de se ter retirado? Ele está descansado?
Ele está em paz consigo mesmo e convencido de que a decisão foi certa e necessária. Foi uma decisão de consciência que foi muito rezada e sofrida e que foi posta diante de Deus por aquele homem.
O D. Georg sofreu com a histórica renúncia de Fevereiro de 2013. Como é que olha agora para trás?
É verdade que foi uma decisão difícil para mim. Internamente não foi difícil de aceitar. Lutei para superar. A luta já acabou há muito tempo.
Jurou ser leal ao Papa Bento até à morte. Isso também significa que ficará ao seu lado, também no Vaticano?
No dia da sua eleição como Papa prometi ajudá-lo in vita et in morte. Claro que não estava a contar com a renúncia. Mas a promessa foi verdadeira e ainda se mantém.
Os Bispos deviam ser pastores. Como arcebispo na Cúria Romana, às vezes sente-se como um pastor sem rebanho?
Sim, às vezes. Mas ando a receber cada vez mais convites para crismas, Missas de aniversários e outras celebrações. Inicialmente eu respondia um pouco na defensiva e escolhia aceitar apenas alguns. Mas isso mudou ultimamente. O contacto directo com os fiéis é muito importante. É por isso que aceito encargos pastorais sempre que é possível e compatível com as minhas outras obrigações. Isso é bom e necessário ao mesmo tempo. E também é a melhor medicação contra outra das doenças da Cúria mencionada pelo Papa Francisco: o perigo de ficarmos uns burocratas.
[Tradução Senza Pagare do inglês]


blogger

Sem comentários: