A descoberta da pílula anticoncepcional permitiu a revolução sexual. Essa revolução parece que trouxe felicidade para muitas pessoas. Não fosse assim não se venderia tanta pílula nem o mundo teria mudado tanto.
Mas essa é uma felicidade peculiar, do mesmo tipo que se consegue pelo álcool. Uma felicidade que vem acompanhada de outras coisas que não são queridas, que são tristes.
Alguns reconhecem isso, outros não. Afinal todos procuramos justificar as nossas escolhas e, uma vez feitas, viver com elas. Nem gostamos de pensar que as nossas escolhas não foram boas.
A partir dos anos 60 a libertação sexual foi acompanhada por um crescimento expressivo das estatísticas de divórcios, abortos, gravidez precoce, abuso de menores, etc. que trazem um custo não só para o indivíduo como para a sociedade. Há também aqueles custos difíceis de mensurar como o trauma das crianças com lares desfeitos, depressão, solidão, etc. A correlação causal entre esses dois fenómenos – libertação e sofrimento – é apontada em muitos estudos. É certo que podem ser rejeitados e contra-argumentados, como acontece com todo o saber social, no entanto parece incontestável que a libertação – esse é o nome que damos – sexual deveria fazer as pessoas mais felizes, mas os estudos sobre felicidade apontam que a mulher de hoje considera-se menos feliz que a sua avó.
Em 2009, por exemplo, dois economistas de Wharton, Betsey Stevenson e Justin Wolfers publicaram o paper “The paradox of declining female happiness” onde, usando dados recolhidos durante 35 anos pela General Social Survey, concluem que as mulheres – relativamente e absolutamente - tem sido menos felizes que os homens, sobretudo no mundo industrializado e emancipado. O que aconteceu? Onde errámos?
Marry him! é um livro que fez muito sucesso recentemente. A autora, Lori Gottlieb, é a personificação da mulher pós-libertação sexual. Carreira bem sucedida, muitos namorados, vida sexual intensa, independente financeiramente. Perto dos 40 anos, não encontrando um parceiro adequado foi a um banco de esperma e fabricou um filho. Passado um par de anos arrepende-se profundamente das decisões que tomou. Escreve para as mulheres se casarem ou se juntarem logo com qualquer homem razoável sem esperar pelo príncipe encantado. Ter um filho por conta própria tornou difícil encontrar um homem e tem pena da criança que não tem um pai para brincar com ela. Lori seguiu a cartilha escrita dos anos 1960 para cá. Por que se frustrou?
O livro Adam and Eve after the Pill (Adão e Eva depois da Pílula - Paradoxos da Revolução Sexual) de Mary Eberstadt procura levantar essa outra parte da revolução sexual, a parte que não gostamos de falar.
Uma consequência destes tempos hiper-sexuais é o hipo-romantismo. Como se escreve e se reclama, sobretudo por parte das mulheres, por mais romantismo! E não encontram resposta. E agora as casadas têm mais uma nova demanda: dizem que os seus maridos já não estão mais interessados em ter relações sexuais com elas. A pornografia disponível na internet fez com que eles vivam fantasias que não encontram paralelo na vida real ao lado da esposa.
“The social cost of Pornography” é um documento publicado em 2009 e assinado por 50 investigadores de diversas especialidades, representantes de um largo espectro – esquerda, direita, feministas, conservadores, judeus, cristãos, ateus – mostrando que a pornografia não é apenas uma questão privada e inofensiva. Pamela Paul foi jornalista da revista Time e entrevistou mais de 100 usuários de pornografia (80% homens e – sim! – 20% mulheres) para escrever “Pornofied: how pornography is transforming our lives, our relationships and our families”. Muitos dos entrevistados disseram que perderam a capacidade de se relacionarem com mulheres. Eles têm dificuldade em lidar com a mulher real e os seus casos não prosperam. Norman Doidge, psiquiatra e pesquisador, também encontrou nos homens usuários de pornografia dificuldade em ter relações sexuais com a esposa e afirma: “Os pornógrafos prometem prazer seguro e relaxamento, mas o que na verdade entregam é vício e perda de prazer.” E Roger Scruton, filósofo contemporâneo e ensaísta, acrescenta que “os usuários de pornografia se arriscam a perder algo de muito importante: a perda do amor num mundo onde só o amor traz felicidade”.
A alimentação substituiu o sexo
Talvez um dos capítulos mais interessantes do livro é sobre a transformação que nossa sociedade viveu nas últimas décadas a respeito do sexo e, inversamente, a respeito da alimentação.
A tecnologia tornou o sexo e a comida acessíveis para uma grande quantidade de pessoas como nunca se viu antes na História. O que fizemos? Vamos imaginar – diz a autora – duas pessoas em duas épocas diferentes: Betty é uma dona de casa com 30 anos em 1958, a sua neta Jennifer tem a mesma idade hoje.
Betty prepara para a sua família todo tipo de comidas incluindo carnes, massas e doces. Ela gosta de alguns pratos e menos de outros, mas não se importa muita com esse tipo de coisa. Varia os pratos para não ficarem enjoativos. Betty pensa que alimentação é apenas questão de gosto, algo subjectivo e sem muita importância. Por outro lado, pensa que o sexo fora do casamento é algo objetivamente errado e, junto com as suas amigas, comentam com pesar sobre o vizinho que largou a esposa e os filhos para ficar com outra mulher. Ela acredita que o mundo seria um lugar melhor se todos se comportassem como ela e ela procura falar com as filhas sobre isso.
Jennifer não cozinha, não tem filhos e vive com o namorado, mas dá muita atenção a alimentação e tem firmes convicções sobre esse tema. Ela é vegetariana, evita refrigerantes, comidas ricas em colesterol e calorias bem como alimentos geneticamente modificados. A sua dieta é rica em vegetais, frutas e sumos verdes. Jennifer pensa que há um certo e errado sobre alimentação. Ela não condena os que se comportam de maneira diferente, mas não entende porque fazem isso. Também crê que o mundo seria um lugar melhor se as pessoas cuidassem melhor da sua alimentação, chegando algumas vezes a catequizar amigas sobre este assunto. Por outro lado, pensa que uma pessoa deve seguir seu coração e há muitas maneiras de se formar uma família. Ela é a favor do casamento gay, do divórcio, da união consensual e do aborto. Acha que sexo é questão de gosto pessoal e que não há um certo ou errado.
Como dá para perceber, a moralidade do sexo e da comida inverteu-se totalmente. O que era importante e objectivo tornou-se indiferente e subjectivo. A palavra ‘culpa’ é mais usada hoje para quem fica obeso do que para quem comete um adultério. Para alguns, como os vegans e os macrobióticos, a relação com a comida tornou-se inclusive algo similar aos preceitos religiosos. Mas o mais importante nessa mudança de valores é refletir se isso é pertinente a realidade do ser humano ou não e quais as suas conseqüências.
Estudos apontam que uma alimentação saudável implica uma vida melhor e procuramos seguir esses conselhos. Estudos indicam que as crianças que crescem num lar onde o pai e a mãe são casados e fiéis são estatisticamente melhores estudantes, conseguem melhores empregos, tem uma vida mais estável e equilibrada psicologicamente dos que foram criados em lares desfeitos. Por que não seguimos esses conselhos? Por que temos uma civilização puritana quanto à alimentação e licenciosa quanto ao sexo?
O tabaco e a pornografia
Outra comparação interessante que mostra as incoerências e paradoxos da nossa sociedade é a inversão de valores com relação ao cigarro e a pornografia. Vamos voltar ao exemplo de Betty em 1958 e sua neta Jennifer em 2014.
Betty, como seu marido e muitas das suas amigas, fuma. E fuma no quarto das crianças, no restaurante, no carro e em qualquer lugar. Não é um assunto que dá importância. Já ouviu falar que o tabaco pode fazer mal a saúde, mas todos estão por aí fumando e vivendo. E, com certeza, não é um assunto de cunho moral, apenas de gosto pessoal. Por outro lado, Betty sabe que está no mercado uma nova revista, a Playboy, e lamenta profundamente. Ela considera isso moralmente errado e pensa que a sociedade e as autoridades deveriam tomar uma atitude a respeito. Jamais consentiria ver imagens desse tipo e sente inclusive asco e desgosto pelo tema.
Jennifer é radicalmente contra o tabaco. A mera ideia de que alguém fume a deixa irritada. Acredita que isso é moralmente errado e gostaria que a sociedade e as autoridades banissem o fumo de qualquer lugar. Já com relação à pornografia, pensa que isso é um assunto de pouca importância, sempre que seja uma escolha livre feita por adultos conscientes. Algumas vezes se sente incomodada, mas quando seu namorado a convida a ver juntos um filme pornográfico não vê muito problema.
Novamente há uma inversão completa de valores. Fumar era bonito e hoje é feio. Já a pornografia, quando chamada de sensualidade, é algo muito positivo e bonito. O status moral foi completamente invertido.
Durante muitos anos, apesar dos exaustivos estudos, a indústria tabagista se negou a aceitar qualquer relação entre fumo e câncer. Hoje a indústria da pornografia, que rende bilhões anualmente, nega os muitos estudos existentes sobre o impacto nocivo do seu produto.
Muitos gostariam de comer de tudo e ser saudáveis, ter um bom emprego e não precisar estudar, comprar tudo e ter as finanças em dia. Quando encontramos pessoas que agem assim dizemos que são insensatas. Mas quando o assunto é família, sentimentos e comportamento sexual, negamos veementemente a insensatez a despeito da experiência acumulada nestes mais de 40 anos.
Maurício Perez in correiochegou.blogspot.pt
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