segunda-feira, 25 de julho de 2016

Nova entrevista ao secretário do Papa Bento, Mons. Gänswein

Como está o Papa Bento?

Já não é mais Papa, mas Emérito. Fez em Abril 89 anos e celebrou há pouco tempo os seus 65 anos de jubileu sacerdotal. Por isso houve aqui uma pequena festa com o Papa Francisco, alguns cardeais e convidados. A cabeça está clara, lúcida, em ordem. As pernas tornaram-se mais cansadas. Acima de tudo custa-lhe andar a pé. Com o andarilho consegue, porque lhe dá estabilidade e segurança. A parte psicológica é tão importante como a fisiológica. Mas as forças simplesmente vão-se esbatendo. Um Papa emérito é também uma pessoa, que sucumbe às leis da natureza.

Como é o seu dia-a-dia?

O horário é simples. Começa com a Santa Missa cedo. Eu concelebro, de quando em vez há outros concelebrantes e convidados a assistir. Depois reza o Breviário e de seguida toma o pequeno-almoço. A manhã tem o seguinte ritmo: oração, leitura, correspondência, visitas. Depois vem o almoço, no qual também estou. A seguir damos duas ou três voltas no terraço do telhado. Segue-se o descanso do meio-dia. De tarde ele toma bastante tempo para ler e para responder a cartas; ainda recebe correio de todo o mundo. Às 19:00 vamos aos jardins do Vaticano e rezamos o Rosário, depois jantamos e vemos o noticiário italiano. Em regra ele recolhe-se de seguida e eu faço o mesmo. Os Domingos têm um correr “domingueiro”, não trabalhamos e por isso há música e actividades culturais.

O Senhor é o intermediário entre o Papa em funções, Francisco, e Bento. Disse pouco depois da eleição do novo Papa que entre as visões teológicas de Bento e Francisco não cabe uma folha de papel. Quer confirmar essa declaração passados estes anos?

Já me recoloquei a mim próprio essa questão; e digo que sim tendo em conta tudo o que vejo, ouço e me apercebo. A respeito das linhas fundamentais das suas crenças teológicas existe uma continuidade. Naturalmente que eu sei que pelas formas diferentes de exposição e formulação, pode haver diferentes resultados. Por isso quando um Papa quer alterar algo na Doutrina, deve dizê-lo claramente, para que isso se torne vinculativo. Importantes interpretações doutrinárias não se alteram mediante meias-frases ou notas de rodapé formuladas em aberto. A metodologia da Teologia tem os seus critérios claros. Uma regra que à primeira vista não é clara não pode ser vinculativa. O mesmo vale para a Teologia. As afirmações doutrinais devem ser claras para que sejam vinculativas. Declarações que permitem diferentes interpretações são uma coisa arriscada.

Não é também uma questão de mentalidade? O Papa vem de Buenos Aires. Os Argentinos têm um humor particular.

Naturalmente que a mentalidade desempenha um papel. O Papa Francisco é marcado pela experiência como provincial dos Jesuítas e como Arcebispo de Buenos Aires num tempo em que o desenvolvimento económico da sua terra ia mal. Esta Metrópole tornou-se o lugar de dissabores e alegrias. E nessa grande cidade e mega-diocese compreende-se que Ele se tenha convencido de que havia que levar as coisas até ao fim. Isso mantém-se como bispo de Roma, como Papa. Deve aceitar-se que, em comparação com os seus antecessores, o seu discurso seja por vezes impreciso, ou até coloquial (NT: a tradução literal pode ser “pateta”, “incauto” ou “coloquial”). Cada Papa tem o seu estilo pessoal. É a sua forma de falar que representa um perigo de causar mal-entendidos, e por vezes há interpretações aventurosas. Para o futuro era melhor que Ele não misturasse os assuntos.

Há uma ruptura entre os cardeais dos diferentes continentes, que vêem e entendem o Papa de maneria diferente?

Antes do Sínodo dos Bispos, em Outubro passado, havia um discurso de uma atmosfera pró e contra o Papa Francisco. Não sei se este cenário se traduziu pelo mundo. Gostaria de me resguardar de falar de uma divisão geográfica dos que são pró e contra. A verdade é que em determinadas questões o episcopado africano falou muito claramente. O episcopado, e também conferências episcopais, e não apenas bispos individuais. Não foi o que aconteceu quanto à Europa e à Ásia. Contudo não penso muito nesta Teoria da Ruptura. Por causa da verdade é preciso acrescentar que alguns bispos estavam verdadeiramente preocupados que o edifício da Doutrina sofresse estragos por falta de um discurso claro.

Tem-se por vezes a impressão de que os católicos conservadores, que no pontificado do Papa Bento XVI exigiram fidelidade ao Papa da parte dos seus irmãos e irmãs progressistas, têm agora um problema em serem fieis a Francisco. Isto é assim?

A crença de que o Papa é sólido como uma rocha e vale como última âncora tem de facto diminuído. Se esta percepção corresponde à realidade e dá a verdadeira imagem do Papa Francisco, ou se é uma representação dos media, não o posso julgar. Incertezas, confusões ocasionais e uma desordem certamente cresceram. O Papa Bento XVI, pouco antes da sua resignação, falou, em vista do Concílio Vaticano, de um autêntico “Concílio dos Padres” e de um virtual “Concílio dos Media”. Talvez o mesmo se possa dizer sobre o Papa Francisco. Há uma divisão entre a realidade dos media e a realidade de facto.

Por outro lado, o Papa Francisco é bem-sucedido em trazer as pessoas para a Igreja Católica.

O Papa Francisco pode ter de facto a atenção do público sobre si. E isso cresce, cresce para além da Igreja. Talvez mais fora da Igreja Católica do que dentro. A atenção que o mundo não-católico, também na Alemanha, dá ao Papa, é consideravelmente superior à que era dada aos seus antecessores. Naturalmente isso relaciona-se com o seu estilo pouco convencional, e também porque cativa os media com a sua simpatia e gestos inesperados. Uma comunicação positiva desempenha um papel importante para a percepção das pessoas.

Há uma viragem no tempo para a Igreja por causa de Francisco? Ruma-se numa direcção diferente?

Quando se olha para a sua vida de clérigo, o que Ele prega, exige e anuncia, reconhece-se nele um Jesuíta clássico da velha escola inaciana, e isso no melhor sentido das palavras. Se este homem provocou uma mudança foi em fazer afirmações claras sem consideração pelo politicamente correcto. Isso é libertador, é bom e necessário. Esta postura corajosa é bem recebida; as pessoas recompensam-no com simpatia e até entusiasmo. Talvez por causa disso se possa falar factualmente de uma partida, de uma viragem no tempo. Um bispo falava do “Efeito-Francisco” poucos meses depois da sua eleição e ainda acrescentava de peito cheio que ainda era belo ser católico. O público percebe que há uma rajada de vento nas crenças e na Igreja. Será verdade? Não deveria a vivência católica ser viva, assistir-se a uma melhor participação na Missa, a um aumento das vocações sacerdotais e à vida religiosa, e ao regresso das pessoas que abandonaram a Igreja? O que significa em concreto o “Efeito-Francisco” para a vida da fé da nossa pátria [NT: Alemanha]? De fora não reconheço qualquer mudança.

A minha opinião é a de que o Papa Francisco, enquanto pessoa, goza de grande simpatia, mais do que qualquer outro líder mundial. Quanto à vida da fé, e à própria identidade religiosa, não tem quase nenhuma influência. Os dados estatísticos não mentem e mostram que a minha opinião é certa.

(...) [salto discussão sobre o imposto pago à Igreja na Alemanha]

Temos a frase do Papa Bento, de que a Igreja deve abdicar dos seus bens, para prosseguir o bem.

Quando os bens se opõem ao bem, que é a fé, então só há uma possibilidade: devemos livrar-nos deles. Com os cofres cheios e as igrejas vazias, as coisas não podem correr bem. Com os cofres a encher e as igrejas a esvaziar cada vez mais, chegará o dia em que tudo implodirá. Uma igreja vazia não pode ser completa. Quem beneficia quando uma diocese é muito rica mas a fé se abunda cada vez mais? Estamos assim tão secularizados que a fé quase não tenha nenhum papel a não ser o de se tornar um peso morto? Os pesos mortos deitam-se fora quando não se precisa mais deles. Não estamos mais numa posição de anunciar a fé de forma a que as pessoas a encarem como algo magnífico, belo, que enriquece e aprofunda a nossa vida?

(...)

[NT: a respeito de uma possível escolha como bispo para uma diocese alemã] O senhor tem uma imagem muito positiva entre os leigos alemães. É popular. Livrou-se da etiqueta de “George Clooney do Vaticano” nos media.

Isso não me beneficiou, acima de tudo; pelo contrário, o “establishment” eclesiástico tem uma imagem negativa de mim. Não pertenço aos preferidos.

Ainda tem tempo para hobbies?

Reservo sempre algum tempo para as montanhas. Tenho de sair uma vez por mês. Vou com alguns colegas para os Abruzos. Há três anos que me obrigo a pegar na raquete de ténis. Até agora sem sucesso. Leio demasiado pouco, ouço muito pouca música. Quando é possível vou a pé para o trabalho. As montanhas são uma purificação externa e interna.


(Tradução: Senza Pagare)


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2 comentários:

Anónimo disse...

Discordo de que o discurso do Papa seja “imprudentemente” impreciso, muito menos coloquial ( “pateta”, “incauto”??), bem pelo contrário, a sua forma de discurso é extremamente dirigida por metas muito específicas. Os mal-entendidos que o seu discurso possa causar, não são de forma nenhuma incómodos, estou crente que no seu estilo como é dito, o Papa segue a rigor o que lhe é solicitado pelo seu pontificado. Li com algum incómodo a citação “Para o futuro era melhor que Ele não misturasse os assuntos”, não apenas pelo que defende, mas pela postura que parece estar subjacente.
Parece-me que a solidez do Papa não é, nem deve ser certamente expressa tanto pelas flutuações exteriores de aprovação ou desaprovação, de maior ou menor número de afluências à igreja, mas é aferida por indicadores menos perceptíveis e nesse sentido não se pode negar que ele não seja sólido, ainda que muitos o possam negar. Estamos numa época de incertezas, de confusões e desordens mundiais, o Papa segue apenas o seu caminho muito próprio…
O Papa Francisco tem tido sim, a atenção do público sobre si, e sim, manifesta-se muito fora da Igreja católica felizmente, também se manifesta dentro, porque a ver (também) pelas estatísticas dificilmente na actualidade podemos precisar quem está dentro e quem está fora da igreja católica. E mais do que o seu estilo pouco convencional marcado pela experiência como provincial dos Jesuítas e como Arcebispo, a época marca-o a ele, uma vez que o seu estilo é absolutamente necessário no hoje, e é o que satisfaz a época actual, muito além de impactos sobre a comunicação e desta sobre as pessoas. Ele prepara-nos para a mudança(s), ele é o Bom Pastor, ele não considera o politicamente correto, mas o divinamente correto, por isso podemos dizer que está politicamente correctíssimo.

Anónimo disse...

Nunca sabemos verdadeiramente quem, nem quando vai colher o que semeamos... já não nos cabe a intervenção do sol e da chuvas e da temperatura... e assim é que deve ser. Quando tentamos avaliar só já estamos a olhar para nós e não para Deus, mas quando tentamos fazê-lo com o cultivo dos outros parece pior ainda...