segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Correcção filial ao Pe. Gonçalo Portocarrero

Como declaração de interesses começamos por dizer que o Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada é alguém por quem nutrimos uma grande amizade e admiração, pelo que tem escrito desde há longos anos, de tal maneira que já publicámos neste blogue quase uma centena de textos da sua autoria.

O Pe. Gonçalo Portocarrero escreveu um texto intitulado «Os católicos ‘protestantes’» no qual tece várias críticas aos autores da Correcção Filial ao Papa Francisco. O texto foi bastante difundido nas redes sociais, até por quem menos se esperava. Vivemos de facto tempos curiosos. Pessoas que durante décadas se referiam ao Opus Dei de modo violento, sempre recorrendo a adjectivos agressivos e injustos (mostrando total desconhecimento da Obra), partilham agora com todo o vigor um texto de um sacerdote numerário do Opus Dei. É uma situação análoga à dos que sempre atacaram a doutrina católica e os pronunciamentos infalíveis do Papa (como por exemplo a encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI) e agora envolvem numa aura de infalibilidade qualquer coisa que diga ou faça o Papa Francisco. É o chamado passar dos 8 para os 80.

O Pe. Gonçalo começa por defender que os autores da Correcção, quando escrevem "propagação de heresias produzida pela Exortação Apostólica Amoris Laetita", acusam directamente o Papa Francisco de heresia. Isto porque é impossível que uma heresia provenha de um texto que não seja explicitamente herético (negue uma verdade de fé que deve ser crida). Mas isto não é verdade. Se um texto for dúbio – tiver mais do que uma interpretação possível – pode propagar uma heresia (um erro) sem que o erro se encontre no texto. Por isso mesmo quem tem na Igreja o dever de ensinar sempre se esforçou para que os seus pronunciamentos, especialmente os que versam verdades tão importantes, fossem o mais claros possível, de modo que só pudessem ser interpretados do modo correcto. Não é isso que se passa com a Amoris Laetitia, que deixa espaço para diferentes interpretações. Daí a propagação de heresias proveniente do texto.  

O Pe. Gonçalo avança depois para a afirmação que nenhum Papa pode ser deposto. Porém, não existe uma única linha na Correcção que verse a possibilidade de depor um Papa ou sobre a deposição do Papa Francisco (basta procurar no documento palavras como “destituir” ou “deposto” e ver que o resultado é zero). Essa intenção não está material nem formalmente expressa no documento, pelo que não se entende esta deriva no texto do Pe. Gonçalo. 

De seguida o Pe. Gonçalo invoca o cân. 1404, que diz que a primeira Sé (isto é o Papa) não pode ser julgada por nenhuma autoridade humana. Mas os autores da Correcção Filial não têm como objectivo a instauração de um processo canónico contra o Papa. Não o querem julgar num tribunal, mas tão só que corrija de algum modo a sua conduta de forma que as heresias e a confusão que vagueiam livremente dentro da Igreja hoje em dia deixem de existir. Canonicamente um Papa é inatacável mas moralmente não. Ao longo dos séculos existiram Papas com condutas morais no mínimo duvidosas e nem a Igreja nem o Papado acabaram por causa disso. E seria absurdo vir justificar aquelas práticas pelo simples facto de terem sido feitas por um Papa. É querer a quadratura do círculo.

De seguida encontra-se a frase mais infeliz de todo o texto, que passamos a citar: 

«Como não há qualquer hipótese legal de destituir o Papa Francisco, os subscritores desta carta apelam à “dúvida” quanto à “validade da renúncia do papa emérito Bento XVI ao papado”.» 

Em primeiro lugar, como já dissemos, os subscritores não querem, com este documento, destituir o Papa Francisco. Em segundo lugar, os subscritores não fizeram esta iniciativa por via jurídica mas por via filial, endereçada directamente ao Papa e não a qualquer tribunal. Em terceiro lugar, os subscritores não apelam à dúvida quanto à validade da renúncia do Papa Bento. Isto é mentira! O documento apenas constata o facto de, perante a confusão instalada, algumas pessoas porem em causa a validade dessa renúncia. Mas não a advoga como sendo provável. Na verdade, os autores expressaram a sua preocupação por essa ideia, rejeitando-a implícita e explicitamente ao referir-se, por diversas vezes ao longo do texto, inclusive nesse parágrafo, ao Papa Francisco como Sua Santidade. De mais a mais, no parágrafo seguinte àquele em que falam da renúncia de Bento XVI, os subscritores afirmam, sem margem para dúvidas, o seu distanciamento em relação à possibilidade do Papa Francisco não ser Papa:

“Acreditamos, porém, que Sua Santidade possui o carisma da infalibilidade e o direito à jurisdição universal sobre os fiéis a Cristo, no sentido definido pela Igreja.”

Sendo isto tão claro parece-nos inconcebível como é que o Pe. Gonçalo faz uma leitura completamente contrária ao que está escrito? É-nos francamente difícil entender como pôde isto acontecer.
  
Diz depois o Pe. Gonçalo que os autores da Correcção se esqueceram que a Amoris Laetitia «não pretende ser um texto dogmático, nem normativo, mas pastoral e, por isso, a sua exegese deve ser feita em sintonia com o magistério e a tradição da Igreja e não contradizendo-os.» A questão que se coloca é: Pode um texto pastoral apresentar contradições em relação à doutrina? Pode um texto pastoral deixar em aberto possíveis interpretações contra o que o Magistério sempre ensinou e contra a praxis seguida na pastoral da Igreja ao longo de 2000 anos?

Usando a Amoris Laetitia como fonte de autoridade existem hoje em dia conferências episcopais inteiras que defendem publicamente, e na prática, disciplinas contrárias ao que a Igreja sempre defendeu e condenadas explicitamente, ainda há poucos anos, em documentos do Papa João Paulo II e do Papa Bento XVI. Como constatou o Cardeal Caffarra na carta que escreveu ao Papa Francisco em Abril deste ano: “O que é pecado na Polónia é bom na Alemanha, o que é proibido na Arquidiocese de Filadélfia é lícito em Malta.” Poderíamos ainda acrescentar que existem diferentes doutrinas dentro de outras conferências episcopais: por ex. em Roma, diocese do Papa, a interpretação que se encontra no site do Vicariato de Roma é de mudança depois da Amoris Laetitia, enquanto que em Florença a interpretação é a de que nada mudou. Quem tem razão afinal? Um acto que sempre foi considerado intrinsecamente mau depende agora da geografia? Pode ser pecado aqui mas já não ser acolá? Onde está a unidade da fé que é a causa da unidade da Igreja? 

O Pe. Gonçalo explica depois, dando o exemplo da samaritana junto ao poço e dos seus 5 maridos, que também no Evangelho existem “expressões que não são susceptíveis de uma exegese literal”. Tem toda a razão. Por isso mesmo a Igreja sempre disse que deveria ser o Magistério a explicar o sentido das Sagradas Escrituras e não cada um por si, como fazem os protestantes. Foi para evitar o problema de “cada cabeça sua sentença” que a Igreja sempre esclareceu o significado das Escrituras e sempre o fez de maneira clara, sem margem para dúvidas de fé e moral.  

Segue depois o Pe. Gonçalo para o exemplo de São João que apesar de ter sido o primeiro a chegar ao sepulcro vazio esperou por São Pedro para entrar, confirmando a autoridade deste em relação aos Apóstolos, mesmo tendo negado Jesus 3 vezes. Mais uma vez tem razão. Mas ocorre dizer que Pedro se arrependeu dessa negação cobarde chorando amargamente (Lc 22, 62) e, mais tarde, corrigiu a sua tríplice negação com uma tríplice confissão da fé, diante do Divino Mestre (Jo 21, 15-17).

Os autores da Correcção Filial não se consideram uma autoridade acima do Papa, antes têm a perfeita noção que é o Papa que tem a jurisdição sobre eles e sobre toda a Igreja. Por isso mesmo dirigem-se ao Santo Padre enquanto filhos e reconhecendo a sua autoridade, como está bem explícito no documento. E se o que escrevem tem alguma autoridade é a autoridade que vem da Revelação de Deus e de 2000 anos de Magistério ininterrupto da Igreja em relação à doutrina do matrimónio e às condições necessárias para receber os sacramentos. 

Não existe qualquer infidelidade ao Papa nesta iniciativa, existe exactamente o contrário: uma fidelidade acompanhada duma preocupação pela salvação das almas. Infidelidade ao Papa, e a Nosso Senhor, seria enfiar a cabeça na areia sem se preocupar com a confusão reinante neste momento na nossa querida Igreja. 

O Pe. Gonçalo tem uma boa intenção aparente: defender o Papa. Mas o que faz na prática é colocar o Papa num pedestal juntando-lhe super-poderes de infalibilidade em tudo o que diz e faz. Isto não é doutrina católica, é uma papolatria que deturpa o que a Igreja Católica sempre disse sobre o papado. O Papa é infalível em certos pronunciamentos e em determinadas situações, não é infalível em toda a sua conduta. O Papa Paulo IV explica isso de forma bastante clara na Bula ‘Cum ex apostolatus officio’:

“O Romano Pontífice, que é o representante na terra do nosso Deus e Senhor Jesus Cristo, que detém a totalidade do poder sobre povos e reinos, que pode a todos julgar e por nenhum ser julgado neste mundo, pode, no entanto, ser contradito, se se verificar que se desviou da fé."

O mesmo clarifica o insuspeito Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI): 

“Doutra parte, é possível e até necessário criticar os pronunciamentos do Papa, se não estiverem suficientemente baseados na Escritura e no Credo, ou seja, na fé da Igreja universal. Onde não houver nem a unanimidade da Igreja universal, nem o claro testemunho das fontes, não pode também haver uma definição que obrigue a crer. Faltando as condições, poder-se-á também suspeitar da legitimidade [de um pronunciamento papal].” (Das Neue Volk Gottes - Enwürfe zur Ekkleseologie, Düsseldorf: Patmos-Verlag, 1969, trad. por Clemente Raphael Mahl: O Novo Povo de Deus , São Paulo: Paulinas, 1974, p. 140)

São Paulo corrigiu São Pedro:

“Mas, quando Cefas (Pedro) veio para Antioquia, opus-me frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável.” (Gal 2, 11)

São Paulo, que era apenas um Bispo, corrigiu o Papa. São Tomás de Aquino resolve esta questão em Summa Theologiae, IIa, IIae, Q. 33, A.4. Será que Paulo julgou Pedro? Não. "Prima sedes a nemine iudicatur." Paulo corrigiu Pedro filialmente, tal como o Cardeal Jacques Fournier e outros bons homens fizeram ao Papa João XXII, que, felizmente, no seu leito de morte se retractou e converteu.

Santa Catarina de Sena, doutora da Igreja, corrigiu o Papa exortando-o com bastante veemência para que deixasse Avinhão e voltasse para Roma.

Durante o cisma do Ocidente (1378-1417) quando existiam dois Papas (na prática só um podia ser legítimo) reclamando ambos o título de Sucessor de Pedro havia santos a apoiar cada um deles. Como é possível que um santo tenha estado contra e em desobediência ao Papa verdadeiro?

A história da Igreja ajuda a desmontar o romance e a utopia que envolvem hoje em dia o papado, transformando o Papa no que não é nem pode ser. A constituição dogmática Pastor Aeternus, sobre o primado e infalibilidade do Papa, promulgada pelo Concílio Vaticano I ajuda a perceber melhor e a purificar-nos destas ideias de infalibilidade absoluta do Papa em tudo o que diz e faz, que são um absurdo olhando para o passado e um perigo para o futuro se forem tidas como verdadeiras.

O Santo Padre é o garante da unidade da Igreja porque é seu dever confirmar os seus irmãos na fé. A unidade da Igreja é a unidade da fé. A obediência ao Papa é obrigatória sempre que essa obediência não implique uma desobediência aos mandamentos de Deus. A figura do Sucessor de Pedro é tão importante para a Igreja que qualquer crítica que seja feita ao seu governo deve ser justificada por motivos gravíssimos e feita com o maior respeito possível. Quer-nos parecer que a Correcção Filial goza desses dois pressupostos.

O Pe. Gonçalo é um homem inteligentíssimo, brilhante jurista, grande orador e escreve muitíssimo bem. Custa-nos que tenha perdido esta oportunidade para fazer uma crítica ao documento em questão, especialmente nas partes em que o mesmo pudesse ter-se afastado da doutrina católica. Poderia também ter demonstrado que de facto aquelas 7 heresias não são hoje ditas abertamente por vários membros da hierarquia da Igreja com o silêncio conivente da Santa Sé. Se o tivesse feito esta iniciativa teria perdido todo o seu sentido. Infelizmente o Pe. Gonçalo desperdiçou energias com investidas contra o que o documento não diz, nem quer dizer (a célebre falácia do espantalho) e a defender o Papa de ataques que não lhe foram de modo algum dirigidos. Agindo deste modo não prestou um bom serviço à verdade nem à salvação das almas.

Rezemos pelo Papa Francisco e pela unidade da Igreja em torno das verdades reveladas por Deus, que são imutáveis, tal como nos garantiu Nosso Senhor: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão-de passar.” (Mt 24, 35)

João Silveira
Pedro Froes


blogger

16 comentários:

margarida disse...

Parece-me que os cardeais e os subscritores da carta deveriam falar em privado com o Papa.

Junto video curto de um teólogo
Padre Fortea: ¿Se puede corregir publicamente al Papa?

https://www.youtube.com/watch?v=cNz4FDRH4EY

Margarida Jorge

Anónimo disse...

Senza Pagare sejam prudentes!

"Mas se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em Mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar" (Mt 18,6).


De alguém que vos ama

João de Castro Pernas disse...
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João de Castro Pernas disse...

Apaguei o meu comentário anterior por estar com um parágrafo de tal maneira escrito que quando o reli nem eu próprio percebi o que escrevi. Vou tentar reescrever mas de maneira a que se perceba.

Caros João e Pedro,

Ao ler o artigo do Padre Gonçalo fiquei triste. Não estava à espera que escrevesse o que escreveu, parecia que não tinha lido a mesma 'súplica filial' que eu próprio tinha lido pouco tempo antes.

Este vosso artigo aponta todos os erros que tinha encontrado e outros mais, conseguindo contrapor com passagens da Sagrada Escritura, do Magistério e da Tradição da Igreja, aquilo que vos (ou talvez possa escrever 'nos') fazem discordar com o que Padre Gonçalo escreveu no tal artigo.

Por esse motivo agradeço-vos muito.

Peço-vos que em cada dia defendam A Verdade, Verdade essa que é Cristo e Cristo Ressuscitado.

Um abraço,
João de Castro Pernas

Maria de Fátima disse...

Mas a correcção não devia ser "a sós"; i.e. em privado, como Jesus mandou?

Anónimo disse...

Tanto a correção filial quanto as Dubias foram feitas primeiramente em privado, e só após não obterem resposta é que vieram a público.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Prata disse...

Boas,

Um texto muito bom e lúcido, é de notar a vossa grande prudência.

Abraço,
João Prata.

Caixinha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Não sou dado a comentar nas redes sociais, mas é-me forçoso agradecer ao João Silveira e Pedro Froes por responderem de forma tão lúcida e capaz e sobretudo respeitosa ao Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada.

Nestes tempos de confusão e ansiedade, ainda assim me congratulo com o debate, mesmo se tendencioso por vezes, e só pode alegrar o coração de um católico ver que a Igreja e a defesa da sua moral ainda despertam paixões e levantam vozes, leigas sobretudo, para o bom combate.

Bem hajam pelo vosso testemunho e já agora parabéns pelo Senza Pagare.

Rui Godinho

Caixinha disse...

Como não tenho prática de lides nestas coisas de blogues, primeiro publiquei sem me identificar. Apaguei e republico agora... Peço desculpa... Heduíno Gomes heduinogomes@gmail.com

As críticas aqui feitas a este texto não são críticas... São meros comentários abstractos que, em vez de criticarem cada ponto de que discordem, se limitam a comentários «morais» e paternalistas, a julgamentos de quem, em vez de procurar a verdade, procura o alinhamento cego...
Com estas pessoas nem me interessa entrar em debate e devolvo ao remetente as suas observações bem pensantes e superiores.

Em relação ao desejo de Margarida Jorge resolver a questão no diálogo privado com Francisco, com o que, em princípio abstracto, concordo, há que considerar o seguinte quanto ao processo de crítica em curso.

1 — Certamente diligências foram feitas no sentido do diálogo em privado. Não sei dos dias e horas em que foram feitas mas se Sua Santidade é tão aberta ao diálogo, certamente há-de ter ouvido muitas observações críticas. Se a elas não atendeu é porque não as considera pertinentes.

2 — Os subscritores de já muitos documentos críticos não são propriamente pessoas irresponsáveis para trazer para fora o que deveria ser discutido dentro — e aí concordo com o seu desejo de princípio.

3 — Mas para haver viabilidade de discussão interna é preciso que haja abertura à correcção da parte de quem comete erros. Se não há abertura, se tudo são certezas — ou incertezas, pelos vistos... —, se as coisas se resumem à autoridade canónica mesmo que em contradição com a doutrina, que fazer?

4 — E isto conduz-nos inevitavelmente à substância das críticas à Amoris Laetitia. Seria interessante ouvir aqueles que a defendem como dogma — que não é — defenderem-na ponto por ponto. Aí, sim, era de crentes a utilizar a razão.

5 —Aliás, eu até considero as críticas que cardeais, bispos, padres e leigos, como agora o João Silveira e o Pedro Froes, têm feito à Amoris Laetitia muito — para não dizer demasiado — pontuais. Não erradas mas pontuais. É que eu acho o conteúdo de Amoris Laetitia consentâneo com outras das posições de Francisco, tudo se integrando num perigoso quadro geral. Digamos que, para mim, a Amoris Laetitia não é um deslize de Sua Santidade mas uma peça do quadro geral em que a publicação deste documento, que retrata o seu pensamento, constitui uma ofensiva estratégica. Estarei errado? Deus queira!


margarida disse...

Numa família que se ama, quando há divergências resolve-se em privado. Não se publica num jornal...

Recordo São José quando pensava que Nossa Senhora o tinha traído resolveu repudiá-la em segredo.

Os textos da Bíblia em que se diz que São Paulo corrigiu São Pedro foi numa comunidade pequena. Não foi no mundo pagão inteiro.

Por outro lado a exortação é magistério. E Jesus deu o poder a São Pedro quando lhe deu o chamado poder das chaves “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu” Mt. 18, 18

A obediência é um dos conselhos evangélicos seguido em qualquer ordem religiosa. A obediência é um dos critérios mais seguros para ver se alguma aparição é falsa ou verdadeira. Se por exemplo um vidente não obedece ao Papa ou mesmo a um Padre seu director espiritual, a dita aparição dificilmente será verdadeira.

Convém recordar que o pecado original entrou com a desobediência e lucífer também se afastou de Deus por um pecado de desobediência e orgulho. Não foi um pecado sexual a causa de rebelião e afastamento de Deus.

Porque é que o demónio odeia tanto a Virgem Maria, porque é a mais humilde!

Assim, como católica sinto-me envergonhada e muito triste por estes cardeais não falarem em privado com o Papa. Que enviem cartas e pressionem em privado de outras formas será o seu dever e direito. Fora disso parece-me uma clara rebelião

Trata-se do nosso Pai espiritual, o Vigário de Cristo, a quem Jesus deu o poder das chaves Assim parece-me muito mais grave esta atitude dos subscritores da carta do que o silêncio do Papa. O silêncio é já uma resposta.

Porque é que Pai e Mãe não devem desautoriza-se e discutir à frente dos filhos? Porque criam insegurança; os filhos começam a pensar que já não têm ninguém que os guie com segurança e fazem o que lhes dá maior gosto.

Na Igreja Jesus foi muito claro em dar o poder a Pedro. Assim desobedecer ou pôr em causa a autoridade do Papa é desobedecer a Deus. É algo muito grave.

Por algum motivo a obediência é um dos conselhos evangélicos seguido nas ordens religiosas. Não podemos esquecer que o pecado original foi um pecado de desobediência e o pecado de lucífer foi também um pecado de desobediência e orgulho: ele não queria ter que se curvar perante um ser humano; não queria que a encarnação acontecesse em Maria, um ser humanos porque se considerava superior à humanidade. O pecado original e o pecado do demónio não foi um pecado sexual, mas de orgulho; foi um pecado de desobediência.

Em relação à questão da Amoris Laetitia o Papa quis dar-lhe a dignidade de exortação e não de encíclica. Assim, necessariamente as encíclicas como a Humanae Vitae e Familiaris Consortio têm um grau superior à exortação que se terá de submeter a estas.

Pessoalmente também tive dificuldade em aceitar e integrar estas alterações. Mas depois de meditar e ouvir opiniões de teólogos como o Padre Fortea tudo ficou mais claro.

Assim o que está escrito no catecismo e na encíclica veritatis eeplendor continua válido. Se alguém tem relações sexuais fora do casamento está em pecado mortal e não pode comungar.
A moral é esta e não foi alterada. Aliás o Cardeal Muler, perfeito para a doutrina da fé veio esclarecer isto em público depois das Dubia. Assim, se em Malta ou na Alemanha vêm do púlpito dizer que os casais em segunda união podem comungar, estão a desobedecer claramente ao Papa. Desobediência sempre houve.

Convém não esquecer que para existir pecado mortal são necessárias três condições que na maior parte das vezes não estão reunidas:

plena consciência
plena liberdade
pleno consentimento

Acontece que no mundo descristianizado em que nos encontramos estas condições na maior

margarida disse...


No século XVIII as pessoas casavam e ponto. Agora com a mentalidade do descartável isto raramente existe
Agora é possível obter a nulidade de casamento por imaturidade afetiva, por exemplo (cânone 1095nº2 do Código de Direito Canónico). Nestes casos já podem aproximar-se dos sacramentos ao casarem em 2ª união canónica. Mesmo que existam filhos da primeira união

Nos casos em que a nulidade não seja declarada as pessoas que contraírem 2ª união são autorizadas pela FC a aproximarem-se dos sacramentos se não mantiverem relacionamento sexual, mas podem conviver na mesma casa e agir em tudo como marido e mulher. Nestes casos segundo a minha opinião já existe uma grande afastamento, ou melhor, uma grande misericórdia do que estava escrito no Evangelho. Mas sei que Jesus permite estas normas "por causa da dureza do vosso coração". Estamos num tempo de misericórdia.

Estamos num mundo descristianizado. São raríssimos os casos de cristãos que vivem a moral do 6º mandamento como a castidade pré-matrimonial e os métodos de planeamento familiar natural e continuam a comungar... É urgente ensinar formas de viver a castidade para criar casamentos sustentáveis, fieis e felizes. Mais importante do que pôr o Papa em causa seria preparar os jovens para um casamento cristão.

Famílias desfeitas com mais facilidade geram filhos com dificuldade em obedecer e amar. O casamento é uma escola de amor. Se os filhos vêm os pais em guerra ao ponto de separarem mais dificilmente aprendem a heroicidade e gratuitidade do amor.

Parece-me que estamos numa época semelhante à queda do Império Romano. O pecado está de tal maneira instalado que poderá aproximar-se uma grande purificação como afirma o Padre Fortea.

Anónimo disse...

Cara D. Margarida,

Agradecendo os seus esclarecimentos, apesar de nada concordar com eles, ajude-me(e a outros) a compreender:

porque é que em Malta e na Alemanha, de acordo com a sua opinião, se desobedece ao Papa, mas na Argentina a leitura da AL que a D. Margarida considera "desobedecer claramente", é a única possível, ou, nas palavras do Papa Francisco "Não há outra interpretação"?

Somos uma família, estamos de acordo. Mas concorda com uma família, e com um pai, que não esclarece todos os seus filhos da mesma maneira? Concorda com um irmão que não alerta os seus irmãos das dúvidas que quer esclarecer e apela para a sabedoria pai?

Não há aqui nenhuma rebelião, mas um profundo amor pela Igreja.
Não há aqui arrogância nenhuma, mas a humildade de assumir um papel difícil.

De novo o meu bem haja aos autores, e concordo absolutamente com o comentário que refere que nada se discute da substância do texto ou do problema em causa.

E é triste.

Porque podem uns querer convencer-se das torrentes de convertidos a atropelarem-se para entrar nas igrejas por causa da AL, que a realidade são os crentes de fé simples nos bancos das igrejas confusos no seu íntimo com a situação, e infelizmente atormentados por uma postura rigorista que lhe impõe, antes de abrirem a boca, que estão a atacar a unidade da Igreja.

Rui Godinho

Martius disse...

O escândalo a que se refere o Santo Evangelho é o escândalo moral, que mais não é do que criar a situação que põe o outro na circunstância que o leva ao pecado.Diz o moralista Pe. Torre del Greco que "o escândalo é uma palavra, ação ou omissão que constitui para o outro ocasião de pecado". Ora, não vejo como este artigo poderá correr esse risco. Mas vejo que corre esse risco quem tem insistentemente vindo a público negar a doutrina católica. Porque está bem de ver que se um fiel ouve um sacerdote dizer que uma coisa não é pecado quando de facto é, este último coloca o primeiro numa situação em que pode ter a tentação de pensar que não faz mal pecar sobre a matéria em causa. Outro tipo de escândalo também não me parece que haja. Os fiéis têm a obrigação moral de, cumpridos os cuidados de caridade, corrigir publicamente quem anuncia publicamente um erro em relação à fé e à moral. Se for sacerdote a responsabilidade é maior porque as consequências podem ser mais graves.