quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

O Papa Francisco não casou ninguém

A notícia do dia é: "Papa Francisco casa dois assistentes de bordo durante um vôo". Qual é o problema com este título? É que o Papa Francisco, mesmo sendo Papa, não pode casar ninguém.

Chama-se ministro de qualquer um dos 7 sacramentos a quem administra o sacramento, quem faz com que o sacramento se realize de facto. O sacerdote é o ministro da Eucaristia, é ele que faz com que aqueles gestos e palavras sejam realmente uma Missa: que seja renovado o Sacrifício da Cruz, e que o pão e o vinho se transubstanciem em Corpo e Sangue de Cristo. Quem não tiver sido ordenado sacerdote pode fazer exactamente os mesmos gestos e dizer as mesmas palavras que diz o sacerdote mas não existirá Missa nem Corpo de Cristo; antes será uma simulação de sacramento, um delito gravíssimo que implica a excomunhão latae sententiae.

No sacramento do matrimónio o ministro não é o sacerdote, nem o bispo, nem o Papa mas sim os esposos, como explica o Catecismo da Igreja Católica:

«1623. Segundo a tradição latina, são os esposos quem, como ministros da graça de Cristo, mutuamente se conferem o sacramento do Matrimónio, ao exprimirem, perante a Igreja, o seu consentimento. Nas tradições das Igrejas orientais, os sacerdotes que oficiam – Bispos ou presbíteros – são testemunhas do mútuo consentimento manifestado pelos esposos, mas a sua bênção também é necessária para a validade do sacramento.»

São os esposos que se casam um ao outro. Dizer que o Papa casou alguém implica dizer que o Papa se casou com alguém. Isto é impossível porque o Papa tem o impedimento da Ordem (é Bispo), mesmo que tentasse casar não conseguiria. Um Bispo nunca recebe a dispensa do celibato, e mesmo que recebesse apenas poderia ser conferida pelo...Papa. Estamos perante uma impossibilidade lógica.

Então, se são os esposos que se casam por que razão está lá um sacerdote (ou neste caso o Papa)? O sacerdote é o ministro da Igreja (não do sacramento do matrimónio), é a testemunha qualificada que ali está em nome da Igreja, para pedir e receber o consentimento por parte dos noivos, como explica o Catecismo:

«1630. O sacerdote (ou o diácono), que assiste à celebração do Matrimónio, recebe o consentimento dos esposos em nome da Igreja e dá a bênção da Igreja. A presença do ministro da Igreja (bem como das testemunhas) exprime visivelmente que o Matrimónio é uma realidade eclesial.»

Resumindo: Os sacerdotes não casam ninguém, são os noivos que se casam um ao outro, são eles os ministros do sacramento do matrimónio. O sacerdote é um representante da Igreja que está ali para garantir que foi dado o consentimento e que houve mesmo casamento.

João Silveira


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4 comentários:

Eduardo Santos disse...

Caro João Silveira. Deduzo que a sua intenção era, e é, elucidar os leitores em relação ao sacramento do matrimónio. Até aqui,tudo bem. Apenas desejo fazer uma observação, ou duas. Está entranhado nos católicos a ideia de que é o padre que casa, mas há muito tempo, embora saibamos que este se limita a confirmar a vontade dos esposos. Ao escolher este título certamente que pretendeu ilustrar que o padre não casa, as pessoas vão estranhar, embora lendo o artigo suponho que compreenderão. Ao referir-se ao facto, em si, de o Papa não casar, embora esteja certo, deveria ter havido mais cuidado. As interpretações de quem lê poderão ser distintas e em vez da concordância, poderão surgir discordâncias desnecessárias. O título do artigo não é mais que um "chamariz" para o texto, tal como nós jornalistas designamos este tipo de títulos, no entanto pode ser prejudicial dado ser o Papa a ser mencionado. Creio que poderia, e deveria, ter entrado com outra linha de raciocínio, mais consentânea com a situação. Apesar disso, o texto está explicativo quanto baste, parabéns por isso. Eduardo.

Filipe d'Avillez disse...

Olá João,
O Eduardo Santos já explicou, e bem, que o objectivo de um título não é necessariamente um rigor 100% académico, científico ou, neste caso, teológico, mas ser um chamariz. Num caso como estes a notícia depois deve explicar as coisas com mais rigor.

Compreendo, por isso, teres escolhido este título para o teu blog. Contudo, ele não corresponde à verdade, ou melhor, pode não corresponder à verdade.

Como bem sabes, o Papa Francisco foi, enquanto arcebispo de Buenos Aires, ordinário para os católicos de rito oriental. Não é descabido pensar que, nessa qualidade, poderá ter presidido a um ou mais casamentos. Não tenho a certeza de que o tenha feito, a questão é que poderia tê-lo feito.

Como sabes também, nas Igrejas Católicas de Rito Oriental o ministro do casamento é, de facto, o padre/bispo ou diácono e não os noivos. É por isso perfeitamente possível que o Papa tenha casado pessoas. Não o fez enquanto Papa, porque na altura não era Papa, mas é a mesma pessoa.

O que está factualmente errado no teu texto é logo a abertura, quando dizes: "É que o Papa Francisco, mesmo sendo Papa, não pode casar ninguém". Pelo contrário. Na qualidade de Papa, Francisco é pluri-ritual, pode celebrar validamente em qualquer rito da Igreja Católica e pode, por isso, se assim entender, celebrar casamentos de acordo com os cânones e a tradição das igrejas orientais.

Logo, o Papa, precisamente por ser Papa, pode casar pessoas.

Nada disto é particularmente grave, uma vez que todos percebemos onde estás a tentar chegar. Mas não deixa de ser irónico, tendo em conta que o teu objectivo com o post é precisamente alertar para a inexactidão de um título de uma notícia.

João Silveira disse...

Caro Filipe, em primeiro lugar obrigado pelo teu comentário pertinente.

Em segundo lugar, a conclusão que tiras parte duma falsa premissa. Se leres com atenção o ponto 1623 do Catecismo da Igreja Católica (que inclui as Igrejas Orientais), e que está incluído no meu texto, percebes que o sacerdote ou bispo na Igreja oriental tem o mesmo papel do que na ocidental, isto é: testemunha do mútuo consentimento. A diferença está na necessidade da bênção dos esposos dada pelo sacerdote para que o casamento seja válido, o que não existe na tradição da Igreja latina. No entanto essa necessidade não é de direito natural mas de direito eclesiástico, e por isso mesmo pode ser dispensada ou suprida.

O matrimónio existe desde o início da Humanidade, ao contrário dos outros sacramentos. Por isso, desde sempre, quem casava eram os esposos, nunca quem assistia ao casamento, tivesse um papel mais ou menos activo na cerimónia. O instituto do matrimónio foi elevado à dignidade sacramental por Jesus Cristo, mas isso nada mudou na sua natureza, por isso quem casa continuaram a ser os esposos, e, por isso, são estes os ministros do sacramento. Isto é de lei divina, por isso não pode haver qualquer distinção entre oriente e ocidente.

A matéria e a forma essenciais do sacramento do matrimónio não podem diferir e desentranham-se apenas do contrato, que só tem duas partes, e transmitem e aceitam o corpo do outro, enquanto materia circa quam (não propriamente ex qua, porque neste sacramento só se produz o copnsentimento, não uma coisa material própria) ou o 'ius in corpus' (fala-se também da traditio do corpo como matéria e acceptatio como forma).

Logo, toda a formalidade acrescida é fruto do poder e jurisdição da Igreja, que pode juntar limitações, mas não pode mudar a essência. Dois exemplos disto são a forma canónica no Ocidente e a bênção no Oriente.

Portanto, o sacerdote (ou bispo) oriental há-de ser tão ministro como o é o ocidental, isto é, não do sacramento, mas de uma formalidade ou solenidade ou rito; podemos usar a expessão ministro mas hoc sensu e lato sensu em relação ao sacramento, ainda que ele seja ministro, mas porque ordenado, mas isso sob outro aspecto ou formalidade, mas neste caso dizer ministro equivale a mero oficiante da formalidade ou rito, que a Igreja pode impôr para a validade.

Além disso, não só a história da bênção no Oriente não é constante, como no Ocidente se dava grande importância a esta bênção, tendo-se levantado também aqui a questão relativa à relação entre bênção e à acção do "ministro ordenado".

Resumindo: Um sacerdote, Bispo ou o Papa não podem ser ministros do sacramento do matrimónio, seja onde for. São ministros da Igreja que ali estão para testemunhar de maneira qualificada a troca de consentimento entre os esposos.

João Silveira disse...

Se estiveres interessado em investigar mais sobre este assunto podes ver:

http://www.mercaba.org/.../STE/Sacram/MA/capitulo_ii.htm... (com a última nota também)

http://w2.vatican.va/.../hf_p-xii_enc_29061943_mystici... (n. 19)

http://www.obrascatolicas.com/index.php?option=com_docman... (pág. 933, por aí)

http://www.google.it/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web... (pág. 136-137)