Mandei fazer um fato de sobrecasaca, dos quatro metros de pano que alguém me ofereceu, mas logo houve de me arrepender de não ter antes feito batina, porquanto a malta dos gaiatos, nas esquinas e ruas por onde passei com o dito fato, titubeavam em acenos indecisos e duvidosos um «olha que não é ele».
Ora, eu quero ser sempre eu - eu Padre vestido de batina - em todo o tempo e lugar sem erros nem ilusões. E fui mostrar a Lisboa a mestria das tesoiras de Coimbra. Resultado? Ninguém me conheceu. Vim derreado e arrependido da minha loucura. Prometi não mais o fazer. O Padre é da batina e a batina é do Padre. Doutra forma ninguém lhe liga. Assim se deu comigo.
Por causa da minha batina, tenho sofrido as do cabo. Tenho sido apupado, escarnecido, apontado com desprezo - ui! Um homem de saias! Isto mesmo tenho ouvido eu muitas vezes, da boca daqueles por quem eu ando e padeço. Não desarmo. A batina é sinal de bênção e de maldição. Se estes me apontam com desprezo, por causa da batina, aqueles não me conhecem sem ela. Visto-a por causa de todos.
Os primeiros hão-de reconhecer o valor do homem que a veste e hão-de correr atrás dele para chorarem seus pecados de encontro à batina que odeiam. Os segundos, conhecendo-me por causa dela, correm para mim e louvam o Pai Celeste. A minha batina!
Quantos anos, e lutas e encontradelas e apertos, e desilusões e lágrimas e dores para a comprar?! Quantas?"
in 'O pai Américo era assim' - Coimbra, 1958 - Biografia do Padre Américo Monteiro de Aguiar (fundador da Obra da Rua, Casa do Gaiato)
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