segunda-feira, 20 de abril de 2020

A mão de Deus e a mão dos homens

O cenário internacional da Primavera de 2020 é novo, inesperado e dramático. O que domina é a confusão porque ninguém pode dizer que sabe realmente o que aconteceu: de onde vem o Coronavírus, quando desaparecerá e como deve ser enfrentado. É certo, porém, que, no fundo deste cenário, continuam a combater-se na história duas cidades, Civitas Dei e Civitas diabuli: o seu fim é aniquilarem-se uma à outra. São as duas cidades de que fala Santo Agostinho: «Uma é a sociedade dos homens devotos, a outra dos rebeldes, cada uma com os anjos que lhe pertencem, em que de uma parte é superior o amor a Deus e da outra o amor próprio» (De Civitate Dei, liv. XIV, c. 13, 1).     
     
Esta luta mortal foi evocada, com palavras eficazes, por Pio XII no seu discurso, de 12 de Outubro de 1952, aos homens da Acção Católica. O Papa afirmava que o mundo estava ameaçado por um inimigo muito pior do que aquele representado, no século V, por Átila, “flagelo de Deus”: 

«Ó, não Nos pergunteis qual é o “inimigo”, nem que vestes usa. Encontra-se por toda a parte e no meio de todos; sabe ser violento e subtil. Nestes últimos séculos, tentou provocar a desintegração intelectual, moral e social da unidade no misterioso organismo de Cristo. Queria a natureza sem a graça; a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; por vezes, a autoridade sem a liberdade. É um “inimigo” que se tornou cada vez mais concreto, com uma crueldade que ainda nos deixa atónitos: Cristo sim, Igreja não. Depois: Deus sim, Cristo não. Por fim, o grito ímpio: Deus está morto; mais: Deus nunca existiu. E aqui está a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre fundações que Nós não hesitamos em apontar como as principais responsáveis da ameaça que paira sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus».         

A este terrível inimigo, a escola de pensamento contra-revolucionário, referindo-se ao ensinamento dos Papas, deu o nome de Revolução: um processo histórico plurissecular que tem como meta a destruição da Igreja e da Civilização cristã. A Revolução tem como seus agentes todas as forças secretas que actuam, de forma pública ou oculta, para este fim. Os contra-revolucionários são aqueles que se opõem a este processo de dissolução e que combatem pela instauração da Civilização cristã, a única civilização digna deste nome, como recorda São Pio X (Encíclica Il fermo proposito de 11 de Junho de 1905).               

O conflito entre revolucionários e contra-revolucionários continua na época do Coronavírus. É lógico que cada um deles tenta tirar o máximo proveito da nova situação. A existência de perturbadoras manobras revolucionárias para aproveitamento dos acontecimentos não significa, porém, que estas forças tenham criado a situação em que nos encontramos, nem que a controlam e dirigem. Os representantes dos mais diversos governos, da China aos Estados Unidos, da Grã-Bretanha à Alemanha, da Hungria à Itália, impuseram, nos seus países, as mesmas medidas sanitárias, como a quarentena, de que, no início, alguns deles desconfiavam. 

Estes líderes políticos terão sido dominados por uma ditadura sanitária que lhes foi imposta pelos virologistas? Mas os virologistas, por seu turno, que inicialmente estavam divididos, porque alguns deles consideravam o Coronavírus apenas uma “má influência”, foram agredidos pela realidade e, hoje, concordam sobre a necessidade de medidas mais drásticas para conter o vírus. A verdade é que a ciência médica mostrou-se incapaz de erradicar o vírus. A escolha da quarentena, a mesma que é feita há milénios diante de uma grave epidemia, nasce do bom senso, não da sua específica competência médica.       

O problema não é, naturalmente, apenas sanitário, e, na sociedade interligada, o vírus poderia ter as suas mais graves consequências nos campos económico e social. Mas a solução deste tipo de problemas, que se agravam em todo o mundo, depende dos políticos, não dos médicos. E se a classe política internacional, para tomar as suas decisões, se abriga atrás do ecrã das autoridades de saúde, é por causa da inadequação daqueles que actualmente governam o mundo. O fracasso político é paralelo ao sanitário. Como esquecer que a suprema autoridade sanitária internacional, a Organização Mundial de Saúde, há trinta anos anunciava «um mundo sem epidemias», graças ao projecto “Saúde para todos até ao ano 2000”, com a consequência de, em muitos países, os fundos dedicados à saúde terem sido cortados ou direccionados principalmente para as doenças raras? 

O director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, politicamente próximo da China comunista, foi, a 28 de Janeiro de 2020, a Pequim, onde, após um encontro com o presidente Xi Jinping, comunicou ao mundo que, em Wuhan, estava tudo controlado, minimizando a extensão da catástrofe. Só depois de muitas hesitações é que a OMS tomou nota da realidade, continuando a mentir sobre o número de contágios e de mortes por ela provocados, que certamente não são superestimados, mas subestimados.          

Aos problemas económicos e sociais, juntam-se, como consequência de um prolongado bloqueio e de uma radical mudança de vida imposta pelo Coronavírus, aqueles, igualmente graves, de ordem psicológica e moral. Mas aqui a palavra, mais do que aos médicos e aos políticos, caberia aos sacerdotes, aos bispos e, por último, ao supremo pastor da Igreja universal. No entanto, a imagem que o Papa Francisco deu no Tríduo Pascal é a de um homem abatido e deprimido, incapaz também ele de fazer frente à catástrofe com as armas espirituais de que dispõe. O mesmo pode-se dizer da grande maioria dos bispos. A classe eclesiástica, desprovida de sérios estudos teológicos e de autêntica vida espiritual, revela-se tão inadequada quanto a classe política para orientar o seu rebanho na escuridão do tempo presente.                 

Nesta situação, o que deveriam fazer os contra-revolucionários, os fiéis da Tradição, os católicos zelosos cheios de espírito apostólico? Qual deveria ser a sua estratégia diante das manobras das forças das trevas?                     

Deveriam, antes de mais, mostrar que está a colapsar um mundo, aquele mundo globalizado que os projectos disformes de Bill Gates e dos seus amigos não serão capazes de manter em pé, apesar de todos os esforços. O fim deste mundo, filho da Revolução, foi anunciado, há cem anos, em Fátima, e o horizonte que enfrentamos não é a hora da ditadura final do Anticristo, mas a do triunfo irreversível do Imaculado Coração de Maria, precedido pelos castigos anunciados por Nossa Senhora caso a humanidade não se tivesse convertido. Hoje, mesmo entre os melhores católicos, há uma resistência psicológica a falar de castigos, mas o conde Joseph de Maistre adverte: «O castigo governa toda a humanidade; o castigo guarda-a; o castigo vigia enquanto os homens de guarda dormem. O homem sábio considera o castigo como a perfeição da justiça» (Le serate di San Pietroburgo, trad. it. Rusconi, Milano 1971, p. 31).    

São Carlos Borromeu lembra, por sua vez, que «entre todas as outras correcções que a Sua divina Majestade manda, é habitual atribuir-se, de modo especial, à Sua mão o castigo da peste» e explica este princípio com o exemplo de David, o rei pecador, a quem Deus deu a escolher, como castigo, entre a peste, a guerra e a fome. David escolheu a peste com estas palavras: «Melius est ut incidam in manus Domini, quam in manus hominum»[1]. Portanto, conclui São Carlos, «a peste, entre a guerra e a fome, é muito especialmente atribuída à mão de Deus» (Memoriale ai Milanesi di Carlo Borromeo, Giordano Editore, Milano 1965, p. 34).           

É hora de reconhecer a mão misericordiosa de Deus nos flagelos que começam a atingir a humanidade.         

Roberto de Mattei in Corrispondenza Romana
Tradução: diesirae.pt

[1] Trad.: É melhor que eu me coloque nas mãos de Deus que nas mãos dos homens.


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