domingo, 21 de junho de 2020

A Comunhão na boca é um direito que não se pode suprimir


Em Maio de 1969 foi publicada uma instrução da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos «sobre a maneira de se distribuir a Sagrada Comunhão». A Memoriale Domini, após consultar todos os bispos do mundo, divulgava os seguintes números:

1. Pensa que se deve dar atenção ao desejo de que, além da maneira tradicional, se deva admitir o rito de receber a Sagrada Comunhão nas mãos?
Sim: 597
Não: 1.233
Sim, mas com reservas: 315

Votos inválidos: 20 

2. Deseja que este novo rito seja primeiro experimentado em pequenas comunidades, com o consentimento dos bispos?
Sim: 751
Não: 1.215
Votos inválidos: 70
 

3. Acha que os fiéis vão receber bem este novo rito, após uma adequada preparação catequética?
Sim: 835
Não: 1.185
Votos inválidos: 128

Decorrendo disto, a mesma instrução assim determinava: «o Santo Padre [Paulo VI] decidiu não modificar a maneira existente de administrar a Santa Comunhão aos fiéis». Ou seja, a forma ordinária de se receber a Sagrada Eucaristia não foi nunca modificada: a forma é recebê-La das mãos do sacerdote directamente na boca. Esta é a prática tradicional que remonta a épocas imemoriais, é a prática que já foi incontáveis vezes confirmada pela Santa Sé, é a prática que nem a Memoriale Domini revogou.

Receber a comunhão nas mãos, embora se tenha tornado um abuso horrendo em todo o mundo, trata-se apenas de um indulto que na maior parte das vezes se aplica ilicitamente. É o que diz o n. 92 da Redemptionis Sacramentum (RS): «Se existe perigo de profanação, não se distribua aos fiéis a Comunhão na mão». Como a maior parte das nossas celebrações litúrgicas é um verdadeiro pandemónio e como os nossos católicos apresentam no geral uma formação terrível, o «profanationis periculum» — ao menos nas missas abertas — é a regra e, portanto, a lei litúrgica manda não distribuir a comunhão eucarística nas mãos. Que isto seja quase sempre ignorado não retira o seu carácter de ilicitude: a desobediência não deixa de ser desobediente só porque se pratica com uma regularidade descarada.

“Ah, o problema é só que as pessoas, como não sabem comungar correctamente, acabam por deixar cair no chão fragmentos da hóstia consagrada”. Bom, mesmo que o problema fosse só esse — concesso non dato –, só isso já exigiria que se proibisse a comunhão na mão, uma vez que a RS manda não distribuir deste modo «[s]e existe perigo de profanação»! Deixar cair no chão um fragmento do Corpo de Cristo, mesmo que seja “sem querer”, por desleixo e por falta de cuidado, é, sim, sem a menor sombra de dúvidas, uma situação de «profanationis periculum» — onde o direito manda, portanto, não distribuir a Eucaristia nas mãos. “Somente” este problema já é um sacrilégio horrendo e uma desobediência atroz à lei da Igreja, que não se pode menosprezar.

Mais: a comunhão na boca é um direito verdadeiro e próprio do fiel, ao passo que a comunhão na mão é um mero indulto. É o que nos diz, ainda, o n. 92 da Redemptionis Sacramentum, cuja tradução para o português ficou cortada e incompreensível. Diz o texto na nossa língua:

«Todo o fiel tem sempre direito a escolher se deseja receber a sagrada Comunhão na boca ou se, o que vai comungar, quer receber na mão o Sacramento. Nos lugares aonde Conferência de Bispos o haja permitido, com a confirmação da Sé apostólica, deve-se lhe administrar a sagrada hóstia.»

Só em português é que a pontuação ficou assim. Em italiano, em espanhol, em inglês e em latim o ponto fica no fim, e o seu sentido é claro: aquilo a que se tem «sempre direito» é a «receber a sagrada Comunhão na boca», e recebê-la na mão só é possível nos «lugares aonde (sic) [a] Conferência de Bispos o haja permitido». A versão em francês é a mais clara e inequívoca: Tout fidèle a toujours le droit de recevoir, selon son choix, la sainte communion dans la bouche. 

Todos os fiéis têm o direito de receber, à sua escolha, a Santa Comunhão na boca. Ponto. Este é o direito. Em seguida vem o indulto: "Si un communiant désire recevoir le Sacrement dans la main, dans les régions où la Conférence des Évêques le permet, avec la confirmation du Siège Apostolique, on peut lui donner la sainte hostie". Se um fiel deseja receber na mão o Sacramento, naquelas regiões onde a Conferência dos Bispos o permitir com a confirmação da Sé Apostólica, pode-se dar-lhe a Santa Hóstia. Esta é a concessão, que não é absoluta, mas sim condicionada a um indulto da Conferência Episcopal ratificado pela Santa Sé.

Ou seja, embora qualquer Conferência Episcopal possa (e em muitos casos até mesmo o bispo individual o deva — si adsit profanationis periculum) proibir a comunhão na mão, nenhum bispo ou Conferência pode proibir a comunhão na boca. Este é o modo ordinário de se receber a comunhão eucarística, ao qual o fiel tem sempre direito — ius semper habeat. Este entendimento não é meu, é da Sagrada Congregação para o Culto Divino: em 2009, quando um surto de gripe suína levou certas dioceses a restringirem a comunhão na boca, o referido Dicastério manifestou-se assim:

«Este Dicastério observa que a sua Instrução Redemptionis Sacramentum (25 de março de 2004) claramente determina que “todo fiel tem sempre direito a escolher se deseja receber a sagrada Comunhão na língua” (n. 92), nem é lícito negar a Sagrada Comunhão a qualquer dos fiéis de Cristo que não estão impedidos pelo direito de receber a Sagrada Eucaristia (cf. n. 91).»

Portanto, ninguém pode negar a Sagrada Comunhão a um fiel que A peça directamente na boca — a não ser que ele esteja «impedido pelo direito», que é o caso em que ele não pode comungar nem na mão e nem de modo nenhum. Se um fiel católico pode comungar, então ele pode comungar na boca: é a lei da Igreja. Que cada um se esforce por usar esse seu direito. Que ninguém se sinta constrangido por longos discursos pretensamente pastorais cuja intenção, velada ou explícita, seja obscurecer esta verdade cristalina.

Jorge Ferraz in Deus lo vult


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