terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A carta profética de C.S. Lewis

Em 1942, o escritor inglês C.S. Lewis escreveu uma obra imperdível chamada "The Screwtape Letters" (o título em português é "Vorazmente teu" ou "Carta de um diabo a seu aprendiz"). Trata-se de um conjuntos de cartas escritas por um diabo mais velho ao seu sobrinho sobre como influenciar os seres humanos para que percam as suas almas. A carta que passamos a transcrever é especialmente relevante para os tempos que correm: 

Proponho, hoje, que te juntes àqueles de nós que estão a influenciar as pessoas no sentido da existência de um certo “desafio demográfico”; quero dizer, estamos num trabalho antigo e consistente, convencendo certas pessoas com acesso a largos recursos financeiros e a organizações internacionais de que há gente demais no Mundo. 

Estamos a convencê-los de que são capazes não só de prever o futuro, mas de controlá-lo também, e influenciamos estas pessoas para que vejam a si mesmas como poderosas o suficiente para conhecer e determinar o futuro da Humanidade como se fossem deuses, e arrogantes o suficiente para acreditarem que não serão atingidas pelas consequências das políticas nefastas que elas próprias estabelecessem para os outros.

E claro não podemos permitir que tais “poderosos”, a quem devemos ir com absoluta prioridade, vejam os outros seres humanos como semelhantes a si, nem reconheçam de modo algum que há algum Deus que, de facto, seja não somente o autor da Natureza como o Senhor da História. Um Deus assim, devemos convencê-los, seria um estorvo para os seus próprios planos, e por isto deve ser combatido – salvo, é claro, quando tal crença puder tornar mais fácil que atinjam os seus objectivos de controle mundial e estabelecimento do futuro. 

Como fazer isto? Faz com que acreditem firmemente que toda a pessoa religiosa é, no fundo, apenas um hipócrita que usa a religião para controlar os outros. E que eles tentem apoderar-se da religião para controlar os outros! Como? Sei lá! Criem uma religião nova, que não se apresente como religião mas tenha a ambição de conter todas as outras, isto parecerá ao mesmo tempo grandioso, piedoso e iluminado! 

Só não te esqueças de que gente é um gado notoriamente difícil de manejar. E a experiência do século XX já demonstrou que quando nós, diabos, induzimos os nossos tutelados a confiar ingenuamente no poder das armas para dominar o Mundo, não usamos uma boa estratégia: nenhum grande líder que o fez obteve sucesso duradouro, como demonstram Hitler, Lenin, Stalin e outros do mesmo naipe. Com os nossos poderosos de hoje, temos que usar uma estratégia mais subtil: fazê-los convencer as pessoas “comuns” que fazer exactamente o que ordenamos é a única verdadeira maneira de ser feliz, maduro, educado, completo, avançado, qualquer que seja o título capaz de mover o sujeito “comum” a agir como o “poderoso” quer. 

Estes hipotéticos “poderosos”, portanto, devem declarar que são humanistas, mas devem, no seu coração, desacreditar completamente do valor intrínseco da vida humana do outro. Sim, já conhecemos as desvantagens do militarismo e das grandes guerras como técnicas de controle populacional, seja numericamente, seja qualitativamente. Não resulta. 

Mas se conseguimos convencê-los de que a vida humana não é algo intrinsecamente e incondicionalmente bom, damos um passo formidável adiante. Como fazer isto? Ora, com estratégia, seu estúpido diabinho. Por exemplo, negando o valor de um bebé na gestação. Ninguém vê o bebê, mas não é difícil convencer a mãe de que aquele serzinho humano que ela tem ali é apenas um estorvo para a sua vida sexual e profissional. 

Também os idosos e os gravemente doentes são um bom caminho para dissociar a vida humana do seu valor intrínseco: convence as pessoas de que eliminar seres humanos assim é simplesmente “impedi-los de sofrer”, misericordiosamente. Será mais barato para os governantes e para as famílias, será indolor para os pacientes e ainda terá grande eficácia na dissociação entre a dignidade da pessoa e o conjunto de seres humanos: pouco a pouco, vamos convencendo a Humanidade de que nem todos os seres humanos são pessoas, e portanto, nem todos têm valor incondicional e direito à vida. 

Não é fácil? É mais fácil que parece: quem vai defender um embrião invisível fruto de sexo casual, ou um velhote moribundo que só dá despesas? Usamos a cupidez e a luxúria contra a dignidade incondicional da vida humana, destruindo tal conceito, e ainda convencemos os nossos tutelados de que são modernos e até misericordiosos.

Esta é a lição de hoje, detestável pupilo. É preciso convencer as pessoas humanas de três coisas:

1. Há gente demais no mundo, e estas pessoas a mais são adversários uns dos outros. Concorrem entre si pelos escassos recursos ambientais, pelo alimento, pelo trabalho e pelo prazer. Convence-os de que precisam diminuir a quantidade de gente no Mundo. Mas não basta que eles deixem de ter filhos, ou pelo menos os tenham no menor número possível. Tens de fazer com que considerem qualquer outro povo, ou mesmo qualquer outra família, que seja prolífica, como gente atrasada que teima em reproduzir-se muito e quer invadir o seu espaço rico e civilizado por meio de concorrência desleal.

Assim, convenceremos que é justo intervir, até eventualmente pela força, para impedir que estes prolíficos os prejudiquem. Vamos chamar a eliminação de crianças nos ventres maternos de “políticas de direitos reprodutivos”, ou qualquer nome assim. A palavra “direito” tem um grande poder entre eles, ó sebosinho tutelado! Mesmo quando significa exactamente o contrário de direito, como neste caso! Aprende!

2. Convence-os de que prazer sexual é a grande realização humana. Não há outra coisa, senão o sexo orgiástico, que nós diabinhos possamos chamar de “amor”, neste Mundo. Fá-los crer que quem quer que diga o contrário quer tirá-los da festa. Principalmente aqueles que teimam em relacionar o sexo com a reprodução. Convence-os de que a tecnologia moderna já completou totalmente a dissociação entre prazer sexual e reprodução, por isto qualquer um que insista que essa relação existe é só um obscurantista hipócrita (e eventualmente religioso, portanto duplamente detestável). 

Ah, já me esquecia; existe também o prazer das drogas, que tem uma dupla consequência: induz um misticismo completamente controlável e independente de transcendências e doutrinas religiosas, preenchendo os “desejos espirituais” do ser humano sem necessidade de religiões, e ainda pode encurtar a vida dos usuários, reduzindo a população sem necessidade de carnificinas, apenas pela autodestruição livre e alegre. O que poderia ser mais demoníaco? Aprende, jovem pupilo!

3. Convence-os de que somente a ciência desvencilhada de quaisquer barreiras morais (não é difícil associar moral e religião) é a responsável pela redução da dor e o aumento do prazer. Fá-los pensar que não há nenhuma outra forma de livrá-los dos limites humanos e fazê-los deuses, acima de doenças e de sofrimento, senão a ciência. Convence-os que, livre de barreiras éticas, a ciência está a caminhar, e já está bem perto, de eliminar qualquer consequência nefasta para qualquer escolha insensata que alguém pode tomar, é só uma questão de tempo. 

Fá-los pensar que é antiquado acreditar no contrário. Se é verdade? Esta é uma pergunta imbecil, vermezinho. É claro que é mentira. A ciência é uma bênção de Deus aos homens, o que nós queremos é transformá-la em religião, e exclusiva! Pensa bem: não deixa de ser verdade, sob nosso ponto de vista, que a ciência, quando se liberta da ética, pode eliminar qualquer tipo de sofrimento: já se inventou a eutanásia indolor para eliminar de modo barato e eficiente aquelas pessoas cujo sofrimento a ciência autêntica não consegue evitar.

Em seguida, é convencer as mulheres que elas serão tão mais educadas e livres quanto mais puderem ter sexo sem reprodução e cargos bem remunerados. Então, vamos promover a anticoncepção artificial como o grande caminho de liberdade feminina, e o aborto como a solução para as eventuais falhas de anticoncepção. Se alguém for contra? Rotule-o de opressor, de malvado machista eliminador da liberdade feminina. Faz com que as mulheres anseiem por igualarem-se com os homens, não nas suas virtudes (nestas as mulheres já superaram os homens, veja o exemplo daquela Virgem de Nazaré, que odiamos tanto), mas nos seus mais abjectos defeitos: a cupidez e a luxúria!

E os homens? Oferece-lhes mulheres fáceis e relações sexuais sem consequências desagradáveis como a reprodução. E se as mulheres estiverem ocupadas demais com o seu próprio progresso profissional e financeiro, oferece aos homens o prazer sexual com outros homens: isto tem a consequência de reduzir, ademais, as taxas de natalidade, porque tais relações são essencialmente estéreis. Mas como as mulheres estão a adoptar a esterilidade como pressuposto da sua própria liberação sexual e profissional, não será difícil convencer os homens de que não há diferença entre relacionar-se sexualmente com uma mulher estéril, livre e ambiciosa profissionalmente, com a qual ele não estabelecerá nenhuma relação de longo prazo, ou com outro homem. E, ainda, convence-o de que tem direito de sentir tal desejo, e é um vanguardista e inconformista ao vivê-lo. 

Apelando para o sexo infecundo, o abuso das drogas e o sucesso profissional, convencê-los-emos de que toda a prole, todo o moribundo, e mesmo a religião verdadeira são meros obstáculos. E eles terão vontade, empenho mesmo, em destruir-se, destruir a sua prole, as suas famílias, as suas ligações com Deus, para nos seguir espontaneamente! Entendeu, vermezinho?


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2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente texto. Profético, sem dúvida. O único facto deprimente é que Lewis já fazia este comentário nessa altura.

Acho que vou comprar o livro.

Maria José Martins disse...

E mesmo verdade!
Ao ler este texto, revejo, nitidamente, toda a argumentação usada, pela mesma linguagem diabólica, com que, hoje, nos justificam as constantes leis iníquas que, aos poucos, vão DEFORMANDO as nossas CONSCIÊNCIAS, invertendo todos os VALORES!