quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Verdades mentirosas - Pe. Gonçalo Portocarrero

Reza a história que um oficial de marinha estava zangado com o comandante do navio em que ambos andavam embarcados. Tendo a seu cargo o diário de bordo, ocorreu-lhe nele escrever: «Hoje, o capitão não se embebedou». Era verdade, porque de facto o dito não se tinha embriagado, mas uma verdade mentirosa, porque qualquer leitor concluiria que o comandante andava habitualmente alcoolizado, o que mais não era do que uma rematada mentira.

Há muitas formas de mentir. Uma delas é dizendo a verdade, mas de forma a insinuar uma falsidade. Por exemplo, se se disser de alguém que não é nenhum anjinho, está-se formalmente afirmar a realidade, porque os seres humanos não são anjos, mas é óbvio que se está, sobretudo, a sugerir que a pessoa em causa é um grande malandro.

O mesmo se diga das instituições eclesiais, principalmente quando têm a desgraça de merecer algum protagonismo mediático. Se, para cúmulo, também forem alvo de uma rigorosa investigação jornalística, é certo e sabido que os resultados não poderão ser menos do que escandalosos, até porque, em caso contrário, o investimento de meios económicos e humanos não teria retorno.

Uma entidade da Igreja tem alguns bens, para assim poder realizar o seu apostolado? É podre de rica. Tem gente? Claro, é porque lhes arranja tachos e conhecimentos que lhes são úteis para trepar na vida. Os seus membros rezam? São fanáticos. Mortificam-se? São masoquistas. O fundador é santo? Compraram a canonização. Tem gente influente? São lóbi. E assim por diante, … mas sempre presos, por ter cão ou o não ter.

Já com Jesus foi assim. Ele comia e bebia? Era um glutão e um beberolas. Dava-se com publicanos e pecadores? É porque era como eles. Expulsava os demónios? Pois bem, era com o poder do próprio Belzebu que o fazia. Curava no dia de sábado? Então é evidente que transgredia a Lei. Perdoou a adúltera? Um cúmplice não teria feito de outro modo! Censurava os escribas e os fariseus? Era porque estes, sendo cultos, não se deixavam enganar, ao contrário da arraia-miúda.

É certo que nem todos crêem nestas caluniosas insinuações, mas geralmente fica a ideia de que a entidade em causa é, pelo menos, «polémica», «controversa» ou «duvidosa», até porque onde há fumo, há fogo. «Se Ele não fosse um malfeitor» – disseram os fariseus a Pilatos, quando lhe entregaram Jesus – «não O entregaríamos nas tuas mãos» (Jo 18, 30).

Não é possível que o mundo aplauda os discípulos do Crucificado, mas seria lamentável que, com as suas verdades mentirosas, lograsse dividir a Igreja, ou confundir os fiéis. Os critérios mundanos não são aptos para julgar as instituições eclesiais e qualquer cristão coerente sabe que a contradição é um dos critérios para aferir a autenticidade evangélica de um carisma. 

A Beata Teresa de Calcutá sabia-o e, por isso, quando João Paulo II lhe fez notar, com bom humor, que toda a gente falava bem dela, mas mal dele e de uma obra de Deus, a santa fundadora das Missionárias da Caridade reagiu com santa inveja, pedindo orações. Com razão, porque bem-aventurados serão os que forem insultados e perseguidos e deles disserem falsamente toda a espécie de mal, porque será grande a sua recompensa nos Céus (cfr. Mt 5, 11-12). in Voz da Verdade


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5 comentários:

Anónimo disse...

Deus sempre será controverso, enquanto fôr criado à imagem e semelhança do homem, porquanto o homem é controverso. Com o devido respeito, permitam-me a seguinte questão, de um mero teólogo, na verdadeira acepção do termo. Quando Deus falou a Moisés "Dirás aos filhos de Israel: Todo o israelita ou estrangeiro, residente em Israel, que sacrificar o seu filho a Moloc, será punido com a morte. Será apedrejado pelo povo da sua terra" (Levítico, 20, 2:3), trata-se esta passagem bíblica de uma mentira? De uma interpretação da verdade? Pergunto isto porque encontro diversas contradições entre a Torá e o Novo Testamento. Sendo um verdadeiro, o outro será necessariamente uma «verdade mentirosa», usando a expressão do Padre Portocarrero.

Antônimo disse...

Hoje o capitão não bebeu rsrsrs muito boa essa!
De fato a Igreja é sempre acusada com base no preso por ter cão e preso por não ter.
Este Papa é muito equiparado à Madre Teresa mas infelizmente nunca é por aquilo que os distingue de todos nós, ou seja, só lhes destacam aquilo que soe a linguagem política.
Bem-aventurados os que forem insultados e perseguidos!

João Silveira disse...

Caro Anónimo, está a cometer um erro básico na interpretação das Escrituras que é tentar encontrar conflitos internos, como se não fizessem parte da mesma mensagem.

A Bíblia ou é lida à luz de Deus que Se fez homem, viveu como nós, foi morto da maneira mais selvagem para nos salvar e depois resuscitou ou não se percebe nada.

Anónimo disse...

Muito inspirador Sr. Pe. Gonçalo Portocarrero. E é subretudo de também as suas Homilias.

Anónimo disse...

Muito inspirador Sr. Pe. Gonçalo Portocarrero. E é subertudo de elogiar também as suas Homilias.