quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A história da Sede Gestatória

O uso da sede gestatória pelos Papas não era um resquício da crueldade esclavagista dos faraós egípcios ou dos imperadores do Baixo Império Romano. Era, ao contrário, um valioso “serviço” prestado aos devotos que se amontoavam nas cerimónias pontifícias e que se queixavam de não poder ver o Papa quando ele passava abençoando. Não é por acaso o uso da sede era limitado à parte interna das grandes basílicas, a começar pela de São Pedro e a de São João de Latrão, ou em liturgias solenes ao ar livre que atraíssem multidões. 

Em suma, era algo equivalente, na actualidade, aos grandes ecrãs nos eventos nas praças. Não nos esqueçamos que uma grande massa de peregrinos chegava continuamente a Roma, e de lugares cada vez mais distantes, ut videre Petrum, para ver Pedro; e grande seria a sua decepção se, espremidos no meio da multidão, não pudessem ver o rosto do Pontífice e a sua mão abençoando.

Paulo VI disse ao seu amigo Jean Guitton que ficar naquela cadeira era “muito incómodo”, porque balançava, mas de bom grado suportava o desconforto por uma questão de equidade: todos os que desejassem poderiam ver e serem vistos pelo Santo Padre e não apenas aqueles que tivessem privilégios ou gozassem de prioridades. Pelo mesmo motivo, João XXIII utilizou-a inúmeras vezes. Mas João Paulo II e Bento XVI não a quiseram, principalmente para evitar equívocos. No entanto, usaram uma esteira móvel (um “deslocador” apoiado sobre rodas), que não tinha apenas função “ortopédica”, mas também a de melhorar a visibilidade dos fiéis.

Em todo caso, levar sobre os ombros o Santo Padre era uma grande honra, disputada pelas famílias mais eminentes de Roma. E, ainda hoje, apesar de tudo, há uma grande competição em cidades antigas, como Viterbo e Gubbio, para fazer parte do grupo de eleitos que terão o privilégio de levar a cada ano a pesadíssima Macchina di Santa Rosa e os círios, também eles de peso considerável.

Porém, ainda no Vaticano, temos, entre outras coisas, a ordem com a qual Pio IV, em meados do século XVI, regulamentou o serviço da sede, reservando-o apenas aos“cavalheiros romanos”. Com o tempo, o uso tornou-se mais profissional e os sediari pontifici (este é o nome oficial) uniram-se a outra categoria ambicionada e prestigiada, a dos Serviçais do Papa e dos cardeais, criando uma fraternidade que teve a honra de ter uma igreja no Vaticano, ao lado da porta de Santa Ana.

Apenas uma mínima parte do trabalho dos sediari consistia no transporte do Papa sobre os ombros: como já dissemos, recorria-se àquele assento elevado apenas em certas ocasiões. Vestidos com elegante libré, com o escudo de armas papal bordado no peito, eram parte da “Família do Santo Padre” e estavam, portanto, entre os que tinham maior intimidade com ele. Cuidavam e entretinham as visitas nas ante-câmaras e um deles tinha a honra de dormir na sala adjacente à do Papa, a qual dispunha de uma campainha, pronta para avisar caso houvesse qualquer emergência.

Papa João Paulo I sendo levado pelos sediari pontifici, que tiveram a honra de ter uma igreja dentro do Vaticano

Quanto ao transporte nos ombros do trono papal, realizavam-no 12 pessoas, três para cada um dos quatro travessões. Em geral, tratava-se de percorrer umas poucas centenas — normalmente dezenas — de metros, nada difícil para pessoas jovens e robustas, visto que a partir de certa idade se lhes eram reservados apenas os serviços que exigiam pouca mobilidade, nas ante-câmaras. A fadiga de muitos operários ou pedreiros de hoje é muito mais intensa e prolongada, durando até a idade da reforma. 

Sem esquecer o salário adequado e seguro (coisa rara e preciosa em tempos como os actuais) e, sobretudo, da satisfação pessoal: como disse, o serviço directo ao Vigário de Cristo e, principalmente, o esforço para mostrá-lo à multidão de devotos, foi considerado entre os serviços mais prestigiosos e meritórios, digno inclusive de uma recompensa sobrenatural.

Vittorio Messori in 'Il Timone'


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1 comentário:

Maria José Martins disse...

Ainda bem que nos explica, porque as nossas "mentes perversas" interpretam sempre pela negativa!
Eu também era das que pensavam que essa forma de conduzir o Papa revelava, quase, uma idolatria.