terça-feira, 12 de março de 2019

Como lidar com o escândalo dos abusos sexuais no Clero?

Pergunta: Os media vêm noticiando, com frequência cada vez maior, casos escandalosos de abusos sexuais por parte de clérigos, o que leva alguns a duvidarem da Fé católica e afastarem-se da Igreja, ou pelo menos da prática religiosa. Outros dizem que seria melhor eliminar o celibato sacerdotal, alegando que é o responsável por tais abusos. Qual é a melhor defesa que um católico pode fazer da Igreja nessa situação constrangedora? 

Resposta: Começamos por esclarecer que nem todas as denúncias de abuso divulgadas pelos media ou investigadas pela Justiça são verdadeiras. Sabe-se que em muitos países os veículos de divulgação, como também muitas autoridades da Justiça, são hostis à Igreja Católica, e vão acusando e condenando sacerdotes e prelados sem ouvi-los, desrespeitando assim a presunção de inocência de que goza qualquer acusado até o julgamento.

É inegável, contudo, que muitas das investigações confirmaram grande número de casos de abuso sexual por parte de clérigos, incluindo Bispos e até mesmo um Cardeal de muito destaque. Revelou-se ainda a existência de verdadeiras redes de corrupção dentro de alguns seminários e em organismos ligados à Igreja.

O celibato sacerdotal nada tem a ver com a difusão dessa praga moral do abuso sexual. Estudos estatísticos sérios provam que em mais de 80% dos casos trata-se de abusos de adolescentes ou de jovens de sexo masculino por parte de clérigos homossexuais. Um estudo, em particular, provou que o número desses abusos cresceu exactamente na mesma proporção em que aumentou o número de pessoas com atracção homossexual nas fileiras do Clero.

A arca de Noé continha animais puros e impuros

Essa infiltração deu-se de modo especial a partir da década de 1960, devido ao relaxamento nas condições para a admissão nos seminários e na disciplina destes, bem como pela relativização da Moral nos estudos de Teologia após o Concílio Vaticano II. Contribuiu também a difusão da chamada “homo-heresia”, ou seja, o erro de afirmar que a atracção homossexual não é contrária à natureza, e que as relações homossexuais são lícitas.

Não é a primeira vez na história da Igreja que a heresia e a corrupção moral se espalham como um cancro entre os que são chamados a ser “o sal da terra” e “a luz do mundo” (Mt 5, 13-14). Mas, em cada uma dessas circunstâncias, os Papas e os Santos conseguiram reformar o Clero e restaurar tanto a disciplina eclesiástica como a pureza dos costumes, que deve caracterizar os ministros de Deus. No tenebroso período que atravessamos hoje essa necessária reforma moral das fileiras do Clero e da Hierarquia nem sequer começou.

Diante desses escândalos, e para fortalecer a nossa fé, convém relembrar que, de acordo com o Catecismo do Concílio de Trento, a Santa Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo não é como a imaginavam Lutero e os seus sequazes, ou seja, como uma comunidade puramente espiritual e constituída somente por justos que têm fé.

Ao falar da Igreja militante — “o conjunto dos fiéis que ainda vivem na Terra” —, diz o referido Catecismo: “Há na Igreja militante duas categorias de homens: bons e maus. Certo é que os maus participam, com os bons, dos mesmos Sacramentos, professam a mesma fé, mas não lhes são semelhantes nem na vida, nem nos costumes“. Mais adiante, ainda repete: “A Igreja comporta não só os bons, mas também os maus. Assim o demonstra o Evangelho por muitas parábolas, quando diz, por exemplo, que o Reino dos céus — isto é, a Igreja militante — se compara a uma ‘rede lançada ao mar’ (Mt 13, 47); a um ‘campo semeado em que se espalhou joio’ (Mt 13, 24); a uma ‘eira, na qual o trigo se acha misturado com a palha’ (Mt 13, 12; Lc 3, 17); a ‘dez virgens’, umas loucas, outras prudentes (Mt 25, 1). Muito antes [de tais parábolas], a Arca de Noé, que continha animais puros e impuros (Gn 7, 2; 1 Pd 2, 6; cfr. At 10, 9; 11, 4-18), era também uma imagem e semelhança desta Igreja [militante]. A fé católica sempre ensinou, expressamente, que à Igreja pertencem bons e maus; não obstante, devemos explicar aos fiéis cristãos, em virtude das mesmas normas de fé, que entre ambas as partes há grande diferença de condição. Os maus assistem na Igreja, à semelhança da palha que na eira se mistura com o trigo; ou, como os membros quase mortos, às vezes continuam ligados ao corpo”.

Pagãos, hereges, cismáticos e excomungados não pertencem à Igreja

Em consequência, conforme continua o mesmo Catecismo, apenas três classes de homens estão excluídas da comunhão com a Igreja: os pagãos, que nunca estiveram no seu seio; os hereges e cismáticos, porque apostataram; e os excomungados que foram excluídos judicialmente, enquanto não se reconciliarem com Ela. E acrescenta sabiamente, referindo-se de modo específico aos pastores que levam vida má, mas nem por isso perdem sua autoridade dentro da Igreja: “Quanto aos demais, não há dúvida que continuam ainda no grémio da Igreja, apesar de maus e perversos. Sejam os fiéis bem instruídos neste ponto, para que tenham a firme convicção de que os prelados da Igreja continuam no grémio da mesma, não obstante qualquer deslize moral; e que nem por isso lhes fica diminuída a jurisdição [eclesiástica]”.

Acrescenta ainda o Catecismo que o facto de haver no seio da Igreja membros maus, e até pastores que dão escândalo, não lhe diminui em nada a santidade, porque a santidade lhe vem do facto de ser “consagrada e dedicada a Deus” (Lv 27, 28-30); de estar “unida como corpo a uma Cabeça santa, a Cristo Nosso Senhor (Ef 4, 15-6), fonte de toda a santidade (Dn 9, 24; Is 41, 14; Lc 1, 35); e da qual dimanam os dons do Espírito Santo e as riquezas da bondade divina (Ef 2, 7; 3, 8; 3, 16-19)”; e também do fato de Ela ser a única a possuir “o culto legítimo do Sacrifício e o uso salutar dos Sacramentos”, que são “os meios eficazes, pelos quais Deus opera a verdadeira santidade”. O Catecismo ainda acrescenta: “É impossível haver verdadeiros santos fora desta Igreja”.

A Igreja é santa, apesar dos numerosos pecadores

O Catecismo conclui: “não é de estranhar que a Igreja tenha o nome de santa, apesar de haver nela muitos pecadores. Pois são chamados santos os fiéis que se fizeram povo de Deus (1 Pd 2-9; Os 2, 1), e que pela fé e a recepção do Baptismo se consagraram a Cristo, embora sejam fracos em muitos pontos e não cumpram o que prometeram”.

Sendo de fé que a Igreja é santa, mas nela há muitos pecadores junto aos bons, não é preciso cobrir com um manto de silêncio os pecados de seus membros que se tornaram públicos, e que dão escândalo aos fiéis (e até aos infiéis). Nas situações históricas em que a imoralidade do Clero se generaliza, e às vezes é até aceita como normal pelas autoridades eclesiásticas, a denúncia pública desse cancro por parte dos fiéis é benéfica e pode tornar-se até obrigatória, por ser o primeiro passo para a necessária reforma.

A esse respeito, no livro Igreja e homens de Igreja, o teólogo passionista Pe. Enrico Zoffoli escreve: “Não temos nenhum interesse em cobrir as culpas dos maus cristãos, dos sacerdotes indignos, dos pastores vis e ineptos, desonestos e arrogantes. Seria ingénuo e inútil o intento de defender a sua causa, atenuar as suas responsabilidades, reduzir o alcance dos seus erros ou fazer uso do ‘contexto histórico’ e de ‘situações específicas’, com a pretensão de tudo explicar e tudo absolver”.

Como dissemos, a veracidade e a santidade da Igreja Católica não dependem da virtude dos seus filhos, os quais, por fraqueza ou por maldade, podem tornar-se infiéis ao seu Baptismo, à sua ordenação sacerdotal, à sua sagração episcopal, ou até mesmo ao seu ministério petrino (a história registra, infelizmente, não poucos casos de Papas que deram grande escândalo). E isso porque a santidade da Igreja provém da sua condição de Corpo Místico de Cristo. Basta, portanto, que um “pequeno rebanho” (Lc 12, 32-34) permaneça inteiramente fiel aos ensinamentos de Nosso Senhor em meio à corrupção geral — como já aconteceu, por exemplo, nos séculos IV e XI —, para que a Igreja não só permaneça santa, mas cresça ainda em graça e santidade, como o Divino Mestre na sua vida terrena.

Nas aparições de 1848 em La Salette, Nossa Senhora disse que os sacerdotes tinham-se tornado cloacas de impureza. Peçamos a Ela que envie almas generosas, as quais implorem dia e noite misericórdia e perdão para o povo, a fim de que Deus se reconcilie com os homens e Jesus Cristo seja novamente servido, adorado e glorificado

Padre David Francisquini in Catolicismo n° 818 (Fevereiro de 2019)


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