quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Considerações sobre o Tempo

Não tenho tempo para nada, é lamento que inúmeras vezes me sai. No entanto não se pode dizer que não faça nada. Mas o que faço, faço-o sem tempo. E como, creio eu, o tempo acaba por ser a medida de todas as coisas, as coisas sem tempo não se podem medir. É como se não existissem.

É paradoxal que tenha sido no tempo finito que a Eternidade infinita Se revelou. Isso diz muito do tempo. O próprio tempo é resgatado da sua finitude, e como que enxertado naquele que não tem ocaso. Como o homem. Um homem sem tempo é um homem sem eternidade.

No Salmo 90 cantamos: "Senhor, Tu tens sido o nosso refúgio de geração em geração(…)Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos a sabedoria de coração".

O tempo da nossa vida precisa de voltar a tornar-se sagrado, de voltar ao ritmo das horas litúrgicas, de voltar a parar ao toque das Avé-Marias, de voltar a ser marcado pela passagem das estações e das festas populares e dos santos.

O nosso tempo tornou-se informe, a nossa vida por isso disforme.

Os avanços tecnológicos, longe de nos pouparem tempo para o ócio que é raiz da nossa civilização, transformaram-nos em máquinas insensíveis e insensatas que correm sem origem e sem destino, com uma única finalidade: a de não parar.

Há uma tendência no homem para a mudança; mas noutro tempo desejavam essa mudança para se aproximarem d’Aquele que não muda, ao passo que hoje querem mudar para se adaptar ao que muda continuamente.

Vamos assim perdendo os laços que o tempo foi construindo e que nos atavam ao nosso lugar e à nossa gente. Ao nosso Deus.

Sem tempo não há raiz que se afunde e que se estenda, perdendo-se o alimento austero mas amoroso que sempre dela corria. Vivemos numa época, como dizia Saint-Exupery, em que o homem morre de sede. E escreveu também: “É belo o movimento que nos leva a alcançar as nossas metas, mas também o é a imobilidade, a estabilidade do património, esse lento costume chamado religião que pouco a pouco dá cor a todas as coisas. É preciso repouso para que a alma se nutra, e o sermão da montanha seja escutado através dos séculos. A mobilidade não é outra coisa que ausência.”

As antigas formas da sociedade, ao impregnar de sagrado quase todas as manifestações da vida temporal, tornavam o tempo permeável ao eterno e a Deus presente na história (Gustave Thibon).Um homem com tempo contempla. E a contemplação leva-nos inevitavelmente a Deus, onde está a nossa origem, onde está o nosso fim.

John Senior– um Pai espiritual que aconselho vivamente nesta época em que tão órfão nos sentimos - deixou dito: “há qualquer coisa de destrutivo – destrutivo do próprio humano – no separar-nos da terra de onde provimos e das estrelas, dos anjos e do próprio Deus para onde vamos”.

Naquele tempo onde havia tempo, era possível que florescesse o amor pela pátria e pela família. Um amor que demorou e que durou séculos. Um amor com tempo que permitia ir fazendo uma casa para várias gerações, que fecundava uma terra onde as nossas raízes se podiam nutrir e espraiar.

Precisamos, meus amigos, de recriar pacientemente e de novo este tempo. Parece-me ser a principal missão de quem, com todo o tempo, tem a dita de participar nestes demorados e tão bem preparados almoços mensais.

Ante os conservadores que criam obstáculos ao futuro e aos progressistas que renegam o passado, devemos ser antes de mais homens do eterno – como mo revelou Gustave Thibon, um outro mestre que descobri neste ano que passou -, os homens que renovam, a partir duma fidelidade atenta e incessante, todos os dias posta à prova e todos os dias renascida, aquilo que há de melhor no passado.

Assim podemos viver no tempo todo, passado, presente e futuro, experimentando a Eternidade onde queremos chegar.

Sancte Michael Archangele, defende nos in proelio

Pedro de Castro Pernas


blogger

Sem comentários: