domingo, 19 de fevereiro de 2023

Septuagésima: um tempo perdido pela maior parte dos Católicos

O tempo de Septuagésima inclui os Domingos (e as semanas) da Septuagésima, Sexagésima e Quinquagésima, e é um tempo de preparação para a Quaresma. Durante este tempo, embora as regras Quaresma não se apliquem, a cor litúrgica é o roxo (penitência), e não é rezado nem Aleluia nem o Glória in Excelsis, que são sinais de alegria (1). Além disso, os textos deste tempo expressam o seu carácter penitencial.

Já no tempo de São Gregório Magno (+604) existia um período de preparação anterior à Quaresma, que, no séc. VI, começava no Domingo da Septuagésima, e, mais tarde, foi estendido para toda a semana da Septuagésima (2). As Leituras do Evangelho são, especialmente, destinadas a preparar os fiéis para a Quaresma e Tempo de Páscoa (3). 

A importância dos três Domingos percebe-se pelas igrejas escolhidas para a Missa Papal naqueles dias, os três basílicas localizadas fora das antigas muralhas de Roma: São Lourenço, São Paulo e São Pedro, respectivamente. O Ofício [Divino], na Septuagesima, começa com a leitura do livro de Génesis, que, por sua vez, continuará nos Domingos da Quaresma. 

O nome destes três Domingos indicam o tempo que decorre até ao primeiro Domingo da Quaresma, dito Quadragésimo. “Septuagésima” lembra os anos 70 anos de exílio na Babilónia, como sublinhou Amalário de Metz, comentador litúrgico medieval (4). 

Os Ritos Orientais contemplam também um tempo antes da Quaresma, que é de grande antiguidade. O "Domingo da Carne" introduz a abstinência da carne. O "Domingo do Queijo" inaugura a abstinência de ovos e lacticínios.

O tempo de Septuagésima está também indicado no 'Book of Common Prayer' anglicano e faz parte da prática histórica em muitas "igrejas" luteranas.

A Constituição Sacrosanctum Concilium, do Concílio Vaticano II, comenta o ano eclesiástico deste modo: “Reveja-se o ano litúrgico de tal modo que, conservando-se ou reintegrando-se os costumes tradicionais dos tempos litúrgicos, segundo o permitirem as circunstâncias de hoje, mantenha o seu carácter original para, com a celebração dos mistérios da Redenção cristã, sobretudo do mistério pascal.” (5)

É surpreendente, por tanto, que o Consilium (NT: comissão encarregue pela Reforma Litúrgica), após o Concílio, tenha decidido abolir o tempo de Septuagésima, ainda para mais fazendo este parte da preparação para a Páscoa. O Arcebispo Bugnini recorda a discussão sobre este tema: 

"Houve desacordo sobre a supressão do tempo da Septuagésima. Alguns viam essas semanas como uma preparação para a Páscoa. Em dada ocasião, Paulo VI comparou o conjunto composto pela Septuagésima, Quaresma, Semana Santa e Tríduo com os sinos que chamam os fiéis para a Missa de Domingo: esses assinalam quando falta uma hora, depois meia-hora, depois um quarto de hora e por fim cinco minutos para a Missa, o que tem um importante efeito psicológico e prepara os fiéis, material e espiritualmente, para a celebração da liturgia. Naquela época, no entanto, a opinião predominante era que deveria haver uma simplificação: a Quaresma não poderia ser restaurada na sua plenitude importância sem sacrificar a Septuagésima, que é uma extensão da Quaresma." (6)

Fœderatio Internationalis Una Voce - Positio nº 20

(1) O Aleluia é substituído, como na Quaresma, por um Tracto.

(2) Lauren Pristas, “Parachuted into Lent”, em Usus Antiquior, vol. 1, n. 2, 2010, pp. 95-109, onde cita Camille Callewaert e São Gregório Magno (p. 96). Cfr. Homiliae in evangelia XIX.1, e Callewaert L'oeuvre liturgique de Saint Grégoire: la septuagésime et l’allelluia (Louvain, Université Catholique de Louvain, 1937), p. 648 e n. 46.

(3) As leituras do Evangelho dos três Domingos são, respectivamente, a parábola do
trabalhadores da vinha (Mt 20, 1-16), a parábola do semeador (Mt 13, 1-23) e Jesus a caminho de
Jerusalém, com a cura de Bartimeu (Lc 18, 31-43).

(4) Amalarius, De ecclesiasticis officiis, I.1, PL 105.993 ss.

(5) Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium (1963), n. 107.

(6) Bugnini, A., A Reforma do Liturgia. 1948-1975 (trad. Inglês, Collegeville MN, The Liturgical
Imprensa, 1990), p. 307, n. 6. No texto principal, falando sobre o decisões do Consilium em 1965, escreve que “na sua maioria os textos presentes permanecerão inalterados". No entanto, embora isso tenha sido apoiado por consultores cuja opinião havia sido solicitada, revelou-se impossível. O plano de uma série contínua dos Domingos do “tempo comum” antes e depois da Quaresma e do tempo Pascal, significava que um Domingo cai, em determinado ano, imediatamente antes da Quaresma, enquanto noutro ano cai depois do Pentecostes, ou várias semanas antes da Quaresma. Tendo decidido suprimir a Septuagésima como tempo litúrgico separado, os formulários da Missa já não puderam ser retidos no lugar apropriado e, assim, perderam-se. O processo de discussão e o seu resultado são analisados
em detalhes por Pristas, “Parachuted into Lente”, cit.


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1 comentário:

Anónimo disse...

Depois do que acabo de ler, não sei se posso concluir o seguinte: Enquanto a Igreja agiliza e vulgariza o Tempo Quaresmal, o mundo avança em folia, acabando, até, por contamina- la.
Quando era criança, nos Colégios Católicos, no Carnaval, era obrigatório fazer " retiros esprituais" como Reparação, pelos pecados que nessa época se faziam. Hoje, fazem- se bailes, concursos, desfiles ...e sei lá que mais!
Então, onde está a diferença?
Para que se precisa duma Igreja assim?