domingo, 27 de abril de 2025

A morte do Papa Francisco, o fim de uma era?

Às 7h35 do dia 21 de Abril de 2025, Segunda-feira do Anjo, a alma de Jorge Mario Bergoglio abandonou o seu corpo mortal e foi apresentar-se ao Juízo divino. Só no dia do Juízo Final saberemos qual foi a sentença imposta ao Papa Francisco por esse tribunal supremo ao qual todos nós havemos um dia de nos apresentar. Rezemos hoje em sufrágio pela sua alma, tal como a Igreja reza publicamente ao longo de nove dias (novendiales), e, porque a Igreja é uma sociedade pública, juntemos às nossas orações uma tentativa de avaliação histórica do seu pontificado.

Jorge Mario Bergoglio, o 266º Romano Pontífice e primeiro com o nome de Francisco, foi durante doze anos o Vigário de Cristo, embora tenha preferido apresentar-se como Bispo de Roma; acontece que o Bispo de Roma assume esse título no momento em que, após a eleição, aceita o munus petrino. De facto, ao aceitar o pontificado, o Papa assume também os títulos, elencados no Anuário Pontifício, de Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Sumo Pontífice da Igreja Universal, Primaz de Itália, Arcebispo e Metropolita da Província Romana, Soberano do Estado da Cidade do Vaticano, Servo dos Servos de Deus, Patriarca do Ocidente (este último título foi restabelecido em 2024, depois de ter sido retirado em 2006 por Bento XVI).

São títulos que merecem honras especiais, nomeadamente o de Vigário de Cristo, que faz do Papa, não o sucessor, mas o representante na terra de Jesus Cristo, Homem-Deus e Redentor da humanidade. O Papa não recebe honras pela sua pessoa, mas pela dignidade da missão que Cristo confiou a Pedro. Tal como, nos sacramentos cristãos, o gesto exprime a graça invisível, da mesma maneira, as honras (títulos, vestes, cerimónias) são sinais sensíveis de realidades espirituais, que também são realidades institucionais. A autoridade é uma realidade espiritual e invisível, mas, para ser reconhecida, tem de se manifestar de forma visível, através de gestos e rituais; sem eles, as instituições correm o risco de se tornar invisíveis e a sociedade religiosa, tal como a política, afunda-se no caos. O cristianismo tem como fundamento o princípio de que o Deus invisível tomou um rosto, um corpo, um nome: «O Verbo fez-Se homem» (Jo 1,14); «A Deus jamais alguém O viu; o Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem O deu a conhecer» (Jo 1,18). De entre os autores do Novo Testamento, São João evangelista é aquele que mais intensamente elabora uma teologia da visibilidade do invisível, no seu Evangelho, mas sobretudo no Livro do Apocalipse, no qual o símbolo se torna visão profética, revelando a acção oculta de Deus na história.

O Papa Francisco não mostrou respeito pelo decoro do papado, desde o seu primeiro e informal «Boa noite, irmãos e irmãs» dirigido da loggia de São Pedro no dia da sua eleição, até à sua aparição pública no passado dia 9 de Abril na Basílica de São Pedro, onde se apresentou de cadeira de rodas envergando uma capa às riscas que fazia lembrar um poncho, sem nenhum sinal da dignidade pontifícia. O Papa Bergoglio substituiu o simbolismo sagrado por um simbolismo mediático, feito de imagens, palavras e encontros, que se tornaram, em muitos casos, mensagens mais fortes que os documentos oficiais: desde o «Quem sou eu para julgar?», passando pelo lava-pés às mulheres e aos muçulmanos, até à participação, em 2025, no Festival de Sanremo através de uma mensagem vídeo. Há quem diga que, desta maneira, o Papa Francisco «humanizou» o papado; na realidade trivializou-o e mundanizou-o. Não foi a pessoa de Jorge Mario Bergoglio, mas a instituição do papado, que foi rebaixada por estes e muitos outros gestos, que secularizaram a linguagem e os sinais a que a Igreja sempre recorreu para expressar o mistério divino.

Contudo, o primeiro a despojar a Igreja da sua majestade não foi Francisco, mas Paulo VI, a quem se deve a renúncia à tiara, que, a 13 de Novembro de 1964, depositou no «altar do Concílio», a que se seguiu a abolição da cátedra gestatória, da guarda nobre e da corte pontifícia, que não eram adornos, mas sinais da honra devida à Igreja Católica Romana enquanto instituição humano-divina, fundada por Jesus Cristo. Neste sentido, o pontificado de Francisco não representa, como alguns pensam, uma «ruptura» com os seus antecessores; antes surge como o cumprimento de uma linha pastoral introduzida pelo Concílio Vaticano II, cuja rota Bento XVI tentou inverter parcialmente.

A exortação apostólica Amoris lætitia, de 19 de Março de 2016, criou indubitavelmente uma situação de desorientação, devido à sua abertura aos divorciados recasados e aos casais em situação «irregular»; o Documento sobre a Fraternidade Humana, assinado com o Grande Imã da Mesquita de Al-Azhar a 4 de Fevereiro de 2019, foi mais um passo no caminho do falso ecumenismo; o incentivo à imigração, a promoção da agenda global, a proclamação da «sinodalidade», a discriminação dos tradicionalistas, a possibilidade de abençoar uniões homossexuais e a possibilidade concedida aos leigos, e às mulheres, de assumirem a liderança de dicastérios são acontecimentos que provocaram reacções legítimas no mundo católico. Foi, em parte, graças a esta resistência que os objectivos dos bispos progressistas – a ordenação diaconal de mulheres, o casamento dos padres e a atribuição de autoridade doutrinal às conferências episcopais – não se concretizaram durante o pontificado do Papa Francisco, desiludindo os seus mais fervorosos apoiantes. Mas o aspecto mais revolucionário do seu pontificado continua a ser a sucessão de palavras e actos que transformaram a percepção pública do primado de Pedro, mundanizando-o e enfraquecendo-o.

Fecha-se aqui uma era e perguntamo-nos como será a nova era que se abre. O próximo papa poderá ser mais conservador ou mais progressista do que Francisco, mas não será bergogliano, porque o bergoglianismo não era um projecto ideológico, era um estilo de governo, pragmático, autoritário e muitas vezes deixado à improvisação. Também devido a esta falta de legado, as fortes tensões e polarizações que se desenvolveram durante o governo de Francisco poderão explodir já durante o conclave.

Recorde-se também que Francisco proclamou um Ano de São José em 2021; consagrou a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria em 25 de Março de 2022; dedicou a sua quarta encíclica, Dilexit nos, de 24 de Outubro de 2024, ao culto do Sagrado Coração de Jesus – tudo gestos em linha com a espiritualidade tradicional da Igreja e muito diferentes do culto pagão da Pachamama, à qual, no entanto, o Papa prestou homenagem no Vaticano. A era bergogliana caracteriza-se, pois, por algumas contradições. Assim, por exemplo, Francisco negou o título de Co-redentora a Nossa Senhora e chamou-lhe «mestiça» do mistério da Encarnação, mas no seu testamento escreveu que sempre confiou a sua vida e o seu ministério «à Mãe de Nosso Senhor, Maria Santíssima», razão pela qual pediu que os seus restos mortais «repousem, à espera do dia da ressurreição, na Basílica Papal de Santa Maria Maior»: «Desejo que a minha última viagem terrena termine neste antiquíssimo santuário mariano, onde fui rezar no início e no fim de todas as minhas viagens apostólicas, entregando confiadamente as minhas intenções à Mãe Imaculada e agradecendo-lhe a sua dócil e maternal solicitude».

À Santíssima Virgem Maria confiamos a sua última viagem, enquanto a Igreja enfrenta um momento de extraordinária gravidade e complexidade da sua história. E é a ela, a Mãe do Corpo Místico de Cristo, que confiamos hoje todas as nossas esperanças, na certeza de que aos dias de sofrimento da Igreja se seguirão em breve os da sua ressurreição e da sua glória.

Professor Roberto de Mattei, publicado em português em atrevimentos.pt


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10 comentários:

Anónimo disse...

Tanta Sacralidade...para quem defendeu tão arduamente o " humanismo !"
Mas uma das grandes características, desta Igreja, não é dessacralizar?
Jesus Cristo, pelo que tenho lido, escolheu homens simples, rudes, alguns ignorantes, mas para nos demonstrar que, através d/Ele e com Ele, se podiam modificar, tornando- se polidos, profundos e, sobretudo, Santos, tal como o Mestre! Tudo foi um processo lento e gradual.
E se, no princípio, eram de vulgar convivência com Ele, com o tempo, aprenderam- principalmente, depois da Ressurreição- a Glorificá - Lo, a Reverenciá - Lo, a Adorá - Lo!..
Tudo teve uma evolução, uma Ascese.
Logo, se a Igreja é o Corpo Místico de Cristo e aprendeu a Reverenciá- Lo, em tudo, porquê andar para trás?
E, depois, o.respeito pela Santa Tradição, tão defendida por Jesus, também passa por aí.
Continuo a rezar, para que tudo tenha sido feito, realmente, por convicção, mesmo partindo de
uma premissa errada, a meu ver, e não por arrogância ou autoritarismo.
" ...se fosseis do mundo...o mundo ama o que é seu; mas vós não sois do mundo..."
Talvez, por isso, o mundo tanto aplauda esse comportamento.

Sebastião disse...

Vocês realmente não compreenderam nada do que foi o papado de Francisco. Até a simplicidade na forma de vestir do Papa querem dar pitaco, como se Deus se apagasse a essas mesquinharias. Não leram o Evangelho, quando Ele crítica os vistosos mantos dos fariseus e como eles se apegavam a esse esteticismo? Papa Francisco não quis parecer simples e humilde: ele viveu isso desde quando ela um simples prelado em Buenos Aires até o seu descanso num túmulo simples em Santa Maria Maggiore. Ele não é perfeito, certamente cometeu erros, mas nunca deixou de amar a Igreja e seu povo. Vocês são isso aí mesmo que vemos no texto: farisaísmo barato, desrespeito ao Santo Padre e espírito CISMÁTICO. Uns pobres coitados.

Anónimo disse...

O problema dos Fariseus estava na vaidade, no culto da superioridade e na vida dupla ou hipócrita, que levavam, firmando- se mais no aspecto
exterior, enquanto o coração estava cheio de rapina.
Até porque, nada foi feito ao acaso: cada pormenor dos paramentos tem um significado Sagrado. E aí, penso eu, é que está a riqueza!
Jesus, como homem, vestia simples e de forma desprendida, mas cheio de dignidade, segundo algumas Obras literárias conhecidas, mas depois de Ressuscitado e como Deus, o Seu aspecto é Glorioso.
E os paramentos também só são usados nas cerimônias litúrgicas, onde Deus é Glorificado e Adorado de forma explícita!
Simplicidade não é sinonimo dr vulgaridade nem falta de Reverência!
Já conheci vários Papados ao longo da minha vida, desde Pio XII, embora muito criança, e acho que todos eram simples e afáveis. Agora, vidas duplas e corrupção é outra coisa e, para isso, tolerância zero!

Anónimo disse...

Farisaismo, segundo Jesus, significa hipocrisia, vida dupla...e não defender a pureza da Mensagem, na Palavra de Deus, como os fariseus, que pregavam uma coisa e faziam outra!
" Fazei o que eles dizem, mas NÃO o que eles fazem!:- dizia Jesus
Mas, hoje, é o contrário. Tudo é aceite, tudo é relativo, tudo é natural...e Deus aceita- nos, como somos, sem necesdidade de CONVERSÃO!
Hoje, temos que ter medo dos que assim falam e nos dizem que não há necessidade de MUDANÇA: Inclusão !
Quero acreditar e rezo para isso, que o Papa Francisco somente quisesse a Salvação de todos, mas NUNCA pela subversão da Verdade!
Aí, só Deus o pode julgar!
E se o mundo o aplaude, não é pela FIDELIDADE à Palavra de Deus, mas sim, pelo facilitismo, que muitos depreendem da sua postura, nem sempre: " sim, sim; não, não" ...como Jesus EXIGE!
Como pode o mundo ser Salvo, sem Conversão, Mudança?!
A guerra continua, a promiscuidade idem, a corrupção...enfim: "tudo ao molho e fé em Deus!"
E mais, ninguém quer o mal dos outros, porque, infelizmente, TODOS temos casos, que precisam de perdão e CONVERSÃO na família, nos amigos...e em nós mesmos, mas isso NUNCA pode ser justificação para mudar AQUILO que Jesus sempre disse ser IMUTÁVEL: A Sua Palavra!
Conversão, Conversão, Conversão...Penitência, Penitência, Penitência...e ORAÇÃO, ORAÇÃO, ORAÇÃO!..



Anónimo disse...

Relativamente, à Sacralidade dos Sacramentos, vou descrever novamente, aqui, o que presenciei, em Fátima, durante a preparação duma Via Sacra, nos Valinhos.
Um grupo da minha paróquia estava reunido, conversando juntamente com o padre, antes da cerimônia.
Nesse grupo, encontrava- se uma amiga, que estava a ser tratada por um exorcista, por causa de problemas espirituais.
Tudo corria normalmente e em paz, até que o Sacerdote colocou a Estola, para iniciar a Via Sacra. De imediato, essa amiga de educação esmerada torna- se agressiva e vira- se para o padre chamando- lhe: "filho da p...!"
Depressa tudo foi feito para acalma- la ao mesmo tempo que ela se sentia completamente desfeita...pois tudo isso não vinha dela...
Agora pergunto: o que suscitou tanto ódio e em quem?!
Contudo, a MAIORIA dos padres , hoje, confessa e celebra sem Estola...


Anónimo disse...

Em cima, ressalvo: Sacralidade dos" paramentos".
Peço desculpa.

Anónimo disse...

gostei

Anónimo disse...

bro, só porque o padre colocou a estola um momento antes de ser insultado, não quer necessariamente dizer que o insulto tenha sido por causa desse paramento, acho muito mais provável ter acontecido isso porque o padre ia dar incio à via sacra. a historia é gira, mas não me parece ser argumento para esta conversa...

Anónimo disse...

Sem dúvida, e agradeçamos o dom que foi termos tido o Papa Francisco! Partilho uma opinião extremamente válida e concisa nos dias que correm e de quem há muito aborda de perto temas extremamente pertinentes e atuais: http://eupadre.blogspot.com/2025/04/agradecamos.html?m=1

Anónimo disse...

Respeito a sua opinião .
Porém, sempre me ensinaram que o demônio não adivinha, interpreta sinais, porque ele não tem acesso ao nosso interior, e mais, se estivermos em Deus.
Ora, se, até àquele momento, a minha amiga esteve sempre calma, e não foi por pouco tempo, porquê reagir somente à Estola?
Porque não se manifestou antes?
O local era o mesmo...
E também não houve tempos em que retiraram a Água Benta das igrejas e A desvalorizaram, dizendo que tudo era superstição?
Então, porque, a mesma amiga, quando o exorcista lhe lançava Água Benta, gritava: queima, queima...
Presenciei situações, nessa amiga, durante a sua Libertação, que muito me ajudaram a confirmar muito do que tinha aprendido, através das suas reações...o ódio a Nossa Senhora, quando se rezava a Ladainha:" Ela não é Rainha, Ela não é Rainha...das virgens? Ah, ah, ah...Agora não há virgens!
O ódio que demonstrava, até, somente à presença da Custódia, sem o Jesus Sacramentado, rindo sarcasticamente, apontando para ela e fazendo troça...
Enfim, um sem número de sinais, que, para quem tivesse dúvidas, ajudariam a confirmar a Fé...
Mas tudo isto, debaixo de um.ambiente de terror. Se não fosse a Confiança em Deus, o medo seria horrível!