segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Sonhámos uma família dedicada ao combate à pobreza e à exclusão

Paula e Javier Calderón, ambos do Opus Dei, estão casados há dezanove anos e têm sete filhos: Maria, Mónica, David, Rodrigo, Marta, Pablo e Clara. A Maria tem 18 anos e a Clara tem 3. Licenciados em Direito, trabalham numa Instituição Privada de Solidariedade Social por eles fundada. 

– Como se conheceram?

PAULA: Foi no Verão de 1991. Tínhamos os dois 21 anos. Conhecemo-nos numa acção de voluntariado no Centro de Deficientes Profundos João Paulo II, em Fátima. Tratávamos das crianças, jovens e adultos internados nesse Centro. O Javi vinha através de um centro do Opus Dei de Sevilha com mais 8 rapazes. Eu, que atravessava um período de crise existencial, aceitara a sugestão de um irmão meu, numerário do Opus Dei, para fazer voluntariado durante duas semanas. No final de um Verão cheio de aventuras, com inter-rail pela Europa fora, depois de um exame na Faculdade, em Setembro, peguei na mochila e arranquei para a solidariedade.

Conheci o Javi e digamos que foi “amor à primeira conversa e às primeiras gargalhadas”. Passados três dias começámos a namorar. Por motivos logísticos e económicos só casámos cinco anos depois. Desde o princípio soube que ele era o homem da minha vida. Foi um longo namoro com 600 km de distância pelo meio.

JAVIER: Era a primeira vez que ia a Fátima. Nunca pensei que a Virgem me tivesse preparado este presente. Casámo-nos onde nos conhecemos, na bonita Igreja paroquial de Fátima e desde então vivemos em Lisboa. Trabalhamos naquilo com que há muito sonhávamos e para o que sentíamos uma vocação específica: o combate à pobreza e à exclusão social. Fundámos uma Instituição Particular de Solidariedade Social com o objectivo de ajudar as famílias mais pobres de alguns dos bairros mais problemáticos de Lisboa.

PAULA: Sim, já no namoro combinámos que iríamos dedicar-nos aos mais desfavorecidos. Não sabíamos era como. Cada um no seu país desde os tempos da Universidade fazia voluntariado organizado por centros do Opus Dei. Depois de casarmos fundámos a Associação Emergência Social, e eu, após 3 anos a dar aulas, trabalhar numa sociedade de advogados e outras experiências profissionais acabei por me juntar ao Javi. Deitámos mão de todos os meios e com a ajuda de Deus vamos conseguindo financiamentos para tentar ajudar as pessoas de forma eficaz e ao mesmo tempo manter a nossa família. 

Procuramos ajudar pessoas carenciadas económica, afectiva e socialmente. Ocupo a maior parte do tempo no apoio jurídico a esta população e a coordenar o chamado “atendimento materno-infantil”: apoio a grávidas e mães solteiras. O objectivo último de todas as actividades, quer com as crianças e jovens, quer com as famílias, é estabelecermos relações de amizade que nos permitam ajudá-los a tomarem opções de vida melhores. 

– E o Opus Dei, como o conheceram? 

JAVIER: Conheci a Obra em Sevilha, num colégio onde havia uma escola de futebol. Nunca tive preconceitos em relação ao Opus Dei. Lembro que S. Josemaria ainda nem sequer tinha sido proclamado beato e eu não tinha dúvidas de que era santo. Notava que as pessoas da Obra se interessavam pelos outros e de uma árvore boa não podem sair frutos maus. 

PAULA: As primeiras impressões não foram muito boas. Eu tinha 14 anos, estava numa fase de plena rebeldia e espírito de contradição. Os meus pais increveram-me num clube para liceais onde a formação doutrinal e religiosa está confiada ao Opus Dei. Ia lá aos sábados. Habituada a fazer o que me apetecia, não gostei nada daquelas actividades todas organizadas e do que achava “uma série de regras chatas”. Portei-me pessimamente e a directora (de quem hoje sou muito amiga) “convidou-me a sair” do clube. 

Já universitária, regressei por minha livre vontade, a convite daquela mesma numerária, para fazer um trabalho de voluntariado social na Charneca do Lumiar. O contacto com o sofrimento, e o facto de estar a dar-me aos outros levou-me a um desejo de me aproximar mais de Deus. Aproveitava todos os meios de formação que me propunham. Sentia-me como peixe na água. As pessoas da Obra eram muito acolhedoras e interessadas por mim, pelos meus exames e problemas. Sempre bem dispostas. Estudava no clube e divertíamo-nos imenso sem necessidade de criticar ninguém nem ter conversas de baixo nível como acontecia noutros círculos de amigos. Nas tertúlias contavam-se coisas divertidas e edificantes. 

Achei que no Opus Dei se vivia com muita alegria porque as pessoas rezavam, estudavam, preocupavam-se pelos outros e divertiam-se. E... dava tempo para tudo isso! 

– Porque pediram a admissão? 

PAULA: Pouco a pouco fui fazendo as mesmas práticas de piedade que faziam as pessoas da Obra. Sentia-me imensamente feliz com a minha nova relação com Deus. Comecei a ter o desejo de que as pessoas minhas amigas também pudessem conhecer tudo aquilo. No entanto faltava qualquer coisa, senti que Deus me pedia uma maior entrega, e depois de Lhe pedir muitas luzes vi claramente o meu caminho: no Opus Dei, como supranumerária. 

JAVIER: Pedi a admissão no Opus Dei porque Deus me livrou de uma adolescência complicada. ”Libertou-me das garras do leão”, como diz S. Paulo. Conheci Deus no ambiente da Obra e quis entregar-me a Ele. Senti de um modo muito forte que a minha vida Lhe pertencia. Voltaria a ser do Opus Dei se nascesse de novo. 

– Não é difícil ganhar a vida com o vosso trabalho profissional, ainda por cima com uma família numerosa? 

JAVIER: Quem pensa assim, não leu o Evangelho. 

PAULA: Claro que é difícil ganhar a vida com este trabalho profissional. Estamos sujeitos à vontade política dos governos de ajudar ou não, às contingências orçamentais, à generosidade dos donativos particulares, à abertura de projectos aos quais nos possamos candidatar e à aprovação ou não dos mesmos, etc... Com a agravante de que os dois ganhamos da mesma fonte. Mas até agora tudo tem corrido bem, embora muitas vezes com a corda na garganta. Como já disse, este trabalho foi uma opção de vida. Sabíamos os riscos que corríamos. Embora logicamente a nossa família esteja em primeiro lugar, se algum dia não tivermos outra opção senão procurar outro trabalho para a manter, fá-lo-emos sem hesitações. 

O facto de serem vários irmãos, por enquanto ainda não pesa muito no orçamento familiar. Frequentam um colégio público espanhol onde não pagamos nada, nem sequer alimentação e transporte já que moramos perto da escola e eles levam comida de casa. Além disso, os nossos pais oferecem roupa aos netos e os nossos amigos emprestam-nos da que já não precisam e vamos aproveitando de uns para outros. 

– Além disso ainda ajudam financeiramente o Opus Dei? 

PAULA: A minha contribuição é muito pequena, em função dos nossos rendimentos. Gostava de poder ajudar mais, sei que é um dinheiro muito bem aplicado: reverte directa ou indirectamente em instrumentos apostólicos que permitem às pessoas aproximarem-se de Deus, que é a maior ajuda que se pode dar a alguém. 

JAVIER: Sim, damos uma contribuição conforme as nossas possibilidades. Ao formar parte da Obra, formamos parte de uma grande família sobrenatural mas com necessidades materiais como em todas as famílias. Acho que devo ajudar não só para aliviar a carga como também para incrementar os meios apostólicos. 

– Como reagem os vossos amigos quando se apercebem que pertencem ao Opus Dei? Parece-lhes acertada a ideia que têm da Obra? 

PAULA: Há pessoas que se afastam quando o sabem. Talvez se deixem influenciar pelo que ouvem e lêem por aí, na maior parte das vezes meias-verdades ou mesmo grandes estupidezes. Mas os verdadeiros amigos não só se mantêm fiéis como têm curiosidade em saber o que é o Opus Dei, estão abertos a saber mais coisas de fonte segura. E ao darem-se conta da minha forte relação com Deus, acabam por ter curiosidade em conhecer os meios que me ajudam nesta procura de Deus. 

JAVIER: Nunca me importou a opinião dos outros sobre mim. Graças a Deus tenho poucos respeitos humanos e bastante liberdade interior neste aspecto. Não obstante, noto que os meus amigos gostam da Obra de um modo ou outro porque através da nossa amizade conhecem-na naturalmente e vêem que é uma coisa boa. Dentro dos que não são amigos mas simplesmente conhecidos, há de tudo. 

– Todos os dias ir à Missa, rezar o Terço, reservar um tempo para a meditação, ler o Evangelho... Ainda lhe sobra tempo para estar com os filhos? 

JAVIER: É uma questão de ordem, de ter uma escala de valores e um pouco de sentido comum: como se ama mais uma família, estando perto ou longe de Deus? Para mim, esses meios espirituais são necessários para aprender a amar os meus filhos e para que Deus me transforme. Nós, os cristãos, acreditamos num Deus vivo que através da graça eleva a criatura. Não é esta que se eleva a Deus pelas suas próprias forças e se liberta da escravidão do mal. Quem não passa tempo com os seus filhos – bastante tempo –, não é bom pai e Deus não gosta disso. Portanto, é o próprio Deus que me impulsiona a dedicar mais tempo aos meus filhos como Ele, sendo Pai, mo dedica em cada instante. 

PAULA: Acho que nem Deus me tira tempo para estar com os meus filhos nem os meus filhos para estar com Deus. Muitas vezes rezo com eles por perto, sobretudo os mais pequenos, vigiando os seus jogos, dando de mamar à mais pequena. As mais velhas sabem que a mãe de vez em quando está a fazer oração ou leitura espiritual e dizem “Mamã, quando acabares de rezar...” Respeitam perfeitamente. Outras vezes são elas que me pedem para rezar o terço comigo.

Já cheguei a estar muito cansada e então lia vidas de Santos para crianças ao fim do dia, enquanto contava a história da noite aos meus filhos. Às vezes fecho-me um pouco no quarto para rezar, e depois estou com muito mais força e carinho para estar com eles. Respondendo à pergunta, o tempo que dedico directamente a Deus reverte a favor dos meus filhos. Se tenho pouco tempo para estar com eles é por outros motivos. 

– Se tivessem apenas um ou dois filhos talvez sobrasse mais tempo para vocês e teriam uma vida económica mais desafogada. Que vantagens tem o vosso estilo de vida? 

PAULA: Muitas. Esta vida económica pouco desafogada é uma grande escola para nós e para os nossos filhos, faz-nos crescer o facto de não irmos a correr satisfazer as nossas vontades, mesmo se legítimas e até as que não são nada supérfluas. O que não quer dizer que não procuremos mais meios económicos. O facto de serem vários irmãos é uma riqueza enorme para eles. Claro que às vezes gostava de ter mais tempo para mim e sobretudo para estar com o meu marido sozinha, mas também quando temos oportunidade de sair os dois aproveitamos imenso e é uma festa. Actuamos assim por convicção e não porque haja mais ou menos “vantagens”. Não há nada que se compare com a alegria de pôr mais uma criança no mundo. 

JAVIER: Penso que os filhos não são acessórios do casamento. Desempenham um papel fundamental no seu funcionamento. Hoje muitas mulheres experimentam um sentimento de culpa por não terem tido mais filhos além do casalito. Uma família numerosa leva ao esquecimento próprio e a dar-nos uns aos outros que é o que dá sentido à vida. Não é o dinheiro ou o lazer o que nos dá felicidade. Sim a entrega a uma causa, a alguém, isso é o que merece a pena. Quem não o entender, mais cedo ou mais tarde cai num vazio existencial e não encontra sentido para a sua vida familiar. 

– O que é a mortificação no vosso caso? 

PAULA: Sinceramente sou uma pessoa muito pouco mortificada. Tento fazer pequenas coisas nos campos que mais me custam e oferecê-las a Deus. Quase tudo tem a ver com o cumprimento do meu dever. Por exemplo, arrumar a cozinha mesmo quando é tarde, não interromper uma tarefa para fazer um telefonema, colocar qualquer coisa no seu sítio e outras pequenezes do género. 

JAVIER: Penso que a mortificação é a forma mais autêntica de demonstrar amor desinteressado a Deus e aos outros. Penso que é sempre algo positivo: é falar menos para que os outros falem mais, dedicar a uma pessoa um tempo que nos custa dar, fazer um pouco de oração mesmo quando não nos apetece. Enfim, é mostrar com obras que amamos. A mortificação também é necessária para conseguir o domínio necessário do espírito sobre o corpo, para este não ser um obstáculo à vontade. Por exemplo, negar pequenos gostos ou fazer sacrifícios como levantar-se a hora fixa, mesmo quando o corpo não quer obedecer, estudar sem ganas, etc. Pequenas mortificações que ajudam a fortalecer a vontade. No fundo, é uma questão de amor, pois é através da vontade que amamos. Através da mortificação, criamos condições para amar mais e melhor. 

– Lembram-se de uma frase de S. Josemaria que mais os toque? 

PAULA: “Enamora-te e não O deixarás” e o prático conselho de D. Álvaro, o primeiro sucessor de S. Josemaria, que fazia o trocadilho: “Não O deixes e enamorar-te-ás”. Há outras que luto por viver todos os dias:”Faz o que deves e está no que fazes”, “quando não puderes dizer bem cala-te” e “por vezes o maior sacrifício é um sorriso”. 

JAVIER: “A minha cela é a rua”. É uma frase de que sempre gostei e que tem muito a ver comigo. Amar a Deus no meio da rua e aí ter espírito contemplativo, é uma coisa maravilhosa.

in opusdei.pt


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1 comentário:

Anónimo disse...

espectacular familiar.
Um grande exemplo de amizade e dedicação aos filhos e aos outros