terça-feira, 28 de novembro de 2017

Carta dirigida por dezenas de fiéis ao Sínodo Diocesano

Há 1 ano estava prestes a começar o Sínodo Diocesano 2016 do Patriarcado de Lisboa. Aproveitando a recomendação que a Igreja faz para que os leigos apresentem propostas concretas aos seus Pastores, um grupo de fiéis escreveu uma carta dirigida ao Sínodo. O grupo era constituído por várias dezenas de pessoas, das mais variadas profissões como diplomatas, médicos, professores, advogados, engenheiros, e também muitos estudantes de diversas áreas. 

Na esperança que esta carta possa servir para o bem espiritual dos católicos em geral fica aqui publicada 'ad perpetuam rei memoriam'.


Lisboa, 27 de Novembro de 2016

Eminência Reverendíssima, Senhor D. Manuel Cardeal Clemente, Patriarca de Lisboa,
Excelências Reverendíssimas, Senhores Bispos Auxiliares de Lisboa,
Reverendos Padres,
Excelentíssimos Senhores,

Laudetur Iesus Christus!

Começam neste dia 27 de Novembro do ano de 2016, primeiro Domingo do Advento, os trabalhos do Sínodo Diocesano da nossa diocese de Lisboa. É uma data que não chega imprevista, e que vem sendo preparada com a oração de todos. Fruto dessa oração, e procurando corresponder àquilo que o Senhor Jesus suscita nas nossas vidas, este grupo de fiéis decidiu dirigir ao Venerando Sínodo as palavras que se seguem.

Cumpre, primeiro, uma introdução sobre os subscritores desta carta. Somos mulheres e homens leigos, jovens e adultos, solteiros ou casados, de várias paróquias do Patriarcado de Lisboa, que têm em comum o facto de fazerem uma experiência de Fé comprometida, iluminada pela Tradição da Igreja.

Foi em atitude de esperança orante que recebemos o Documento de Trabalho (doravante, “DT”), datado de Julho de 2016, que expõe as principais conclusões dos grupos de trabalho preparatórios do Sínodo e, como tal, determinará o tom dos trabalhos conclusivos. Escrevemos esta carta movidos por grande amor à Igreja Universal, e à nossa Igreja de Lisboa, e cientes da grande responsabilidade que como leigos também temos no destino desta, em particular conscientes da permissão canónica dada aos leigos de «expor aos Pastores da Igreja as suas necessidades, sobretudo espirituais, e os seus anseios» e do «direito e mesmo por vezes [d]o dever, de manifestar aos sagrados Pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja». Escrevemos, por isso, com filial devoção ao Senhor Patriarca, aos seus Bispos Auxiliares, ao Cabido e Presbiterado da Diocese, e com fraterna caridade para com todos os nossos irmãos em Cristo Jesus.

O Sínodo decorre sob o mote «O sonho missionário de chegar a todos», retirado da exortação apostólica Evangelii Gaudium do Santro Padre, o Papa Francisco. É certamente louvável e cristão sonhar com a verdadeira catolicidade da Igreja, isto é, que a Santa Madre, Nossa Mãe, tenha no seu seio todos os homens à face da Terra. Mas mais ainda, corresponde à esperança cristã a ideia certa de converter toda a Terra, mandada por Jesus quando disse aos discípulos «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19). Por isso, bem entendido, o sonho missionário de chegar a todos é o desejo sincero de dar a conhecer a todos Cristo, para que se salvem.

Assim se há de «escutar o mundo e olhar a Igreja» (DT, I.). Escutar o mundo para auscultar as suas necessidades, os seus gritos de desespero pela distância face a Deus e pela ignorância da invencível misericórdia que é a conversão à vida da graça. Jesus avisou-nos que no mundo haverá tribulações (Jo 16, 33), daí almejarmos o Céu e sermos peregrinos na Terra, exilados enquanto não chegamos à Jerusalém celeste. É por isso fundamental que fique em tudo sempre claro que «os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo». Haverá então que escutar o mundo para o resgatar para Cristo, e não para nos mundanizarmos. Foi aliás este estar no mundo sem ser do mundo que permitiu aos Cristãos, ao longo dos séculos, conviver com todas as culturas e tradições, instaurando tudo em Cristo.

Esse grupo de peregrinos é, de facto, a Igreja numa das suas manifestações clássicas, de Igreja Militante. Não se pode, portanto, olhar a Igreja sem esquecer a Igreja Triunfante que por nós vela no Céu, e a Igreja Padecente que conta com os nosso méritos e intercessão para abreviar o tempo de purga. As três Igrejas – se assim se pode dizer – são no conjunto o Corpo de Jesus, do qual Cristo é a cabeça. Somos por isso constantemente convidados a tornar visível esse Corpo através de uma unidade real, com a Verdade como cabeça, que expresse uma própria catolicidade, unidade que não se há de verificar apenas no agora, mas que contempla unidade com todo o passado eclesial e com o futuro. Destarte, não podemos chamar-nos Igreja Corpo de Cristo se formos uma comunidade irreconhecível para os nossos antepassados, e que julga possível tornar--se irreconhecível aos futuros cristãos. 

É por isso fundamental que pulse neste Corpo uma identidade eficaz em fazer reconhecer, aos cristãos, que comungam todos da mesma Fé. Tal nunca foi problemático para a Igreja: a Tradição, unida ao Magistério e à Escritura, sempre foi a forma privilegiada de garantir sem dúvidas que os cristãos trilham o mesmo caminho que foi trilhado pelos seus antepassados, numa cadeia cronologicamente referenciada a’O Caminho, como de Si próprio disse ser Cristo. Parece-nos por isso de grande relevância que o Sínodo contemple qual o valor dado hoje à Tradição na nossa diocese.

Estamos em crer que o alheamento da Tradição provocou as reconhecidas, entre os fiéis, «debilidades quanto à sua iniciação à oração e à vida sacramental» ou «dificuldades em passar da catequese de infância a uma opção de vida cristã assumida e amadurecida; fragilidades em comunicar a alegre experiência do seguimento de Cristo» (DT, §17). A Tradição da Igreja é rica em formas de enraizar hábitos de oração, como o Santo Rosário, e em criar uma rica vida sacramental, pela activa e devota participação na Santa Missa. Com efeito, a experiência tem provado que é necessário incrementar uma activa adesão espiritual aos Mistérios Sagrados, que ultrapassa em muito a actividade física dos leigos envolvidos na Eucaristia, e que propõe a cada vez maior identificação com Cristo.

Outrossim, a Tradição da Igreja contém um manancial de doutrina formadora e conformadora da alma. Apoiando-nos no projecto patriarcal de conferir a Crisma na idade púbere, convém que a administração deste sacramento signifique uma verdadeira idade adulta da alma. Ora, como tal, a catequese tem de ser o móbil desse amadurecimento, pelo que será bom ponderar até onde é útil manter um estilo catequético infantil e que priva as crianças e jovens das verdades da Fé.

É por isso incompreensível que soluções testadas para problemas de sempre sejam negligenciadas, e por isso pedimos ao Venerando Sínodo que tenha em devida conta o valor da Tradição na vida da Igreja.

Em particular, não nos podemos esquecer da espiritualidade litúrgica que formou tantos santos e incontáveis gerações de cristãos, a qual o Papa Emérito Bento XVI restaurou ao seu devido lugar pelo Motu Proprio Summorum Pontificum (2007), que está ainda longe de realizar na nossa diocese. Em toda a Europa se tem assistido a um revitalizar da devoção eucarística e da frequência dos sacramentos, aliadas a um compromisso efectivo com a vida da graça e concretizadas em copiosos frutos de famílias santas e vocações abundantes, pelo convívio das duas formas do Rito Romano. 

Assim, gostaríamos de propor ao Sínodo que considerasse a possibilidade de, generosamente, concretizar os desejos do Papa Emérito, especialmente aos Domingos, o dia do Senhor. É especialmente relevante que, numa diocese com a vastidão geográfica do Patriarcado, a Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano possa estar disponível em algumas igrejas facilmente acessíveis pelos fiéis, e em horários que respeitem os ritmos próprios da vida familiar, de trabalho e de estudo.

Mais ainda, julgamos crucial escutar os apelos do Santo Padre Francisco, e tornar o sacramento da confissão mais disponível em toda a diocese, ministrado por sacerdotes com recta formação moral e humana, e com provada vida espiritual, que sejam imagem de Cristo, Rei de Misericórdia.

Finalmente, é importante salientar que apenas construindo a ponte entre o que sempre foi a Igreja, na sua liturgia, na doutrina entregue aos e pelos apóstolos e transmitida pela sucessão do depósito da fé, e na moral, podemos fazer Cristo reinar no coração de todos. Assim, poderemos actualizar a Igreja naquilo que ela sempre foi. Como diz o DT, «Só encontrando-se com a verdade do que é e tem sido a sua ação poderá esta “porção do Povo de Deus” encetar os caminhos novos que os desafios atuais lhe pedem e a que o Espírito de Deus a quer conduzir».

Asseguramos todos os que participam no Sínodo das nossas constantes orações pelos bons frutos.


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3 comentários:

francisco disse...

"Laudetur Iesus Christus!", "iluminada pela Tradição da Igreja", "sonhar com a verdadeira catolicidade da Igreja", "converter toda a Terra", "instaurando tudo em Cristo", "Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano" porquê a dificuldade de dar atenção e colocar em prática aquilo que faz parte e até define a Igreja?

Da constituição sinodal (6): "a Igreja de Lisboa não se posiciona como observadora externa e crítica do mundo, mas como comunidade que com ele partilha muitas das suas luzes e sombras, propondo a vivência do Evangelho como caminho para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna."

O problema está aqui, na base, tentem conciliar o estar no mundo para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna com o converter toda a Terra instaurando tudo em Cristo.

Parece ser pretendido estar no mundo não para o converter mas para o tornar um local melhor, ou que a conversão é sermos melhores pessoas que criam um mundo melhor.

E no ponto 4 vem indicado "«Deus viu que era bom»...estas palavras...interpretam o olhar com que Deus sempre olha o mundo em cada tempo e, portanto, também no nosso".
Onde está aqui o pecado original e a necessidade da redenção?

O problema parece ser de princípio, meio e fim.
É necessário colocar as questões: em que acreditam? Que Evangelho anunciam? E com que fim?

Obrigado por partilharem a carta.

João Constantino disse...

Muito católicos... se fizerem a vossa vontade, né?

francisco disse...

João Constantino, a dúvida com que se fica é realmente essa, faz-se a vontade de quem?

Converter toda a Terra instaurando tudo em Cristo parece ser claro de Quem vem a vontade, agora "construção de uma sociedade mais justa e fraterna" é realizar a vontade de quem?

E dar a entender que o mundo da criação antes do pecado original é igual ao mundo após o pecado original é fazer a vontade de quem?

É como o querigma, está este em conformidade com o mandato "fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir TUDO quanto vos tenho mandado"?
Se é importante fazer um primeiro anúncio quando é que nos fazem o segundo com o restante?
Para se reflectir um pouco: https://akacatholic.com/kerygmatic-deception/

O que é pedido na carta não é uma questão de gosto.
Deve existir a humildade de se reflectir nos resultados, está a resultar?
Qual o destino dos baptizados que vivem indiferentes como se a Igreja ou Deus não existisse (Mateus 3,7-12)?