quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Nulidade de casamento ou divórcio?

A jornalista Isabel Stilwell escreveu um texto com o título: 'Da impossibilidade de reverter casamentos'. A autora manifesta a sua perplexidade em relação à declaração de nulidade de um casamento canónico (vulgo "na Igreja") enquanto defende que todos deveríamos apenas admitir que aquele casamento chegou ao fim e seguir em frente.

Esta é uma visão muito comum nos nossos dias. As pessoas acham normal que se recorra à separação e divórcio quando acabou o "amor"* ou a "chama" - ou lá como lhe chamam - e que se tenha "outra uma oportunidade para ser feliz", desta feita com outra pessoa. Enquanto isso olham com desdém para qualquer processo de nulidade de matrimónio num tribunal canónico. "Então não se casaram? Eu estava lá e vi! Agora com filhos e tudo é que dizem que não existiu casamento? Isto não faz sentido!"

O consentimento faz o casamento

Por muito comum que seja aquela mentalidade ela está errada. O casamento, seja na Igreja ou fora dela, é feito pelo consentimento. E o que é o consentimento? É o acto da vontade (portanto encontra-se no foro interno) através do qual a pessoa quer casar-se com a outra pessoa que tem ali à frente, e não com outra qualquer, para ter filhos e para o bem da outra pessoa.

Mas se o consentimento é um acto interior - como qualquer acto da vontade - como sabemos que existe mesmo? Porque esse consentimento deve ser expresso exteriormente. Por isso mesmo durante o casamento o noivo diz: "Eu 'Euclides', recebo-te por minha esposa a ti 'Tina', e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida." E a noiva diz a mesma coisa. Presume-se que estas palavras correspondam ao que cada um dos noivos quer mesmo (com a vontade mínima requerida o que não quer dizer que não tenha a mínima dúvida sobre como será o futuro), e daqui se conclui que houve troca de consentimento e por tal um casamento válido. 

Um casamento pode ser nulo

Porém, pode acontecer que algum dos dois não esteja a ser sincero. Pode acontecer que, quando disse aquelas palavras, na realidade estava apenas a querer estar com o outro até morrer aquela Tia que ia deixar tudo em herança ao seu marido/mulher, e depois disso separar-se-ia, já com a sua 'fatia'. Ou então um deles foi obrigado a casar, com ameaças à própria vida ou dos seus familiares mais próximos. Ou um deles já tinha casado há muito tempo noutro país e não tinha dito nada a ninguém. Enfim, a realidade é riquíssima e já aconteceu de tudo um pouco nesta vida. 

Nesse caso, apesar de exteriormente tudo indicar que houve casamento: supostamente trocaram o consentimento (só que não), depois houve a festa e...depois até tiveram filhos. Tudo isto pode acontecer sem existir casamento, basta ver que as pessoas que vivem juntas sem se casar também conseguem ter filhos (não é propriamente difícil perceber como é que isso acontece). O que não pode existir é um casamento sem troca válida de consentimento no momento em que é suposto trocar o consentimento: quando o sacerdote (ou diácono) o pede e recebe durante a cerimónia.

Essa falta de correspondência entre a vontade (de não casar) e as palavras ditas durante o "casamento" (que indicavam uma vontade de casar) pode ser provada exteriormente: seja com testemunhas com quem aquela pessoa falou antes do casamento sobre isso, seja com documento, gravações, etc. Fazendo um processo num tribunal da Igreja, e avaliadas todas as provas, pode chegar-se à conclusão que afinal (e apesar da festa e dos filhos) aquelas duas pessoas não se casaram. Convém dizer que o matrimónio é sempre válido até prova em contrário, por isso cabe a quem diz que é inválido o ónus da prova, de modo a que os juízes cheguem à certeza moral que de facto não existiu matrimónio.

Isto desde que seja bem feito não tem qualquer problema. Trata-se apenas de descobrir a verdade das coisas, que é algo a que todos temos direito. Se realmente não houve casamento as pessoas têm direito a sabê-lo. E se houve, como é mais provável, confirmam que estão ligadas àquela pessoa para o resto da vida.

O divórcio não é solução

E isto leva-nos à questão do divórcio. O casamento é, pela sua própria natureza, indissolúvel, até porque normalmente envolve filhos, que devem ser educados por ambos os pais como exemplo de casal unido. Quer isto dizer que quando duas pessoas trocam o consentimento ficam vinculadas uma à outra. Este vínculo matrimonial vai durar até que uma das pessoas morra, não até que uma das pessoas seja infiel, saia de casa, fique gorda ou doente. Posto isto, o divórcio não é uma opção, não existe. Se uma pessoa sendo casada com outra vive como marido e mulher com uma terceira está a cometer adultério, não há volta a dar. Só se pode estar casado com uma pessoa de cada vez, poligamia não é connosco.

A realidade é bastante complicada, não haja dúvida. Mas a realidade não pode ser moldada a nosso bel-prazer...há coisas que simplesmente são como são. O casamento é indissolúvel, por mais que às vezes desse jeito que não fosse. Por isso mesmo convém escolher bem com quem se casa e casar porque a outra pessoa tem as virtudes necessárias para ser um bom marido ou boa mulher; não apenas porque se sente muita atracção por aquela pessoa, porque a atracção muitas vezes vai e já não volta. E o casamento não vai deixar de existir por causa disso.

*O amor não é um sentimento mas sim um acto da vontade que consiste em querer o bem do outro e estar disposto a fazer o possível (e às vezes o impossível) para que isso aconteça, portanto o amor só acaba quando a pessoa quiser que acabe.

João Silveira


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