domingo, 5 de setembro de 2021

Três questões retóricas sobre o Concílio Vaticano II e a Tradição

A promulgação do motu proprio Traditionis Custodes deu uma nova urgência a um antigo debate sobre a interpretação do Concílio Vaticano II. O Papa Francisco acredita que aqueles que frequentam a Missa Tradicional são propensos a rejeitar os ensinamentos do Concílio. 

Os tradicionalistas, porém, contra-argumentam sugerindo que os ensinamentos do Concílio – particularmente aqueles que retratam a reforma litúrgica – têm sido sistematicamente ignorados. Então voltamos novamente à questão se é que o “espírito do Vaticano II”, frequentemente invocado pelos Católicos liberais, se encontra verdadeiramente em sintonia com o resultado que dele se originou.

É realmente extraordinário, não é verdade, que cinquenta anos após o Concílio, não exista ainda um consenso sobre as intenções dos pais Conciliares? Desacordos relacionados com algumas nuances teológicas seriam compreensíveis, no entanto, este caso situa teólogos competentes em linhas de pensamento diametralmente opostas, ambos citando o Concílio como suporte do seu pensamento. 

Existe um precedente de disputas ferozes no rescaldo de Concílios da Igreja; basta retornar ao Concílio de Calcedónia e relembrar que as suas definições cristológicas culminaram no cismo entre Roma e as Igrejas Orientais Ortodoxas. Mas será que terá alguma vez sido tamanha a disparidade de opiniões sobre as decisões de um Concílio?

Com muito pouca esperança de resolver o velho debate – dado que as opiniões contrastantes se entrincheiraram faz já décadas – deixem-me fazer algumas questões retóricas para que, ao menos, possa ajudar a clarificar a situação que agora enfrentamos.

1. Devemos interpretar os ensinamentos do Vaticano II à luz da Tradição, ou devemos interpretar a Tradição à luz do Vaticano II?

Esta questão é essencialmente aquela colocada pelo Papa Bento XVI, quando decretou a “hermenêutica da ruptura” que levou muitos teólogos a sugerir que o Concílio marcou uma quebra radical com os antigos ensinamentos da Igreja.

No motu proprio, o Papa Francisco argumenta corretamente que um Católico não pode rejeitar as decisões de um concílio ecuménico sem colocar em causa o dogma doutrinal de que o Espírito Santo guia a Igreja nas suas decisões. Mas, seguindo a mesma lógica, um fiel Católico também não pode aceitar a noção de que a Igreja foi mal guiada por séculos; o Espírito Santo também iluminou a Igreja antes do Concílio Vaticano II. 

A “hermenêutica da continuidade” – a crença que o Concílio não podia mudar fundamentalmente os ensinos da Igreja, mas somente clarificar e desenvolver aquilo que já era ensinado – é a única opção de pensamento disponível para um fiel Católico. Portanto, o Concílio deve ser entendido pela prespectiva da constante tradição da Igreja. Se existem passagens nos documentos do Concílio que parecerem conflituar com essa tradição, são necessárias mais clarificações, mais desenvolvimento ou até, possivelmente, simples correções.

2. Será que o Concílio queria aproximar a Igreja do mundo moderno ou queria ser guiada pelo mundo moderno?

O Iluminismo, a Reforma e a Revolução Francesa fizeram a Igreja adotar uma postura defensiva vis-à-vis contra a modernidade. O Papa João XXIII pensou ser necessário sair desse forte eclesiástico, abrindo novas linhas de comunicação com o mundo secular. Contudo, queria ele e queriam os pais do Concílio, que a Igreja medisse o seu sucesso ou as suas falhas de acordo com os critérios desse mundo secular? Certamente que não. Bem pelo contrário, o Concílio exorta os Católicos a transformarem o mundo secular pelo poder do Evangelho.

Hoje, infelizmente, a exortação é sobejamente reduzida para a sugestão de que os Cristãos se devem concentrar nas “boas obras” que a nossa sociedade secular reconhece – em detrimento do testemunho profético que a Igreja oferece quando os Cristãos condenam o mal de uma sociedade que espezinha a dignidade da vida humana.

O que me leva à terceira e final questão retórica.

3. Será que o Concílio proclamou o chamamento universal à santidade ou o chamamento universal de santidade?

Isto é, o Concílio ensina os Cristãos de que estes são chamados a santificar-se e a santificar o mundo à sua volta? Ou ensina que os Cristãos já estão santificados e devem ser encorajados e elogiados em cada acção que empreendem? Será que devemos nós Católicos fazer do mundo sagrado ou reconhecer o mundo como sendo já sagrado?

A demanda pela santidade é uma campanha árdua, por sua vez uma Igreja complacente contentar-se-ia em estabelecer padrões mais baixos para essa santidade, aceitando falhas pessoais e fazendo vista grossa a pequenas transgressões. O leitor pode julgar por si próprio se, por exemplo, o “caminho sinodal” da hierarquia alemã levará à santidade ou à complacência.

Existem realmente alguns tradicionalistas que rejeitam os ensinamentos do Concílio Vaticano II, contudo são muitos mais, submeto, que reconhecem que algo tem corrido seriamente mal dentro da Igreja nas últimas gerações. E se não podemos culpar o Concílio pelos problemas do Catolicismo – porque esses problemas já estavam em evidência antes do começo deste – é também tristemente evidente que o Concílio não resolveu todos os problemas. Portanto, os Católicos mais fervorosos tornam-se para a tradição da Igreja em busca de uma segura fundação para nela contruírem a sua fé.

Phill Lawler in catholicculture.org
(Tradução: Margarida Vilan e Manuel Maia Simões)


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4 comentários:

Wparrini disse...

Obrigado, pôs luz, sobre minha angústia sobre CVII e a tradição.

A. Costa Gomes disse...

Acho que se está a exagerar com a questão da Missa Tridentina. O Papa Francisco deve ter alguma razão para a proibir. Mas será que a proibiu mesmo? Há uns anos atrás era permitido celebrar creio que com autorização do Ordinário e em momentos especiais. Acho evidente que a Eucaristia, celebrada como quando eu era jovem (há 70 anos) nada dizia ao povo de Deus. Claro que havia muito respeito mas nada se percebia do que se estava a passar. Normalmente rezava-se o terço durante a Missa. Penso que isso está errado pois a participação, como hoje se pede, ficava comprometida. Claro que mesmo nesses tempos Deus fez muitos santos. A iGreja é a mesma presidida por Jesus Cristo. Todavia, como pediu o Conc. Vaticano II, a Missa em vernáculo e (coisa tão importante) uma boa homilia farão com que os participantes entendam melhor os mistérios em que acreditam. Tenho pena que se criem atritos onde deve reinar a paz.

Giovanna disse...

O Concílio Vaticano II não está de acordo com a Tradição da Santa Madre Igreja. Simples. Basta ver os frutos.

A. Costa Gomes disse...

Digam-me quais são os "maus" frutos resultantes do conc. Vaticano 2!.