quinta-feira, 7 de abril de 2016

Quem sou eu para julgar? - Cardeal Muller

Amanhã vai ser publicada a nova exortação apostólica do Papa sobre a família, "A Alegria do Amor". Como já dissemos, o Cardeal Muller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu um texto que serve de chave de interpretação para este documento do Papa. Na verdade, pelos conteúdos que abrange, parece até servir de chave de interpretação para muito do que o Papa tem dito até agora.

O Cardeal Muller comenta a famosa frase do Papa Francisco "Quem sou eu para julgar?":
"Aqueles que até agora não têm mostrado respeito pela doutrina da Igreja estão a usar uma frase isolada do Santo Padre, "Quem sou eu para julgar?", tirada de contexto, para apresentar ideias distorcidas sobre a moral sexual, reforçando-as com uma suposta interpretação de um pensamento "autêntico" do Papa neste sentido. 
O tema da homossexualidade que deu origem à questão posta ao Santo Padre está já presente na Bíblia, tanto no Antigo Testamento (cf. Gen 19; Dt 23, 18f; Lev 18, 22; 20, 13; Sab 13-15) e nas cartas de S. Paulo (cf. Rom 1, 26f; 1 Cor 6, 9f), e é tratado como um assunto teológico, ainda que com influências inerentes à natureza histórica da revelação divina. 
Pode-se concluir pela Sagrada Escritura que os actos homossexuais são intrinsecamente desordenados, visto que não procedem de uma complementaridade sexual e verdadeiramente afectiva. Esta é uma questão muito complicada, devido a implicações numerosas que têm sido insistentemente ditas nos últimos anos. Em qualquer caso, a concepção antropológica que se pode concluir da Bíblia implica certas exigências morais das quais não se pode escapar, e ao mesmo tempo um respeito escrupuloso pela pessoa homossexual. Estas pessoas, chamadas à castidade e à perfeição Cristã através do auto-domínio e às vezes com a ajuda de uma amizade desinteressada, vivem uma coisa que "constitui para a maior parte delas um desafio. Têm que ser aceites com respeito, compaixão e sensibilidade. Qualquer sinal de discriminação injusta contra elas tem que ser evitado" (CIC, 2357-2359). 
Para além disso, a somar ao problema levantado pela descontextualização da frase já mencionada do Papa Francisco, dita como um sinal de respeito pela dignidade da pessoa, parece-me evidente que a Igreja, com o seu magistério, tem a capacidade de julgar a moralidade de certas situações. Esta é uma verdade que não pode ser questionada: Deus é o único juiz que nos julgará no fim dos tempos, e o Papa e os bispos têm a obrigação de apresentar os critério revelados para este julgamento final, que é já antecipado hoje na nossa consciência moral.  
A Igreja tem dito sempre "isto é verdadeiro, isto é falso", e ninguém pode interpretar de uma forma subjectiva os mandamentos de Deus, as Bem-aventuranças, os conselhos, de acordo com o seu próprio critério, o seu próprio interesse ou mesmo as suas próprias necessidades, como se Deus fosse apenas o pano de fundo da sua própria autonomia. A relação entre a consciência pessoal e Deus é concreta e real, iluminada pela magistério da Igreja; a Igreja tem o direito e a obrigação de declarar que uma doutrina é falsa, precisamente porque tal doutrina desvia as pessoas do caminho que as leva a Deus.
A começar na Revolução Francesa, nos seguintes regimes liberais e sistemas totalitários do século XX, o objectivo dos ataques principais tem sido sempre a visão Cristã da existência humana e do seu destino. 
Quando a sua resistência não pôde ser vencida, permitiu-se que alguns dos seus elementos ficassem, mas não o Cristianismo na sua substância; o resultado foi que o Cristianismo deixou de ser o critério de toda a realidade, e as posições subjectivistas mencionadas foram encorajadas. 
Estas têm a sua origem numa nova antropologia não-Cristã e relativista que dispensa o conceito de verdade: o homem contemporâneo vê-se a si mesmo obrigado a viver permanentemente na dúvida. Mais do que isso: a afirmação de que a Igreja não pode julgar situações pessoais é baseada numa falsa soteriologia [NT: teologia da salvação], nomeadamente que o homem é o seu próprio salvador e redentor. 
Ao sujeitar a antropologia Cristã a este reducionismo brutal, a hermenêutica da realidade que resulta disto adopta apenas elementos que são do seu interesse ou convenientes para o indivíduo: alguns elementos das parábolas, alguns actos bons de Cristo ou aquelas passagens que o apresentam como um simples profeta do bem-estar social ou mestre da humanidade. 
Pelo contrário, o que é censurado é o Senhor da história, o Filho de Deus, que convida à conversão, ou o Filho do Homem que virá para julgar os vivos e os mortos. Na realidade, este cristianismo meramente tolerado está vazio da sua mensagem e esquece que a relação com Cristo, sem conversão pessoal, é impossível."


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1 comentário:

Michel (Fé em Cristo) disse...

Excelente esclarecimento do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. A Igreja tem dito sempre "isto é verdadeiro, isto é falso", diz o texto do Cardeal Muller.

Sera que o Santo Padre se referiu a isso, quando ele comentou ante-ontem sobre os católicos que dizem: ‘é isso ou nada’, chamando eles de hereges ?