A liberdade está plantada no espírito. Só as criaturas espirituais e racionais são livres. Só o homem tem determinação própria. Porque, dotado de razão, pode assentar os seus próprios projectos e propósitos e escolher os meios de usá-los. Sua suprema liberdade é obtida quando age dentro da lei de seu ser e escolhe dentre as boas coisas com o fim de alcançar o mais completo enriquecimento e a plenitude de sua personalidade em Deus.
A base de nossa liberdade, bem sabemos, é nossa alma racional. Mas existe uma garantia externa de nossa liberdade, já que não somos puramente espirituais, mas porque somos compostos de corpo e alma, matéria e espírito, necessitamos de algum sinal visível e externo de nossa invisível liberdade espiritual. Ou, se o homem é livre porque tem uma alma espiritual, não deverá haver um sinal externo para essa liberdade interna, algo que possa chamar de seu no mundo exterior, assim como chama a sua alma propriedade dentro de si?
Liberdade significa responsabilidade ou domínio de seus actos. Como pode, porém, esta responsabilidade interna melhor revelar-se externamente do que por meio da posse de alguma coisa material sobre a qual se possa exercer controle? O homem é mais livre em seu íntimo, quando possui alguma coisa no mundo exterior que possa chamar de seu, que possa dar cunho a sua personalidade.
Se o homem não possuísse nenhuma coisa que se pudesse tornar responsável, não seria livre nem dentro, nem fora de si. Deem-lhe, porém, alguma coisa que possa afeiçoar à sua própria imagem e semelhança, assim como Deus o fez à sua imagem e semelhança e o homem será economicamente livre. Tal coisa é a propriedade privada.
A propriedade privada, então, é a garantia económica da liberdade, tal como a alma é sua garantia espiritual -- a prova de que é tão livre em seus actos externos quanto em seu foro íntimo; a garantia de que é a fonte da responsabilidade não apenas no que se refere ao que ele é, mas também ao que possui.
O direito à propriedade privada baseia-se na dignidade da pessoa humana e não num privilégio do Estado. O Estado pode confirmar o direito natural, mas em nenhum sentido o cria. O direito à propriedade está, portanto, fundado na natureza humana. Não é o Estado que nos dá este direito. O homem tem esse direito antes do Estado e o Estado não pode destruí-lo sem destruir a natureza do homem.
Pelo facto de a propriedade em suas relações externas ser o sinal da liberdade, é que a Igreja tem feito da larga distribuição da propriedade privada a pedra angular de seu programa social. 'A riqueza, constantemente aumentada pelo progresso económico e social, deve ser distribuída por entre os vários indivíduos e classes de modo tal que seja alcançado o bem comum de todos' (Quadragesimo Anno).
A Igreja, por saber que a propriedade privada é a garantia económica de uma pessoa ou família, luta por ela. Porque renunciar à propriedade é ficar alguém sujeito a outrem. Se renunciar ao meu direito à propriedade, ficarei sujeito, quer:
1 - Ao Estado ou coletividade, como no comunismo;
2 - Ao próximo, como o capitalismo selvagem o quer;
3 - A Deus, como no voto de pobreza (neste caso, ele tudo possui, mas a tudo renuncia, pois nada tem a desejar).
Porque a abolição da propriedade é o começo da escravidão, opõe-se a Igreja ao capitalismo selvagem que encerra a propriedade nas mãos de poucos e ao comunismo, que confisca inteiramente em nome da colectividade.
Profundamente interessada na liberdade do homem, recorre a Igreja a um meio eficaz: sugere-lhe aquilo que o fará livre, isto é, dá-lhe alguma coisa que ele possa chamar de seu.''
Bispo Fulton Sheen in 'O Problema da Liberdade'
1 comentário:
Este texto é muito interessante, não só sob o ponto de vista humano e religioso, mas também sob o ponto de vista político. A tese do bispo Sheen é que sem propriedade privada, sem algo a que possamos chamar de nosso, não há liberdade. Ao mesmo tempo diz que 'a sua [do ser humano] suprema liberdade é obtida quando age dentro da liberdade de seu ser'. Ora, isto pode ser uma contradição. Na realidade, uma pessoa pode nem sequer querer ter propriedade e o bispo Sheen viu isso muito bem no ponto 3 no final do seu texto. Basta-nos lembrar do exemplo de Sta Isabel da Trindade, ainda aqui há pouco tempo apresentado no blog. Só quando o ser humano perde tudo é que talvez encontre Deus. A tese de que o comunismo não defende a propriedade privada é também falsa: aqui em Portugal o PC tem um património privado imobiliário milionário! E nem todo o capitalismo é selvagem. A tese do bispo Sheen serve para quem vive no mundo, serve para quem quer ter uma vida espiritual e ao mesmo tempo ter a segurança que o dinheiro proporciona. Muito bem: essa será a via inteligente de se viver. Não tenho nada contra isso. Duvido é que seja a via para encontrar Deus. É assim que nasce uma doutrina. É assim que o ser humano perde a sua liberdade, na realidade.
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