sábado, 26 de março de 2022

Como se Matam Anjos

 
1. Quando cursava Teologia na Universidade Católica Portuguesa (UCP) assisti a um ciclo de conferências sobre a oração. Uma das palestras foi proferida pelo padre Bragança, um ilustre Professor de Liturgia e de Patrologia. A determinada altura como estivesse citando uma oração de Orígenes que continha uma referência aos Anjos, interrompeu a leitura da mesma, abrindo um parêntesis, para dizer: “bem, os Anjos já não existem; ou melhor mataram-nos…”. Como estalasse uma gargalhada geral provocada pela ironia evidente, dirigida a alguns exegetas e teólogos modernos, o padre Bragança continuou: “os senhores riem-se, mas eu tenho pena. Escusávamos de mentir na Missa quando rezamos ‘os Anjos e os santos proclamam a Vossa glória, etc.’”. E prosseguiu imperturbável a sua exposição. A circunstância de aquela admonição ter sido feita em forma de zombaria não obstou, porém, a que a seriedade da advertência fosse compreendida.

2. A primeira vez a que assisti à matança dos Anjos foi numa aula de Sagrada Escritura sobre o Antigo Testamento. Dos cumes da sua ciência e erudição o professor, um sacerdote, explicava, a nós ignaros, que os Anjos não existiam porque havia referências aos mesmos em textos religiosos do médio oriente anteriores à Bíblia. Foi nessa altura que eu compreendi, com a evidência de uma revelação, que as árvores, as montanhas e o mar também não existiam, pois todas essas realidades eram descritas nos mesmos ou semelhantes textos sagrados.

Mais tarde, um outro sacerdote (daqueles que já leram várias toneladas de livros) que nos ensinava Sinópticos (os Evangelhos segundo Mateus, Marcos e Lucas) decretou que os Anjos eram géneros literários ou recursos da retórica. De modo que, a partir daquele dia alguns seminaristas, cépticos, chalaceavam entre si modificando as palavras do Anjo, no Evangelho de Lucas, “não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus” em “não temas, Maria, pois sou uma figura de estilo”. Os Anjos não seriam pois mais do que uma Fada Boa ou Bruxa Má dos contos dos tempos antigos, sendo que a primeira figura os Anjos bons e a segunda os demónios, anjos caídos.

Já ordenado padre assisti também a prelecções de outros presbíteros que afirmavam peremptoriamente que os Anjos não eram mais do que estados da nossa consciência, projecções fantasmáticas da nossa subjectividade, subtilezas do nosso mundo interior e outras abstrusões semelhantes. Teríamos, portanto, o Anjo reduzido ao superego de Freud.

3. De onde virá esta sanha persecutória aos Anjos é para mim não só um enigma, mas mesmo um mistério, um mistério incluído no Mistério da Iniquidade.

4. S. Francisco de Assis teve sempre uma grande devoção aos Anjos e fundou a sua Ordem precisamente na Igreja da Santa Maria dos Anjos. Esta veneração ardente dos franciscanos pelos mesmos perdurou através dos séculos até há bem pouco tempo. Eu, ainda, tive a graça de ter feito os meus votos solenes no dia dos Arcanjos S. Miguel, S. Gabriel e S. Rafael (29 de Setembro) e desde a minha meninice me foi ensinada a devoção ao Anjo da Guarda.

Ora a existência dos Anjos e dos demónios, como pessoas puramente espirituais, foi declarada solenemente como uma Verdade de Fé (um Dogma) no Concílio Latrão IV, em 1215. A Igreja Mestra da Verdade (Concílio Vaticano II, Dignitatis humanae, 14) raramente recorre a estas declarações solenes. Percebe-se porquê, a relação da Igreja com os seus fiéis é como a de uma mãe com os seus filhos. E seria absurdo um filho sempre que a mãe lhe ensina alguma coisa perguntar insistentemente se jura que é verdade (a comparação é do, então, Cardeal Ratzinger). O normal é acreditar na mãe e aceitar o que ela diz. No entanto, por vezes há circunstâncias em que pela sua importância ou pelos perigos para a Fé que podem advir se torna conveniente ou necessário sublinhar solenemente uma verdade para que termine toda e qualquer querela ou logomaquia. A não-aceitação ou rejeição, a sabendas, por parte de um católico de um Dogma de Fé é um crime de heresia, o qual implica a excomunhão do mesmo.

4. O Catecismo da Igreja Católica ensina: «A existência dos seres espirituais, não corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição. Santo Agostinho diz a respeito deles: “… Desejas saber o nome da natureza? Espírito. Desejas saber o do ofício? Anjo. Pelo que é, é espírito; pelo que faz, é anjo (anjo = mensageiro)”. Com todo o seu ser, os anjos são servos e mensageiros de Deus. … Enquanto criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e vontade: são criaturas pessoais e imortais. Excedem em perfeição todas as criaturas visíveis. O esplendor da sua glória assim o atesta.». (Catecismo da Igreja Católica, 328-330).

Padre Nuno Serras Pereira


blogger

2 comentários:

Maria José Martins disse...



Depois de ler tudo o que o texto, acima apresentado, nos diz, só me resta recordar as palavras de Jesus:(...) "Eu vos digo que, se devessem ser escritas, todas as Minhas ações, todas as Minhas lições particulares, todas as Minhas penitências e orações feitas para Salvar uma alma, seriam necessárias todas as salas de uma das vossas maiores Bibliotecas, onde se pudessem conter todos os livros que falassem de Mim....E, também, em verdade Eu vos digo, QUE SERIA MUITO MAIS ÚTIL, PARA VÓS, JOGAR NO FOGO TANTA CIÊNCIA INÚTIL, TANTA CIÊNCIA POEIRENTA E VENENOSA, com o fim de dar lugar aos Meus livros, em vez de ficar sabendo tão pouco sobre Mim, mas adorando tanto aquela Imprensa, quase sempre suja de sensualidade ou de HERESIA!!"(...)--Da Obra: "O Evangelho como me foi revelado", de Maria Valtorta.

Zé disse...

Se vários padres negam a existência dos Anjos, reduzindo-os a fantasmas e a metáforas, como querem que os leigos acreditem?